Bruno Latour, Latour1991
Os críticos desenvolveram três repertórios distintos para falar de nosso mundo: a naturalização, a socialização, a desconstrução. Digamos, de forma rápida e sendo um pouco injustos, Changeux, Bourdieu, Derrida. Quando o primeiro fala de fatos naturalizados, não há mais sociedade, nem sujeito, nem forma do discurso. Quando o segundo fala de poder sociologizado, não há mais ciência, nem técnica, nem texto, nem conteúdo. Quando o terceiro fala de efeitos de verdade, seria um atestado de grande ingenuidade acreditar na existência real dos neurônios do cérebro ou dos jogos de poder. Cada uma destas formas de crítica é potente em si mesma, mas não pode ser combinada com as outras. Podemos imaginar um estudo que tornasse o buraco de ozônio algo naturalizado, sociologizado e desconstruído? A natureza dos fatos seria totalmente estabelecida, as estratégias de poder previsíveis, mas apenas não se trataria de efeitos de sentido projetando a pobre ilusão de uma natureza e de um locutor? Uma tal colcha de retalhos seria grotesca. Nossa vida intelectual continua reconhecível contanto que os epistemólogos, os sociólogos e os desconstrutivistas sejam mantidos a uma distância conveniente, alimentando suas críticas com as fraquezas das outras duas abordagens. Vocês podem ampliar as ciências, desdobrar os jogos de poder, ridicularizar a crença em uma realidade, mas não misturem estes três ácidos cáusticos.
Ora, de duas coisas uma: ou as redes que desdobramos realmente não existem, e os críticos fazem bem em marginalizar os estudos sobre as ciências ou separá-los em três conjuntos distintos — fatos, poder, discurso —, ou então as redes são tal como as descrevemos, e atravessam a fronteira entre os grandes feudos da crítica — não são nem objetivas, nem sociais, nem efeitos de discurso, sendo ao mesmo tempo reais, e coletivas, e discursivas. Ou nós devemos desaparecer, portadores de más notícias que somos, ou então a própria crítica deve entrar em crise por causa destas redes contra as quais ela se debate. Os fatos científicos são construídos, mas não podem ser reduzidos ao social, porque ele está povoado por objetos mobilizados para construí-lo. O agente desta dupla construção provém de um conjunto de práticas que a noção de desconstrução capta da pior forma possível. O buraco de ozônio é por demais social e por demais narrado para ser realmente natural; as estratégias das firmas e dos chefes de Estado, demasiado cheias de reações químicas para serem reduzidas ao poder e ao interesse; o discurso da ecosfera, por demais real e social para ser reduzido a efeitos de sentido. Será nossa culpa se as redes são ao mesmo tempo reais como a natureza, narradas como o discurso, coletivas como a sociedade? Será que devemos segui-las abandonando os recursos da crítica, ou abandoná-las posicionando-nos junto ao senso comum da tripartição crítica? Nossas pobres redes são como os curdos anexados pelos Iranianos, iraquianos e turcos que, uma vez caída a noite, atravessam as fronteiras, casam-se entre eles e sonham com uma pátria comum a ser extraída dos três países que os desmembram.
Este dilema permanecería sem solução caso a antropologia não nos houvesse acostumado, há muito tempo, a tratar sem crises e sem crítica o tecido inteiriço das naturezas-culturas. Mesmo o mais racionalista dos etnógrafos, uma vez mandado para longe, é perfeitamente capaz de juntar em uma mesma monografia os mitos, etnociências, genealogias, formas políticas, técnicas, religiões, epopéias e ritos dos povos que estuda. Basta enviá-lo aos arapesh ou achuar, aos coreanos ou chineses, e será possível obter uma mesma narrativa relacionando o céu, os ancestrais, a forma das casas, as culturas de inhame, de mandioca ou de arroz, os ritos de iniciação, as formas de governo e as cosmologias. Nem um só elemento que não seja ao mesmo tempo real, social e narrado.
Se o analista for sutil, irá retraçar redes que se parecerão ao extremo com as tramas sociotécnicas que nós traçamos ao seguir os micróbios, os mísseis ou as pilhas de combustível em nossas próprias sociedades. Nós também temos medo que o céu caia sobre nossa cabeça. Nós também relacionamos o gesto ínfimo de pressionar um aerossol a interdições que envolvem o céu. Nós também devemos levar em conta as leis, o poder e a moral para compreender o que nossas ciências dizem sobre a química da alta atmosfera.
Certo, mas não somos selvagens, nenhum antropólogo nos estuda desta maneira, e é impossível, justamente, fazer em nossas naturezas-culturas aquilo que é possível fazer em outros lugares, em outras culturas. Por quê? Porque nós somos modernos. Nosso tecido não é mais inteiriço. A continuidade das análises tornou-se impossível. Para os antropólogos tradicionais, não há, não pode haver, não deve haver uma antropologia do mundo moderno (Latour, 1988b). As etnociências podem associar-se em parte à sociedade e ao discurso, mas a ciência não pode. É justamente porque somos incapazes de nos estudar desta forma que somos tão sutis e tão distantes quando vamos estudar os outros sob os trópicos. A tripartição crítica nos protege e nos autoriza a restabelecer a continuidade entre todos os pré-modernos. Foi solidamente apoiados nesta tripartição crítica que nos tornamos capazes de fazer etnografia. Foi aí que buscamos nossa coragem.
A formulação do dilema encontra-se agora modificada: ou é impossível fazer uma antropologia do mundo moderno — e é correto ignorar aqueles que pretendem oferecer uma pátria às redes sociotécnicas; ou então esta antropologia é possível, mas seria preciso alterar a própria definição do mundo moderno. Passamos de um problema limitado — porque as redes continuam a ser incompreensíveis? — a um problema maior e mais clássico: o que é um moderno? Ao cavar a incompreensão de nossos ancestrais em relação a estas redes que acreditamos tecer nosso mundo, percebemos suas raízes antropológicas. No que somos ajudados, felizmente, por acontecimentos de porte considerável que enterram a velha toupeira da crítica em seus próprios túneis. Se o mundo moderno tornou-se, por sua vez, capaz de ser antropologizado, foi porque algo lhe aconteceu. Desde o salão de madame de Guermantes, sabemos que é preciso um cataclisma como o da Grande Guerra para que a cultura intelectual modifique ligeiramente seus hábitos e receba em sua casa os esnobes anteriormente indesejáveis.