Tentativa de destacar o sentido da presença das três letras árabes que correspondem aos três matras ou elementos constitutivos do monossílabo OM (AUM), pois o árabe, como todas as línguas semitas entre outras, não comporta, pelo menos explicitamente, este mesmo vocábulo invocatório, e possui em troca, com um emprego sagrado mais ou menos comparável, o vocábulo Amin (= amem), equivalência sobre a qual se voltará a tratar adiante.
As três letras árabes alif, waw e mim enquanto elementos de um grupo ternário determinado e situado no quadro simbólico de nosso esquema do Homem Universal, podem ser interpretados assim: o alif, que é um símbolo da unidade e do princípio primeiro, representa naturalmente Alá, cujo nome tem como letra inicial um alif; em oposição a última das três letras, o mim designa o Enviado de Alá, Maomé, cujo nome começa por esta letra. A inicial e a final deste AWM, correspondem assim às duas Atestações do Islã: aquele concernente a Alá como Deus único e aquela da missão divina do Profeta Maomé. Entre estes dois termos extremos o waw faz junção, esta letra sendo a cópula “e” (wa); ao mesmo tempo, metonimicamente o waw é a Wahda, a Unidade essencial entre o Princípio puro e a Realidade Maometana.
Interpretando a relação ideográfica entre as três letras em uma perspectiva teofânica pode-se dizer que o Verbo, que se encontra no estado principial no alif, se desenvolve enquanto Espírito Santo no movimento espiral do waw para se enrolar finalmente na forma totalizante e ocultante do mim maometano; assim a Realidade Maometana constitui o mistério do Verbo supremo e universal, pois ela é ao mesmo tempo a Teofania integral (da Essência, dos Atributos e dos Atos) e sua ocultação sob o véu da Servitude absoluta e total. Eis porque o Profeta dizia: “Aquele que me vê, vê a Verdade ela mesma”. A sequência apresentada por estas letras pode ser vista como constituindo o ciclo completo do Sopro universal: em termos hindus, Brahma enquanto Prana.
Deve-se notar que esse simbolismo de totalidade específico ao grupo de três letras árabes alif-wâw-mîm coincide exatamente com o do monossílabo hindu segundo o Mândûkya Upanishad (shruti 1): “Om, esta sílaba (akshara) é tudo o que é!”.
Além disso, o alif e os mîm podem ser vistos a partir da perspectiva do ciclo de manifestações proféticas. Essas letras, que são também a inicial e a final do nome de Adão, representam, respectivamente, o próprio Adão como o portador primordial da divina Ciência dos nomes (‘Ilm al-Asma) e Muhammad como Selo dos Profetas recebe as Palavras Sintéticas (Jawâmi al-Kalim) e é responsável por “aperfeiçoar a moral nobre” (tatmîm Makârim al-Akhlâq).
Assim, entende-se que o papel desse Aum árabe é de ordem simplesmente ideográfica, e é a esse respeito que faremos mais algumas observações.
Em nossa figura, as letras arábicas correspondentes aos caracteres A, U, M, seguem-se em ordem decrescente, que corresponde à hierarquia das verdades que simbolizam, enquanto no simbolismo hindu a ordem das matras de Om é ascendente.
Essa ordem inversa dos matras é explicada pelo seu arranjo segundo a ordem de reabsorção do som, que começa a partir do estado de manifestação completa no domínio sensível, sobe por um movimento de involução interna no domínio sutil, e reintroduz, por uma extinção total, ao não manifestado.
OM | ATMA | “MUNDOS” | VEDAS | |
Mâtras | Sedes Microcósmicas | Condições Macrocósmicas | ||
M | Estado de “sono profundo” (Sushupti-sthâna) | Prâjna (grau não manifesto) | “Sol” | Sâma-Vêda |
U | Estado de “sonho” (Swapna-sthâna) | Taijasa (manifestação sutil) | “Lua” | Yajur-Vêda |
A | Estado “vigília” (Jâgarita-sthâna) | Vaishwânara (manifestação grosseira) | “Terra” | Rig-Vêda |
No entanto, as matras do monossílabo sagrado também têm uma representação escrita. Ora, a este respeito, tanto do lado árabe como do lado sânscrito, os elementos geométricos correspondentes aos caracteres da transcrição parecem ser os mesmos; uma linha reta para o caractere A, um elemento curvo ou espiral para o caractere U e um ponto para o caractere M. Seria necessário, neste caso, dar-se conta, sob a relação ideográfica, da inversão resultada, pelo menos aparentemente, na ordem dos respectivos caracteres. A este respeito, no que respeita ao lado sânscrito, recorreremos aos pormenores dados por René Guénon em L’Homme et son devenir segundo Vêdânta, quando teve de tratar, pela primeira vez de forma especial, o sagrado monossílabo hindu, e tanto mais que não se encontra em nenhum outro lugar, fora de seus escritos, a indicação de um simbolismo geométrico das matras de Om: “…as formas geométricas que correspondem respectivamente às três matras são uma linha reta, um semicírculo (ou melhor, um elemento espiral) e um ponto: o primeiro simboliza o desdobramento completo da manifestação; a segunda, um estado de envolvimento relativo em relação a esse desdobramento, mas ainda assim desenvolvido ou manifestado; o terceiro, o estado informal e “adimensional” ou condições especiais de limitação, ou seja, não manifesto. Notar-se-á também que o ponto é o princípio primordial de todas as figuras geométricas, como o não-manifesto é de todos os estados de manifestação, e que é, em sua ordem, a unidade verdadeira e indivisível, o que o torna um símbolo natural do puro Ser”.
Citamos in extenso este texto de Guénon porque contém, ao mesmo tempo que as correspondências de que falamos, uma indicação do sentido particular em que estas devem ser entendidas quando se trata do lado sânscrito. Sabemos, assim, que a reta em questão simboliza “o desdobramento completo da manifestação”; mas se esse significado deve ser encontrado no caractere A da transcrição hindu a que Guénon se refere, sem maior precisão, não é, porém, possível encontrá-lo na vertical do alif árabe; este, para usar aqui termos que o próprio Guénon usou em outra circunstância, por sua forma corresponde a “amr, afirmação do puro Ser e primeira formulação da Vontade Suprema”, que reconhece nele um simbolismo principial e axial. Ao contrário, a ideia de “desdobramento completo da manifestação” remete a uma representação oposta à da linha vertical, que aqui devendo ser sempre retilínea, não poderá ser horizontal.
Mas como as formas ordinárias ou ainda mais especiais de transcrição do akshara em Devanagari não revelam, pelo menos à primeira vista, todos esses elementos geométricos básicos, acreditamos que René Guénon tinha em vista uma forma hieroglífica particular do monossílabo Om, de um caráter mais simples e primordial, feito para corresponder graficamente às propriedades fonéticas da palavra. Em todo caso, encontramos em sua obra indicações ainda mais precisas na mesma direção, quando fala do simbolismo da concha.