Santos Via Simbolica

TEMA III
ARTIGO 3 – A VIA SYMBOLICA
Embora os pontos de vista lógicos e metafísicos em Aristóteles e Platão estejam estreitamente conexionados e dependentes um do outro, representam esses dois filósofos as duas posições fundamentais do pensamento filosófico, após a grande síntese de Pitágoras, infelizmente tão pouco conhecida.

Aristóteles reconhece a primazia da substância individual, a única que tem uma existência real. Dessa forma a qualitas substantialis é o ser mais perfeito, por ser o mais determinado. Mas a perfeição para Platão está em função da inteligibilidade.

O conhecimento é para Platão uma participação do inteligível que as coisas imitam. E a inteligência dá-se graças à presença prévia no cognoscente de esquemas noéticos, capazes de realizá-los, pela adaptação, isto é, pela acomodação dos esquemas, e pela assimilação correspondente. E será maior à proporção que fõr maior o número de esquemas.

O que é inato no homem são as idéias, as formas (eide), e não as eidola, as formazinhas, as idéias das coisas que a nossa experiência fornece. Não seria o homem capaz de conhecer sem uma assimilação, e esta exige a prioridade de um grupo de esquemas inatos simples, que permitam a formação de esquemas complexos, que constituem as nossas idéias das ccisas.

Compreendido deste modo o pensamento de Platão, como o mostramos em “Teoria do Conhecimento” torna-se clara a participação platônica, sem precisar apelar para as vã-
cilações que surgem nos diálogos, em que Sócrates parece não distinguir claramente a diferença entre eidos e eidolon.

Tomás de Aquino que muito bem compreendeu o pensamento platônico, estabelece dois modos de atribuição : atribuição essencial, por essência, e atribuição por participação. (Quodl. 2 a 3,) Embora não as definisse, ele as exemplificava da seguinte maneira: “a luz é atribuída ao corpo iluminado por participação (participativa), mas se existisse uma luz separada, a luz lhe seria atribuída essencialmente ou por essência”. Em suma, na atribuição essencial, sendo o sujeito separado, subsistente por si, o predicado repete apenas o que já está enunciado no sujeito. Ele é própriamente um sujeito na sua essência. Ora, neste caso, não há pròpriamente participação, porque ele é idêntico por essência.

E diz Tomás de Aquino : … “ao contrário, o que não é totalmente uma coisa, para falar com propriedade, diz-se que participa dessa coisa. Assim, se houvesse um calor existente de per si, não se diria que ele participa do calor, porque, no calor, nada mais haveria do que calor. O fogo, ao contrário, pelo fato de que é alguma coisa diferente de o ,calor, diz-se que participa do calor” (Ib). Essa distinção entre estes dois tipos de atribuição é de máxima importância para compreensão do símbolo, porque a formalidade do simbolizado que o símbolo aponta, é participado por este, e não se identifica com ele. Assim Tomás de Aquino diz : “o ser é atribuído essencialmente apenas e unicamente a Deus, pois o
Esse (Ser) Divino é um Esse subsistente e absoluto, é atribuído a toda criatura por participação, pois nenhuma criatura é o seu esse, mas ela tem o esse (ser). Da mesma maneira ainda se diz de Deus que é bom, porque Ele é a própria bondade: as criaturas, ao contrário, são boas por participação, porque elas têm a bondade.”

Esta distinção entre ter e ser é importante na compreensão dos símbolos. O que o símbolo aponta, isto é, a significabilidade que ele apresenta, não é do seu esse (ser), mas do seu ter.

O símbolo tem a formalidade da qual participa, que é da essência de outro, o simbolizado. Por ex., na circunferência, o ilimitado ela o tem, mas sòmente a Divindade o é. Por isso, o circulo pode simbolizar, através dessa formalidade, a divindade que a é em plenitude.

Atribuição por participação apresenta duas espécies:
1) em que o predicado atribuído por participação é o elemento essencial do sujeito;
2) em que o predicado está fora da essência do sujeito.

No primeiro caso temos o ex. do gênero atribuído à sua espécie, e a espécie compreende, além do gênero, a diferença específica. A segunda atribuição é a que se refere aos acidentes, quer sejam necessários ou puramente contingentes. Assim, por ex., o esse, significando existência, é participado pelas criaturas como um elemento exterior à sua essência, porque existir não é da essência das criaturas.

Todas essas distinções se tornam necessárias para evitarem-se certas confusões que surgem nas obras de muitos filósofos e religiosos.

O homem participa de Deus, participa da bondade de Deus, não é porém, a bondade de Deus. Nem tudo que pertence a Deus pertence à criatura, por isso não há composição entre Deus e a criatura.

Neste caso, poder-se-ia dizer que temos Deus, mas não somos Deus, a não ser que se desse aos Esse um sentido puramente de atribuição por participação e não por essência.

Compreendendo-se bem as distinções que acabamos de fazer, evitam-se as aporias naturais do panteísmo, cujo defeito fundamental está em confundir a atribuição por participação com a atribuição por essência.

Na atribuição por essência, há uma identidade absoluta entre sujeito e predicado, enquanto na atribuição por participação pode dar-se, como vimos a predicação de algo que pertence à essência, e algo que esteja fora da essência.

Na atribuição por participaçãoatribuição por essência apenas parcial, enquanto na outra é ela absoluta.

Assim por ex. homem é atribuído a Sócrates por participação. Isto não quer dizer que Sócrates participe do homem, mas que Sócrates contém elementos que não condizem com o atributo homem. Neste caso, o sujeito é mais rico que o predicado, porque Sócrates tem diferenças individuais que não estão compreendidas na espécie homem.

Estamos assim em face de um exemplo de atribuição por participação na ordem social e no que é estranho à essência. Sócrates não é o homem plenitude, mas é da sua essência ser homem, portanto estamos em face de uma atribuição por participação de ordem essencial, não porém uma mera atribuição por essência, pois essa exige plenitude, isto é, identificação entre sujeito e predicado, o que no caso de Sócrates não se dá.

Na atribuição por participação o sujeito participa do predicado, mas o predicado é uma parte do sujeito, enquanto na atribuição por essência, sujeito e predicado são absolutamente idênticos.

Examinemos agora a participação na ordem acidental, na atribuição acidental. Esta não exclui a atribuição necessária. Basta que se dêem séries formais independentes quanto às suas razões, mas que tenham uma ordem necessária. Assim a côr e a extensão são formalmente diversas, mas não pode haver uma côr sem extensão.

Temos aqui uma atribuição acidental necessária, a qual deve ser distinguida de uma atribuição acidental contingente.

Nesta última, duas séries formais independentes quanto às suas razões e que não são ordenadas umas às outras, se encontram, de fato, num sujeito. Tomemos como exemplo o ferro em braza.

Neste último caso o acidente é estranho à essência da substância.

No plano teológico o ser de Deus é idêntico à ‘sua essência, e o ser pertence à criatura por participação. Deus é o seu ser, a criatura tem o seu ser, e ela o recebe daquele que é o seu próprio ser, pois ser, sem ter recebido, é ser por essência, como nos mostra Tomás de Aquino.

Rodemos sintetizar o que acima dissemos com as seguintes palavras: A participação pode ser vista como o fato de receber e também como o fato de ser. No primeiro caso, a participação se dá ao receber parcialmente o que pertence universalmente a outro. E no segundo caso, consistiria em ser parcialmente o que o outro é em plenitude absoluta.

Essa distinção interessa sobremaneira ao estudo dos símbolos.

Toda perfeição que não é atribuível por essência a um sujeito, ela é conseqüentemente participada, ou participável. Nesse caso, essa perfeição caberá a um ser em sua plenitude, isto é, por essência. Este pensamento, entretanto, é rejeitado, porque nos levaria à afirmação da subsistência de per si das formalidades, o que se atribuiu ao platonismo. Assim o calor, que é participado pelos seres sensíveis, passaria a ser atributo por essência de um ser em cujo sujeito ele se identificaria. Portanto, o calor seria subsistente de per si. Mas se considerarmos que essas formalidades, que nós captamos, as quais correspondem ao fundamentado nas coisas, não exigem um sujeito que com elas se identifiquem separadamente, podemos admiti-las como esquemas formais, estruturas ontológicas, fundadas no próprio ser, e segundo a ordem a que pertencem. Neste caso, o calor, como absoluto, é apenas um esquema noético, mas o calor é uma modal de certos seres, os quais participam dessa perfeição, cuja plenitude só se dá na ordem ontológica do ser, e não subsistente de per si, com um sujeito que o seria por essência.

Na classificação pitagórica das duas tríadas, a tais formalidades é dada uma estrutura ontológica sem onticidade subjetiva.

Participar de uma forma é tê-la em estado limitado, quando em outro está em estado mais perfeito ou em estado absoluto.

Assim a inteligência humana participa de uma inteligência superior, divina, que está em estado absoluto. O símbolo, portanto, indica com a sua formalidade, em estado limitado, a referência a uma forma em estado superior ou absoluto. Por isso, o símbolo é hieràrquicamente inferior ao simbolizado. Exemplifiquemos : o touro revela-nos força, potência. A divindade é fôrça, é potência e, desse modo, o touro pode simbolizar a divindade, como vemos em diversas religiões, como o culto de Mitra, por ex. Por sua vez o touro pode simbolizar o sol, e este a divindade, há assim uma ascenção hierárquica do símbolo para o simbolizado que, por sua vez, é símbolo do simbolizado superior.

Esse ponto é importante para fazer ressaltar o que chamamos de via symbolica. Porque se muitas vezes os religiosos escolhem um símbolo para se referirem a um simbolizado, podem, no entanto, prosseguir, através de hierarquias simbólicas, até alcançar um ser per essentia, que é Deus, o grande simbolizado por todas as perfeições que possamos captar das coisas da nossa experiência. Em sua simbólica, todas as religiões referem-se, imediata ou mediatamente, a esse grande simbolizado.

Todas as essências finitas são similitudes e, em suma, símbolos da essência infinita. Assim a perfeição convém à perfeição primeira por essência, e ao ser finito por participação.

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