TEMA II
ARTIGO 2 – COMENTÁRIOS PSICOLÓGICOS À SIMBOLOGENÉTICA
Depois do estudo que fizemos sobre a Simbologenética, podemos estabelecer alguns comentários psicológicos esclarecedores de tema de tal relevância para a filosofia.
§ 1 – A acomodação dos esquemas inclue na sua atividade complexa uma imitação dirigida para o objeto, a qual se prolonga através de esboços imitativos. Essas mudanças de potencial dos esquemas, que se atualizam nessa atividade, fornecem significantes que vão servir, depois, para o ludus infantil, ou para a inteligência aplicar aos significados diversos que surgem, segundo os vários modos de assimilação, quer expontânea, quer por adaptação. No ludus simbólico da criança encontra-se sempre um elemento de imitação. Nem podia deixar de ser, pois o símbolo implica sempre o semelhante, e este, por sua vez, repete algo de outros. fase produto da imitação funciona como significaste. Nas fases primárias da inteligência, a imagem é utilizada como símbolo ou significaste, e refere-se aos esquemas.
§ 2 – A acquisição da linguagem, na criança (sistema de sinais colectivos), coincide com a formação do símbolo, isto é, sistema de significantes individuais. (É o que muito bem observa Piaget em seus livros, cujas contribuições são por nós compendiadas, ao lado das de outros, neste artigo.)
Gross considera-a anterior, chegando a encontrar símbolos até nos animais, e dá-lhes, ainda, a consciência da ficção.
Ora, o ludus primitivo é de simples exercício na primeira fase infantil, mas o verdadeiro símbolo só surge quando um gesto ou um objeto representam para o sujeito outra coisa que os dados perceptivos.
§ 3 – Do momento que a criança age verdadeiramente sobre o mundo exterior, revela-nos Piaget, cada uma de suas conquistas dá lugar, não sòmente a uma repetição imediata, mas a uma generalização bem visível.
A criança busca os mesmos meios para fazer durar os espetáculos interessantes, e nisso está a prova do poder generalizador dos esquemas. Nas explicações pelo novo, há acomodação dos esquemas já adquiridos, a fim de “compreender” os objetos. É uma generalização activa em busca de novas atualizações.
As generalizações são indispensáveis às combinações mentais superiores. A elaboração de novos esquemas se dá na ocasião dessas generalizações. Não nos aparecem os esquemas como entidades autônomas, mas como produtos de uma atividade contínua que lhes é inerente, como bem o demonstra Piaget.
§ 4 – Psicològicamente, a atividade assimiladora, que se prolonga imediatamente, sob forma de assimilação reproductora, é pois o fato primário.
Essa atividade, na medida em que tende para a repetição, engendra um esquema elementar – o esquema se constitui pela reprodução activa -, pois graças a essa organização nascente, torna-se capaz de assimilação generalizadora e recognitiva.
Por outro lado, os esquemas, assim constituídos, acomodam-se à realidade exterior, na medida em que buscam assimilar, e se diferenciam, pois, progressivamente.
É assim que no plano psicológico, como no biológico, a esquemática da organização é inseparável de uma atividade assimiladora e acomodadora, cujo único funcionamento, e só ele, explica o desenvolvimento das estruturas sucessivas.
§ 5 – “Quanto mais primitivas são as formas, mais próximas se acham aos sentimentos, Volkelt diz que a alma, nos graus mais primitivos do desenvolvimento, dispõe de.
forças formadoras de conjuntos que exercem sua ação, e formam uma totalidade em planos diferentes no espírito pensante substantivo e ordenados do homem adulto culto. E isso é válido tanto para a criança como para o homem primitivo” (Katz op. cit. 14)
E mais adiante acrescenta: “Dois fenômenos estranhos, que casualmente coincidem no tempo, a consciência infantil os reune numa forma única. O adulto compreende que os dois processos nada têm que ver entre si, que, na realidade, não formam uma união; não assim, porém, compreende a criança. O intelectual sensível e o volitivo emotivo não se diferenciaram ainda, na consciência da criança, das totalidades primitivas (Volkelt). O desenvolvimento vai desde o totalista qualitativo ao agregativo somativo. Esta caracterização da vida primitiva é válida também para o homem primitivo (Katz).
Assim se compreende como os gestaltistas esclarecem o tema tão complexo do pensamento primitivo chamado de pre-lógico, e permite aplicar novos elementos à compreensão do pensamento mágico, em termos dialéticos, isto é, sem a unilateralidade daqueles que o querem encontrar em nossos primitivos actuais, o que será tema da “Noologia.”
§ 6 – Os fatos singulares, captados singularmente pela criança, através dos esquemas do sensório-motriz, vão constituir esquemas fácticos singulares, que conservam a individualidade dos elementos, pois se referem a uma singularidade.
Quando a criança os acomoda para assimilar um fato novo, ela o reduz aos esquemas anteriores, dando-lhe a mesma singularidade. Estamos no ante-conceito, pois há acomodação de um esquema fáctico, por conseguinte, singular, a um outro. Não há pròpriamente na criança distinção nessa fase entre o um e alguns, e muito menos entre alguns e todos.
O conteúdo intencional, que se referia a um fato singular, é dado agora a outro fato semelhante. A criança tende a denominar, quando já usa a palavra, com o mesmo termo, que se refere a uma individualidade, outros fatos.
Pode-se exemplificar com a sombra de uma determinada árvore, intuitivamente captada pela criança. Quando escurece em casa, pode ela considerar aquela sombra como tendo penetrado no local.
Demonstra assim que ela não distingue a sombra que se apresenta no quarto da sombra da árvore, por lhe faltar o esquema eidético-noético de sombra, ainda não formado. Ela usa, assim, o ante-conceito (neste caso, a “sombra desta árvore”) para apontar a nova sombra que surge, à qual ela aplica o mesmo conteúdo.
Este ante-conceito permanece a meio caminho entre a generalidade do conceito e a individualidade dos elementos aos quais ela se refere. A generalização do ante-conceito, isto é, a sua aplicação a alguns, e posteriormente a todos, é o que o estrutura como conceito prôpriamente dito. Essas transducções se processam fundadas nas analogias imediatas. Temos aí, patente, o carácter simbólico dessas transducções, o que se dá por falta da generalidade. Posteriormente um conceito, que era único, como esquema fáctico noético, tornar-se-á o referido pelos fatos que apresentam notas semelhantes às que compõem o conceito.
Aí já se realiza uma operação, que implica o juizo, pelo discurso, pois há transducção da imagem para o conceito, com o qual é comparada, e se houver assimilação, o fato passa a ser classificado no conceito.
É o processo da abstração, realizada pelo intellectus agens, estudado formalmente por Aristóteles e os escolásticos, e que a psicologia moderna explica analiticamente, com maior abundância de pormenores.
§ 7 – Mostra-nos muito bem Piaget que, para a Gestalttheorie, o ideal é explicar a inteligência pela percepção, enquanto a própria percepção deve interpretar-se em têrmos de inteligência.
Tôda percepção é uma acomodação (com ou sem reagrupamento) de esquemas que exigiriam, por sua constituição, um trabalho sistemático de assimilação e de organização; e a inteligência não é mais do que uma complicação progressiva desse mesmo trabalho, desde que a percepção imediata da solução não é possível.
§ 8 – A possibilidade não nos é dada por estímulos exteriores, mas nos é revelada pela intuição dirigida para algo ou pela reflexão em algo.
É ao homem que cabe esse processo : intuição para, e intuição pelo. Intuição não estimulada, que parte do sujeito para o objeto, e intuição que é provocada pelo estímulo exterior.
Pode estabelecer-se uma distinção entre intuição autônoma e heterônoma?
Sem cairmos no abstractismo, poderíamos atualizar o autônomo ou o heterônomo, desde que consideremos o ponto original de partida da intuição.
Não podemos deixar, no entanto, em face do que já sabemos sobre os esquemas, de reconhecer que não nos despertaria a menor intuição um fato exterior para o qual não tenhamos, mesmo incipientemente, esquemas para assimilá-lo (o que é uma positividade do idealismo).
A sensação já implica certos esquemas simples; a percepção implica a presença de uma complexidade maior de esquemas; a atenção, exige que se ponha em movimento verdadeiras constelações de esquemas. Vê-se, assim, que se poderia explicar as chamadas faculdades do nosso espírito, dentro de uma concepção funcional, sem a necessidade de prosseguirmos dentro do campo estreito e aporético das concepções substancialistas, quando tomadas abstratamente.
§ 9 – Nossa primeira providência ao descobrirmos algo novo, ao construirmos um esquema objectivo, isto é, de objetivação do mundo exterior, é darmos-lhe um nome, que o aponte, que o assinale. Realizamos, assim, a exigência de completação de um esquema eidético, o qual consiste no seguinte:
Ao que distinguimos e esquematizamos, precisamos nomear, porque nomeamos sempre o que esquematizamos. Novos esquemas exigem novos nomes. Por isso sentimo-nos aflitos quapdo não encontramos em nossos esquemas verbais aqueles que melhor correspondam, por analogia que seja, ao fato novo. E quando não os temos, precisamos criá-los.
Tal fato é uma revelação importante em favor de certas teses idealistas, sem que isso signifique uma aceitação total dessa posição, nem exclua outras positividades colocadas por concepções contrárias a essa.
§ 10 – Um argumento para validar as teses idealistas, nesse sentido restricto que demos, consiste em podermos conher os objetos “an sich” e “für sich” (como potência e acto). A potência revela-nos a finalidade, o que não é uma mera imagem, mas algo mais do que o objeto meramente em acto. E tal captação depende de esquemas eidético-noéticos que permitem assimilações que não se processam através de uma intuição sensível, mas através de outras assimilações, com a presença de esquemas noéticos conjugados.
§ 11 – Em abono das nossas opiniões, vejamos esta passagem de Ruyer:
“Os esquemas, que estão na base da criação das formas, valem ainda para as criações de imagens. O funcionamento, quer dizer, o movimento segundo seus laços, mecaniámos existentes, as interferências desses mecanismos que criam formas novas, eis o que deve bastar para explicar todas as criações humanas.”
Em suma, Ruyer, através das longas análises oferecidas em seus livros, alcança a um ponto positivo, que está expresso em nossa concepção noológica. A complicação dos esquemas, pela conjugação dos esquemas anteriores, que vão constituir novas estruturas, é suficiente para explicar a grande complexidade esquemática do ser humano, que é potencialmente infinita, limitada apenas pelos limites naturais do tempo e da vida humana, como o veremos em nossas obras de Noologia.
§ 12 – No psicológico, os esquemas são acomodados pela ação de um todo psíquico coordenador.
Os esquemas são formados segundo
a) favoreçam o processo psíquico;
b) desfavoreçam-lhe o desenvolvimento.
Não há, portanto, esquemas indiferentes. A vida é sempre interessada.
No homem, a direção se complexiona, segundo os graus de desenvolvimento do espirito e a construção de esquemas obedece também a coordenadas da vontade, de origem afectiva, cujo vector é dado por esta ou pela intelectualidade.
Por isso, pode o homem construir sistemas de esquemas, e ordená-los sob uma ordem de coerência que obedece a um nexo de idealidade, enquanto na natureza o nexo é de causalidade.
O homem deve ser compreendido, então:
a) como natureza – obedecendo ao nexo da causalidade;
b) como cultura – obedecendo ao nexo da idealidade ou dos afectos.
Convém esclarecer também o sentido de idealidade e de causalidade para melhor compreensão da atividade vectorialmente inversa do homem.
a) Irreversível – da facticidade;
b) reversível – do operatório intelectual.
Os fatos singulares são, como tais, irrepetíveis, o que é revelado pela sua historicidade. Mas as operações do espírito são reversíveis, pois podemos executá-las, partindo de antecedente para conseqüente, como do inverso, o que revela outro carácter do espírito, embora se dê no tempo, porque há sucessão. É um carácter espacial do espirito, inseparável do tempo, mas que o ultrapassa.
§ 13 – Os símbolos surgem:
• por deficiência (na criança, por exemplo) ;
• por suficiência (na Arte) ;
• por proficiência (a dos iluminados).
Já examinamos a formação dos símbolos infantis. Os dos artistas, por suficiência, e os dos iluminados, dos misticos religiosos, dos grandes beatificados, dos grandes constructores de religiões, e dos filósofos superiores, surgem por proficiência, pois nesses há uma experiência mais profunda do simbolizado e uma especulação sobre os seus atributos.
É este aspeto que nos mostra a variância que se observa nos símbolos das diversas religiões, que embora apontem ao mesmo simbolizado, o ser supremo, a divindade, Deus, apresentam-se eles diferentemente, segundo o grau mais elevado ou menos elevado dessas experiências e dessas especulações.
Assim quando o primitivo capta algo do Grande Simbolizado, e o traduz através de símbolos ingênuos, não implica que o referente não seja o mesmo, embora diferente a linguagem religiosa.
E as disputas que posteriormente se travam entre religiosos de crenças diferentes refere-se mais à insuficiência do símbolo, quando todos, sem exceção, desejam apenas referir-se ao mesmo Deus.
O estudo da simbólica nos oferece assim uma base de homogenização das religiões e também um maior respeito às diversas crenças dos povos, sem necessidade de se perpetuarem conflitos que revelam apenas insuficiência do conhecimento sobre os símbolos.
§ 14 – Em toda tensão, há relação de símbolo e de simbolizado.
Todo ente é símbolo de…, mas algumas vezes é simbolizável (é referível). Temos, assim, a poli-significabilidade do ente (tensão), isto é, sua capacidade de simbolizar diversos referidos, como também sua possível poli-referência ao ser simbolizado por outros símbolos.
Tôda tensão, segundo a sua ordem, coloca-se como símbolo de algo, que é por sua vez símbolo de outro, como estudaremos mais adiante.
Cada compreensão de um momento de tensão torna acessíveis todas as outras compreensões. Cada momento indica o que não é ele, pois é um afirmar do outro momento.
Cada tensão, sendo símbolo, é poli-significante, e ao afirmar-se, afirma outro que não ela.
§ 15 – Tôda particularidade é símbolo da generalidade que a incluí.
Indivíduo– particularidade – generalidade – universalidade – totalidade (henótica, plethos).
Os fatos são símbolos das leis; as leis, símbolos da ordem universal; a ordem, símbolo do Ser Supremo; este, símbolo de Deus.
Tudo (no imanente) é símbolo do Tempo, o grande simbolizado do quaternário. Por isso o Tempo é referido por tudo quanto está- sujeito à sucessão e parcialmente pode explicar o devir, mas nenhum ente pode, de per si, explicar o tempo; apenas pode apontá-lo.
Sim, porque o símbolo não explica com plenitude; própriamente aponta o simbolizado, ao analogar-se com ele.