Giuseppe Lumia: a filosofia da existência

Quem se iniciar no estudo da «filosofia da existência» depara com duas novidades: a primeira, é a linguagem especial adotada, pelos seus escritores, e a segunda o facto de as suas obras, mesmo as mais importantes, não revestirem a forma tradicional de ensaio ou de tratado, e pertencerem antes à literatura de ficção, sob a forma de diário, narrativa e teatro. Como todas as novidades, estas criam uma dificuldade inicial, que se traduz, por um lado, em um interesse não imediato, e por outro em um maior perigo de falsas interpretações.

Não sofre dúvida que algumas das principais obras dos existencialistas, especialmente dos mais influenciados pela fenomenologia, estão redigidas em estilo fechado e obscuro, mais do que o permitido por um texto filosófico, e de tal modo que conceitos indiscutíveis, e muitas vezes até banais, aparecem dissimulados por uma espessa camada de artificiosas dificuldades, apta sobretudo a ocultar-lhes e não a revelar-lhes o significado. Termos com um sentido preciso consagrado pelo uso são utilizados com novo significado, muitas vezes referido vagamente a etimologias esquecidas. Criam-se neologismos, abusando-se muitas vezes da facilidade de certas línguas, como a alemã, para formar palavras compostas. Palavras com significado ambíguo e nebuloso, carregadas de sugestões místicas e literárias, como angústia, desespero, queda, naufrágio, derrota, etc, entram largamente na linguagem filosófica. Como escreve Stefanini, «cria-se deste modo um novo léxico sacramental e canônico, com um acentuado à vontade que nos transporta a um clima de preciosismo e quase de parnasianismo filosófico, por meio de termos que, através de aliterações e consonâncias, servem para sugerir afinidades ou contrastes entre situações e estados de alma do existente».

Estaria em erro quem considerasse este aspecto do existencialismo como um dado puramente casual e exterior. Observa Bobbio que «quem pretendesse destruir esta estrutura verbal com a intenção de aproximar o existencialismo da filosofia tradicional atingiria o núcleo vital do existencialismo, e, julgando arrancar-lhe uma máscara, decapitá-lo-ia». A obscuridade em que o existencialismo gosta de envolver-se, escreve ainda Bobbio, não é ocasional mas intencional, e intencional porque necessária; «esta obscuridade é ela própria um instrumento da clarificação existencial, porque reveladora da obscuridade profunda e insondável do ser». Inadequada como expressão, a palavra adquire importância como força evocativa.

A segunda das referidas novidades faz que os motivos condutores de uma filosofia sejam pesquisados muitas vezes em obras nas quais esses motivos são vividos e representados, em vez de expostos e discutidos. Também o uso de gêneros literários como no conto, o drama e o diário não se revela gratuito, mas nasce de uma exigência intrínseca do existencialismo, que é a pesquisa do significado do ser no existente singularmente considerado, «lançado a viver» em uma situação histórica determinada. Se o objeto da indagação existencial não é o Homem em geral, mas «este» homem singular, com as suas angústias, preocupações, desejos, e o seu destino particular, compreende-se que a forma do romance ou do drama se preste melhor a contar o desenrolar, único e irrepetível, mas exemplar, da odisseia humana.

Que é o existencialismo? Wahl observa que é difícil alcançar \\a essência de uma filosofia cujo assunto é precisamente o repúdio das essências. O existencialismo não é certamente aquilo que pode chamar-se uma escola: são demasiado diferentes as correntes em que ele se reparte, as formas em que se articula. Misticismo religioso e ateísmo declarado, irracionalismo e apelo à razão, niilismo desesperado e confiança serena nas possibilidades do homem, tudo isto se encontra, e não por mero acaso, na filosofia da existência. Se motivos são diversos podem ser agrupados sob um mesmo rótulo, é que deve haver, e realmente há, uma inspiração comum de que todos partem, e que os aproxima na origem, apesar da diversidade e muitas vezes da inconciliabilidade das conclusões. Esta inspiração é alguma coisa de mais determinado que o clima histórico comum em que as diversas doutrinas nasceram. Na verdade, não pode menosprezar-se o facto de o mesmo clima histórico ter alimentado e alimentar ainda outras filosofias que não é possível reduzir ao denominador do existencialismo.

Tem-se querido definir este como uma atmosfera. A definição é exata mas vaga e, em nosso entender, perigosa. É que a atmosfera converte-se facilmente em moda, aquela moda que se traduziu em certas manifestações superficiais da maneira de trajar, e às quais os frequentadores e frequentadoras da «Rive Gauche» quiseram reduzir o existencialismo, mas que com este nada têm, na realidade, de comum.

Parece-nos, com Foulquié, que o motivo central do existencialismo deve procurar-se naquela atitude do pensamento pela qual a atenção do filósofo se volta de modo proeminente para a existência, em vez de para as essências, e, sem menosprezar estas, põe antes o acento sobre aquela. A distinção entre essência e existência é talvez tão antiga como a filosofia, mas nãodúvida de que os filósofos no passado concentraram a atenção sobretudo nas essências universais, deixando de certo modo de considerar o elemento existencial. Esta atitude é comum tanto aos filósofos «metafísicos» como aos positivistas. A posição limite dos primeiros é constituída por Platão, para quem a plenitude do ser reside nas ideias universais, enquanto a realidade sensível não participa senão muito debilmente do ser, e é, em última análise, ilusória. As coisas não mudam muito quando ao interesse, metafísico se substitui a indagação positiva dos fatos. Na verdade, também a pesquisa científica não visa tanto o conhecimento dos fenômenos individuais, como a determinação de leis gerais — prova-o a longa discussão sustentada sobre a cientificidade da história, quando é certo que nunca se duvidou da cientificidade, por exemplo, da matemática e da física.

Ê indubitável que com o existencialismo a cena sofre uma mudança: porventura pela primeira vez na história do pensamento moderno, a atenção da filosofia volta-se, com consciência, e prevalentemente, para a existência — em particular para aquele existente que é o homem. Isto não quer evidentemente dizer que anteriormente a filosofia não se tenha ocupado do homem: mas tinha-se ocupado dele «sub specie universitatis», como consciência em geral, como Espírito, como razão universalizante. Agora o que interessa não é tanto aquilo que Sócrates tem em comum com todos os outros homens e que constitui a sua «essência» humana, mas o facto do seu existir, ou seja, o fato de que ele existe, quando poderia não existir.

Também não significa que tenha passado a segundo plano o problema do ser, pois que, pelo contrário, o existencialismo pretende restaurar precisamente uma pesquisa do sentido, isto é, do significado do ser. O interesse por este problema é altíssimo nos existencialistas, como resulta da referência contínua ao ser que nas suas obras é feita, muitas vezes até no próprio título (Sein und Zeit, L’être et le néant, Être et avoir). No entanto, aos existencialistas não passa despercebido o condicionalismo existencial da pesquisa do ser, isto é, o facto de que esta pesquisa não pode ser influenciada, e de modo decisivo, pelas condições em que se desenvolve, como obra que é daquele existente que é o homem investigador. Por outras palavras, a pesquisa do ser parte sempre do existente.

Resulta assim claro que no centro do interesse filosófico do existencialismo está o homem, ou melhor, este homem determinado, que vive hic et nunc, com o seu singular destino, com a sua irrepetível e irreversível mutação temporal finita. Daí o posto central que na temática do existencialismo tem a exigência personalística, como reivindicação do valor irredutível e originário da pessoa humana. Nesta exigência revela-se evidente o influxo da tradição cristã, que se exerceu também sobre outras filosofias, mas que o existencialismo teve o mérito de saber exprimir em termos de alto dramatismo e de vigorosa eficácia.

Ora esta exigência personalística comporta o aprofundamento das relações entre a pessoa e a sociedade em que ela vive e atua. Este aprofundamento dá-se sob um duplo aspecto: em primeiro lugar, porque a personalidade do indivíduo só se constitui historicamente em relação com os outros, e na dependência do reconhecimento que deles lhe venha; em segundo lugar, porque a sociedade se apresenta como o correlativo da pessoa, no sentido de que, quanto mais a primeira estender o seu domínio, mais a pessoa vê reduzir a sua esfera de liberdade. Compreende-se, pois, a importância que reveste para o existencialismo o problema da sociedade, e a atenção particular que lhe têm dispensado os diversos filósofos da existência. Compreende-se de igual modo que este problema tenha sido posto, pelo menos inicialmente, em termos de polêmica, vendo-se na sociedade a natural inimiga do indivíduo, para o qual ela constitui uma permanente ameaça e uma irredutível afronta. Só em um segundo momento, quando uma análise fenomenológica mais atenta pôs a claro o caráter relacional da existência, o motivo social refloresceu em toda a sua positividade e pujança.

Nas páginas que se seguem passaremos em revista as posições assumidas pelos vários filósofos da existência sobre o problema da sociedade. Esperamos assim dar um contributo, modesto embora, para o esclarecimento de um aspecto tão importante de uma das correntes de pensamento que é, sem dúvida, das mais significativas do nosso tempo.

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