Francis Bacon – alma (suas faculdades) e corpo

De dignitate et augmentis scientiarum, lib. II, cap. I

A melhor divisão da ciência humana é a que se deriva das três faculdades da alma racional, que é a sede da ciência. A história refere-se à memória; a poesia, à imaginação, e a filosofia, à razão. (…)

Que as coisas são assim, pode-se ver facilmente observando a origem do processo intelectual. Os sentidos, que são a porta do entendimento, só são afetados pelos indivíduos. As imagens desses indivíduos — isto é, as impressões que fazem nos sentidos — fixam-se na memória e nela se alojam, inteiras e tais como chegam. A seguir a mente humana passa a revisá-las e ruminá-las; e, por último, ou simplesmente as repete, ou faz delas imitações caprichosas, ou as analisa e classifica. Portanto, destas três fontes: memória, imaginação e razão, fluem estas três emanações: história, poesia e filosofia; e não pode haver outras, pois considero que a história e a experiência são a mesma coisa, do mesmo modo que a filosofia e as ciências.


De dignitate et augmentis scientiarum, lib. IV, cap. II-III

A doutrina concernente ao corpo do homem recebe a mesma divisão que os bens do corpo humano, ao que se refere. Os bens do corpo humano são de quatro classes: saúde, beleza, força e prazer. Os conhecimentos, portanto, são no mesmo número: medicina, cosmética, atlética e ciência do prazer, que Tácito denomina um luxo sábio. (…)

De todas as substâncias que a natureza produziu, o corpo humano é a mais complexa. Pois vemos que as ervas e plantas se nutrem de terra e água; a maioria dos animais, de ervas e frutas; o homem, porém, da carne desses animais (quadrúpedes, aves e peixes), e também de ervas, grãos, frutas, sumos e líquidos de várias classes; e não sem múltiplas misturas,’condimentos e preparações desses diversos corpos, antes de que se convertam em sua nutrição e alimento. Acrescente-se a isto que os animais têm um modo de vida muito mais simples, e sobre seus corpos atuam menos afecções, e estas de um modo muito uniforme em suas operações; ao passo que o homem, em seus lugares de residência, exercícios, paixões, sono e vigília, está submetido a infinitas variações; de tal modo que na verdade o corpo do homem é a massa mais fermentada e composta de todas as coisas. A alma, pelo contrário, é a mais simples de todas as substâncias. (…)

Esta variável e sutil composição e estrutura do corpo humano fez dele, por assim dizer, como que um instrumento musical de muito e estranho trabalho e que facilmente desafina. E por isto os poetas uniram a música e a medicina em Apolo; porque os gênios destas duas artes são quase o mesmo, pois a missão do médico não consiste em outra coisa que em saber temperar e afinar essa lira que é o corpo humano, de modo que sua harmonia não tenha dissonância nem desentoe. (…)

Passemos agora à doutrina da alma humana, de cujos tesouros decorrem as demais doutrinas. Tem duas partes: uma trata da alma racional, que é divina; a outra da irracional, que é comum com os brutos. Mencionei pouco antes (ao falar das formas) as duas diferentes emanações de almas que aparecem na primeira criação delas: uma que procede do alento de Deus; a outra do seio dos elementos.’Pois acerca da primeira geração da alma racional, diz a Escritura: “Formou o homem.de limo da terra, e insuflou em sua face um sopro de vida”; ao passo que a geração da alma irracional, ou seja a dos brutos, foi realizada mediante as palavras: “Que a água produza, que a terra produza”. Ora, esta alma (tal como existe no homem) é somente o instrumento da alma racional, e tem sua origem, como a dos brutos, no limo da terra. Pois não se disse que “fez o corpo do homem do limo da terra”, mas que “fez o homem”; isto é, o homem inteiro, exceto unicamente o sopro de vida. Assim, a esta primeira parte da doutrina da alma humana denominarei doutrina do sopro vital, e à segunda, doutrina da alma sensível ou produzida. Não obstante, como até agora só trato de filosofia (pois coloquei a sagrada teologia no final da obra), não teria tomado esta divisão da teologia se não estivesse também de acordo com os princípios da filosofia. Pois a alma humana tem uma infinidade de excelências sobre as almas dos brutos,” manifestas inclusive para os que filosofam segundo os sentidos. (…)

A doutrina do sopro vital, que não difere em nada daquela da alma racional, compreende as seguintes indagações acerca de sua natureza: se é nativa ou adventícia, separável ou inseparável, mortal ou imortal, até que ponto está ligada às leis da matéria e até que ponto está isenta delas, e outras questões semelhantes. Porém, mesmo sendo todas estas questões susceptíveis, em filosofia que o seja, de uma investigação mais exata e profunda que a que receberam até agora, creio, não obstante, que no final ter-se-á que confiar à religião que as determine e as defina; de outro modo estarão expostas a muitos erros e ilusões dos sentidos. Com efeito, posto que a substância da alma em sua criação não foi extraída ou produzida da massa do céu e da terra, mas foi inspirada imediatamente por Deus, e posto que as leis do céu e da terra são os temas próprios da filosofia, como podemos esperar obter da filosofia o conhecimento da substância da alma racional? Tem que se derivar da mesma inspiração divina da qual essa substância foi originada.

A doutrina da alma sensível ou produzida é um tema adequado de investigação, inclusive no que se refere a sua substância; mas tal indagação me parece deficiente. Pois de que servem termos como ato último, forma do corpo e bagatelas lógicas semelhantes para a doutrina “da substância da alma? Porque a alma sensível — a alma dos brutos — deve ser considerada claramente como uma substância corpórea, atenuada e feita invisível pelo calor; um fluido, quero dizer, composto das naturezas da chama e do ar, que tem a suavidade do ar para receber impressões e a atividade do fogo para propagar sua ação; nutrido em parte de substâncias oleosas e em parte aquosas; envolto no corpo e alojado, nos animais perfeitos, principalmente na cabeça, que flui ao longo dos nervos e se refresca e repõe mediante o sangue espirituoso das artérias, segundo sustentaram Bernardino Telésio e seu discípulo Agostinho Donio, em parte não sem alguma utilidade. (…) Esta alma é nos brutos a alma principal, e o corpo do bruto é seu instrumento, ao passo que no homem ela mesma não é mais que o instrumento da alma racional, e se a pode denominar mais adequadamente espírito e não alma. E basta, quanto ao que se refere à substâncias da alma.

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