Página inicial > Espinosa, Baruch > Espinosa (E III Pref): afetos

Espinosa (E III Pref): afetos

quarta-feira 11 de dezembro de 2019

  

Grupo de Estudos Espinosanos

Quase todos que escreveram sobre os Afetos e a maneira de viver dos homens parecem tratar não de coisas naturais, que seguem leis comuns da natureza, mas de coisas que estão fora da natureza. Parecem, antes, conceber o homem na natureza qual um império num império. Pois creem que o homem mais perturba do que segue a ordem da natureza, que possui potência absoluta sobre suas ações, e que não é determinado por nenhum outro que ele próprio. Ademais, atribuem a causa da impotência e inconstância humanas não à potência comum da natureza, mas a não sei que vício da natureza humana, a qual, por isso, lamentam, ridicularizam, desprezam ou, o que no mais das vezes acontece, amaldiçoam; e aquele que sabe mais arguta ou eloquentemente recriminar a impotência da Mente humana é tido como Divino. Não faltaram, contudo, homens eminentíssimos (a cujo labor e indústria confessamos dever muito) que escrevessem muitas coisas brilhantes acerca da reta maneira de viver, e que dessem aos mortais conselhos cheios de prudência; mas ninguém que eu saiba determinou a natureza e as forças dos Afetos e o que, de sua parte, pode a Mente para moderá-los. E claro que sei que o celebérrimo Descartes  , embora também tenha acreditado que a Mente possui potência absoluta sobre suas ações, empenhou-se, porém, em explicar os Afetos humanos por suas primeiras causas e, simultaneamente, em mostrar a via pela qual a Mente pode ter império absoluto sobre os Afetos; mas, a meu parecer, ele nada mostrou além da agudeza de seu grande engenho, como demonstrarei no devido lugar, pois agora quero retornar àqueles que preferem amaldiçoar ou ridicularizar os Afetos e ações humanos em vez de entendê-los. Estes, sem dúvida, hão de admirar que eu me proponha a tratar dos vícios e inépcias dos homens à maneira Geométrica e queira demonstrar com uma razão certa aquilo que reiteradamente proclamam ser contrário à razão, vão, absurdo e horrendo. Porém, eis minha razão: nada acontece na natureza que possa ser atribuído a um vício dela; pois a natureza é sempre a mesma, e uma só e a mesma em toda parte é sua virtude e potência de agir, isto é, as leis e regras da natureza, segundo as quais todas as coisas acontecem e mudam de uma forma em outra, são em toda parte e sempre as mesmas, e portanto uma só e a mesma deve ser também a maneira de entender a natureza de qualquer coisa, a saber, por meio das leis e regras universais da natureza. Assim, pois, os Afetos de ódio, ira, inveja, etc., considerados em si mesmos, seguem da mesma necessidade e virtude da natureza que as demais coisas singulares, e admitem, portanto, causas certas pelas quais são entendidos, e possuem propriedades certas, tão dignas de nosso conhecimento quanto as propriedades de qualquer outra coisa cuja só contemplação nos deleita. Tratarei, pois, da natureza e das forças dos Afetos e da potência da Mente sobre eles com o mesmo Método com que tratei de Deus e da Mente nas partes precedentes e considerarei as ações e apetites humanos como se fosse Questão de linhas, planos ou corpos. (p. 233, 235)

Charles Appuhn

Ceux qui ont écrit sur les Affections et la conduite de la vie humaine semblent, pour la plupart, traiter non de choses naturelles qui suivent les lois communes de la Nature mais de choses qui sont hors de la Nature. En vérité, on dirait qu’ils conçoivent l’homme dans la Nature comme un empire dans un empire. Ils croient, en effet, que l’homme trouble l’ordre de la Nature plutôt qu’il ne le suit, qu’il a sur ses propres actions un pouvoir absolu et ne tire que de lui-même sa détermination. Ils cherchent donc la cause de l’impuissance et de l’inconstance humaines, non dans la puissance commune de la Nature, mais dans je ne sais quel vice de la nature humaine et, pour cette raison, pleurent à son sujet, la raillent, la méprisent ou le plus souvent la détestent : qui sait le plus éloquemment ou le plus subtilement censurer l’impuissance de l’Âme humaine est tenu pour divin. Certes n’ont pas manqué les hommes éminents (au labeur et à l’industrie desquels nous avouons devoir beaucoup) pour écrire sur la conduite droite de la vie beaucoup de belles choses, et donner aux mortels des conseils pleins de prudence; mais, quant à déterminer la nature et les forces des Affections, et ce que peut l’Âme de son côté pour les gouverner, nul, que je sache, ne l’a fait. À la vérité, le très célèbre Descartes, bien qu’il ait admis le pouvoir absolu de l’Âme sur ses actions, a tenté, je le sais, d’expliquer les Affections humaines par leurs premières causes et de montrer en même temps par quelle voie l’âme peut prendre sur les Affections un empire absolu; mais, à mon avis, il n’a rien montré que la pénétration de son grand esprit comme je l’établirai en son lieu. Pour le moment je veux revenir à ceux qui aiment mieux détester ou railler les Affections et les actions des hommes que les connaître. A ceux-là certes il paraîtra surprenant que j’entreprenne de traiter des vices des hommes et de leurs infirmités à la manière des Géomètres et que je veuille démontrer par un raisonnement rigoureux ce qu’ils ne cessent de proclamer contraire à la Raison, vain, absurde et digne d’horreur. Mais voici quelle est ma raison. Rien n’arrive dans la Nature qui puisse être attribué à un vice existant en elle; elle est toujours la même en effet; sa vertu et sa puissance d’agir est um et partout la même, c’est-à-dire les lois et règles de la Nature, conformément auxquelles tout arrive et passe d’une forme à une autres sont partout et toujours les mêmes; par suite, la voie droite pour connaître la nature des choses, quelles qu’elles soient, doit être aussi une et la même; c’est toujours par le moyen des lois et règles universelles de la Nature. Les Affections donc de la haine, de la colère, de l’envie, etc., considérées en elles-mêmes, suivent de la même nécessité et de la même vertu de la Nature que les autres choses singulières; en conséquence, elles reconnaissent certaines causes, par où elles sont clairement connues, et ont certaines propriétés aussi dignes de connaissance que les propriétés d’une autre chose quelconque, dont la seule considération nous donne du plaisir. Je traiterai donc de la nature des Affections et de leurs forces, du pouvoir de l’Âme sur elles, suivant la même Méthode que dans les parties précédentes de Dieu et de l’Âme, et je considérerai les actions et les appétits humains comme s’il était question de lignes, de surfaces et de solides. (p. 133-134)

Samuel Shirley

Most of those who have written about the emotions (affectibus) and human conduct seem to be dealing not with natural phenomena that follow the common laws of Nature but with phenomena outside Nature. They appear to go so far as to conceive man in Nature as a kingdom within a kingdom. They believe that he disturbs rather than follows Nature’s order, and has absolute power over his actions, and is determined by no other source than himself. Again, they assign the cause of human weakness and frailty not to the power of Nature in general, but to some defect in human nature, which they therefore bemoan, ridicule, despise, or, as is most frequently the case, abuse. He who can criticise the weakness of the human mind more eloquently or more shrilly is regarded as almost divinely inspired. Yet there have not been lacking outstanding figures who have written much that is excellent regarding the right conduct of life and have given to mankind very sage counsel; and we confess we owe much to their toil and industry. However, as far as I know, no one has defined the nature and strength of the emotions, and the power of the mind in controlling them. I know, indeed, that the renowned Descartes, though he too believed that the mind has absolute power over its actions, does explain human emotions through their first causes, and has also zealously striven to show how the mind can have absolute control over the emotions. But in my opinion he has shown nothing else but the brilliance of his own genius, as I shall demonstrate in due course; for I want now to return to those who prefer to abuse or deride the emotions and actions of men rather than to understand them. They will doubtless find it surprising that I should attempt to treat of the faults and follies of mankind in the geometric manner, and that I should propose to bring logical reasoning to bear on what they proclaim is opposed to reason, and is vain, absurd and horrifying. But my argument is this: in Nature nothing happens which can be attributed to its defectiveness, for Nature is always the same, and its force and power of acting is everywhere one and the same; that is, the laws and rules of Nature according to which all things happen and change from one form to another are everywhere and always the same. So our approach to the understanding of the nature of things of every kind should likewise be one and the same; namely, through the universal laws and rules of Nature. Therefore the emotions of hatred, anger, envy, etc., considered in themselves, follow from the same necessity and force of Nature as all other particular things. So these emotions are assignable to definite causes through which they can be understood, and have definite properties, equally deserving of our investigation as the properties of any other thing, whose mere contemplation affords us pleasure. I shall, then, treat of the nature and strength of the emotions, and the mind’s power over them, by the same method as I have used in treating of God and the mind, and I shall consider human actions and appetites just as if it were an investigation into lines, planes, or bodies.


Ver online : ÉTICA DE ESPINOSA (tr. Tomaz Tadeu)