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Espinosa (E 4 P37 Esc2) – agir e fazer por natureza e por lei

quarta-feira 15 de setembro de 2021, por Cardoso de Castro

  

Cada um existe por sumo direito de natureza e, consequentemente, por sumo direito de natureza faz [age] aquilo que segue da necessidade de sua natureza; e por isso por sumo direito de natureza cada um julga o que é bom, o que é mau, e cuida do que lhe tem utilidade conforme seu engenho (ver Prop. 19 e 10 desta parte), vinga-se (ver Corol. 2 da Prop. 40 da parte 3) e esforça-se para conservar o que ama e destruir o que odeia (ver Prop. 28 da parte 3) este seu direito sem nenhum dano para outro. Porém, como estão submetidos aos afetos (pelo Corol. da Prop. 4 desta parte), que de longe superam a potência ou virtude humana (pela Prop. 6 desta parte), por isso frequentemente são arrastados em direções diversas (pela Prop. 33 desta parte), e são contrários uns aos outros (pela Prop. 34 desta parte) quando precisam de auxílio mútuo (pelo Esc. da Prop. 35 desta parte). Portanto, para que os homens possam viver em concórdia e auxiliar uns aos outros, é necessário que cedam seu direito natural e tornem uns aos outros seguros de que nada haverão de fazer que possa causar dano a outro. Mas de que maneira pode ocorrer que os homens, que são necessariamente submetidos aos afetos (pelo Corol. da Prop. 4 desta parte), inconstantes e variáveis (pela Prop. 33 desta parte), possam tornar seguros uns aos outros e ter confiança uns nos outros, é patente pela Proposição 7 desta parte e pela Proposição 39 da parte 3. A saber, nenhum afeto pode ser coibido a não ser por um afeto mais forte e contrário ao afeto a ser coibido, e cada um abstém-se de causar dano por temor de um dano maior. É portanto por esta lei que a Sociedade poderá firmar-se, desde que reivindique para si o direito que cada um tem de se vingar e de julgar sobre o bem e o mal; e por isso tenha o poder de prescrever uma regra comum de vida, de fazer leis e firmá-las não pela razão, que não pode coibir os afetos (pelo Esc. da Prop. 17 desta parte), mas por ameaças. E esta Sociedade, que se firma pelas leis e pelo poder de se conservar, é denominada Cidade, e aqueles que são defendidos pelo direito dela, Cidadãos. Disso facilmente entendemos que nada é dado no estado natural que seja bom ou mau pelo consenso de todos, visto que cada um que está no estado natural cuida apenas do que lhe tem utilidade, e discerne o que é bom ou mau por seu engenho e enquanto tem por princípio apenas sua utilidade, e por nenhuma lei é obrigado a obedecer a ninguém senão a si mesmo. Por isso não pode ser concebido o pecado no estado natural, mas certamente no estado Civil, onde o que é bom ou mau é discernido pelo consenso comum e cada um tem que obedecer à Cidade. Portanto, o pecado não é nada outro que a desobediência, a qual por conseguinte é punida só pelo direito da Cidade e, inversamente, a obediência é creditada ao Cidadão como mérito, porque por esse motivo é julgado digno aquele que goza das comodidades da Cidade. Ademais, no estado natural ninguém é Senhor de coisa alguma por consenso comum, nem na Natureza é dado algo que possa ser dito deste homem e não daquele, mas tudo é de todos; e por isso no estado natural não pode ser concebida nenhuma vontade de atribuir a cada um o que é seu ou de arrancar de alguém o que é seu, isto é, nada pode ser dito justo ou injusto no estado natural, mas certamente no estado civil, onde o que é deste ou daquele é discernido pelo consenso comum. Disso transparece que o justo e o injusto, o pecado e o mérito são noções extrínsecas, e não atributos que expliquem a natureza da Mente. Mas basta sobre isso. [ÉTICA Parte IV, Proposição 37, Escólio II]


Ver online : ÉTICA (tr. Tomaz Tadeu)