DURAND: Bioética

1. Historicamente, a bioética encontra seu ponto de partida na ética médica, posto que é desta última que se destacou globalmente o estudo da decisão moral no campo da saúde. Com os médicos, os teólogos estavam estreitamente concernidos, uma vez que eram estes últimos que ensinavam a ética médica, pelo menos nos Estados Unidos, berço da bioética. Buscando uma linguagem comum, tentando encontrar respostas válidas, sem distinção de ideologia e de religião, os diversos intervenientes no debate público adotaram espontaneamente uma abordagem não religiosa da questão. A bioética surge então neste remetimento necessário a uma abordagem secular da reflexão ética no domínio médico da saúde.

2. O progresso de ordem biomédico tem evidentemente interpelado os médicos. Imediatamente tocados, estes se sentiram hesitantes diante da complexidade das decisões a tomar. A nova medicina operando mais e mais em equipes, fez com que o diálogo tradicional interpessoal paciente-médico fosse extravasado. Mais ainda, outros especialistas se viram concernidos pela decisão: enfermeiros, psicólogos, fisioterapeutas, assistentes sociais, agentes de pastoral, jusitas. Os próximos do doente quiseram também ter voz ativa. Os administradores hospitalares enfim se disseram também convocados pela aplicação dos recursos implicados. Em consequência, a bioética se definiu espontaneamente como uma abordagem interdisciplinar.

3. Uma terceira característica da bioética é sua perspectiva situacional e prospectiva. Em um passado ainda recente, tinha-se frequentemente a resposta “fácil”. A experiência tinha lugar de sabedoria. A moral era comumente vista como repetição do passado, simples observância das regras tradicionais. A aceleração do progresso biomédico fez explodir este mundo. A bioética não quer tomar por dado que as respostas tradicionais são adequadas, que os princípios gerais são suficientes. Ela quer retomar novamente a discussão e a reflexão, atenta à complexidades das situações, a fim de encontrar os elementos de solução ajustados e promissores.

4. Já a medicina moderna fala de uma abordagem holística do paciente, de uma abordagem holística da saúde, para indicar que o médico não deve se interessar somente pelo órgão doente e sua disfunção, mas ao invés ao conjunto da pessoa doente: composta de corpo e mente, inserida em uma família mais ou menos secundante, influenciada por um meio ambiente mais ou menos são. A bioética tem uma visão ainda mais ampla. Ela quer ter em conta não somente a pessoa integral, mas também a sociedade e seu meio. Ela se interessa à decisão pessoal (a escolha da pessoa), à relação interpessoal (diálogo paciente-médico e outros co-adjuvantes) mas também às estruturas sociais e legais a considerar, aos valores e regras que uma sociedade deve se dar, e não menos importante, às condições ambientais que estruturam o meio geográfico da sociedade.

5. Enfim pode-se falar de uma abordagem sistemática. A bioética não se limita a regrar problemas no varejo, independentemente uns dos outros, sem rigor nem coerência. A bioética assume, por um lado, uma análise rigorosa, lógica, se desenvolvendo segundo um plano ordenado, comportando uma série de etapas ligadas umas às outras. Por um lado, ela é busca de coerência, por exemplo, na solução de diversos dilemas morais por referência aos mesmos critérios ou princípios de base. Este não sendo o menor de seus desafios.

Do exposto, evidencia-se a bioética como um setor particular da ética, a saber esta parte da ética que trata das questões postas pelo progresso das ciências biomédicas, problemas novos ou abordagens novas de problemas antigos. Donde esta primeira definição: “a bioética é a pesquisa ética aplicada às questões postas pelo progresso biomédico”. Para ser mais preciso e específico, pode-se adotar a seguinte definição, inspirada por David Roy, que foi diretor do Centro de Bioética em Montreal: “A bioética é o estudo (interdisciplinar) do conjunto das condições que exige uma gestão responsável da vida humana (ou da pessoa humana) no quadro dos progressos rápidos e complexos do saber e das tecnologias biomédicas”. Os problemas concretos de ordem moral ou ético se exprimindo frequentemente em termos de valores, pode-se ainda propôr esta definição: “A bioética é a pesquisa de soluções de conflitos de valores no mundo da intervenção biomédica”.

Por um lado, entram no conteúdo da bioética questões gerais como o consentimento, a avaliação de riscos e consequências eventuais, a relação indivíduo-sociedade, o equilíbrio de valores. Por outro lado, são levados em conta temas particulares:

Entre os temas gozando de plena unanimidade, formando uma espécie de núcleo central: a eutanásia, a reanimação, o direito à morte; o aborto, o diagnóstico pré-natal, o aconselhamento genético, a esterilização de deficientes, o eugenismo; a experimentação sobre cobaias humanas, sobre o embrião; a inseminação artificial; a fecundação artificial, o banco de esperma; o bebê de proveta; a manipulação genética. A lista pode ser ampliada com temas como, suicídio assistido, transsexualidade, etc.

Distingue-se uma dupla dimensão da bioética. A primeira concerne a decisão individual (por exemplo, aquela do paciente) e as relações interpessoais (paciente-médico): é o campo da micro-ética. Mas a bioética se preocupa da mesma forma com o impacto destas decisões sobre a sociedade e do impacto da sociedade sobre os indivíduos. A bioética se interessa assim ao equilíbrio dos direitos, às estruturas sociais e legais a estabelecer, em resumo, às condições estruturais de promoção de pessoas e sociedade, aos quadros sociais, econômicos e políticos das decisões pessoais: é a macro-ética.

Segundo outra perspectiva pode-se distinguir cinco ramos de reflexão ou de trabalho em bioética. Esses podem ser percebidos como etapas progressivas de uma mesma reflexão ou como funções e tarefas complementares da mesma reflexão global sobre a ética:

  1. Análise de caso, solução de dilemas éticos (incluindo, mas não exclusivamente, a análise de “custos e benefícios”, riscos e vantagens).
  2. A elaboração de grades de análise ou de processos de tomada de decisão
  3. O estabelecimento de princípios diretores para uma instituição ou uma unidade de trabalho, elaboração de referências de ação, de protocolos de intervenção, de orientação ou de filosofia de intervenção.
  4. Reflexão teórica sobre os princípios e os valores em jogo. A bioética se preocupa assim com a teoria ética, com a reflexão sobre a interdisciplinaridade, a hierarquização de valores, e outras considerações de ordem teórica, até a eventual crítica das estruturas legais.
  5. Análise dos fundamentos da bioética e portanto da ética ela mesma.

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