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Carton Pitagoras

terça-feira 29 de março de 2022, por Cardoso de Castro

  

(Para outros estudos do Dr. Paul Carton visite nosso site francês - Dr. Paul Carton)

O texto abaixo foi retirado do livro "Vida Perfeita" do Dr. Paul Carton, traduzido por Mário Lôbo Leal, 1954

A verdade é una, imutável, eterna, porque é de ordem sintética e divina.

Está inscrita por toda a parte no universo, na natureza e nos seres. Mas, necessário nos é descobri-la, porquanto se oculta a fim de que o esforço de progresso que exige essa descoberta seja recompensado com a felicidade de saber e de esperar.

Como é universal, domina todos os tempos e todos os mundos. É, pois, a mesma para todas as épocas e para todos os homens, e vamos encontrá-la idêntica em todos os domínios do conhecimento. Outrossim, os caminhos que permitem alcançá-la são múltiplos e, freqüentemente, muito dessemelhantes.

É essa a razão por que, desde a mais alta Antigüidade, sem mesmo terem à disposição as riquezas científicas de hoje, os grandes sábios haviam chegado já a enunciar as leis da criação, a determinar a origem e o fim do homem e os atributos da Divindade, a estabelecer as leis de causalidade, de evolução, de finalidade, e a deduzir delas, enfim, os mais seguros preceitos de vida sã e virtuosa.

Em a nossa época, a ciência materialista, que institui a Energia como um deus cego, o Determinismo da força material como lei brutal e os fatos do transformismo como jogo do Acaso, há de compreender um dia que não fez mais do que reencontrar, no plano estritamente material, as leis da unidade de constituição, de evolução e de circulação das forças e dos seres, já conhecidas dos Antigos, e fornecer, depois de tudo, a confirmação material, ao mesmo tempo que a interpretação limitada, das verdades tradicionais legadas pela sabedoria antiga e pelas religiões da humanidade.

Quer isto dizer que as fontes de verdade a que podemos recorrer para constituir uma síntese dos conhecimentos humanos e para estabelecer um conjunto de provas cooperantes da existência de uma Ordem universal, podem encontrar-se em todos os esforços das elites intelectuais e em todas as afirmações religiosas da humanidade.

Todavia, entre os gênios que ilustram a Antigüidade e que realizaram obra maravilhosa de saber e de fé distinguem-se dois nomes no domínio da filosofia e da medicina: Pitágoras e Hipócrates. (1)

Aliam-se, com efeito, a doutrina pitagórica e a doutrina hipocrática para fornecer um conjunto de regras de sabedoria espiritual e de boa ordem corporal que. com o complemento das virtudes cristãs de santidade e de caridade, encerram a totalidade do Saber e a união da Ordem completa para a conduta individual e coletiva.

A síntese doutrinária de Pitágoras acha-se expressa num quadro de preceitos superiormente hierarquizados: Os Versos Áureos dos Pitagóricos. São dignos de ser comentados e seguidos o ideal de vida harmoniosa que eles inspiram e as regras da saúde da alma e do corpo que eles propõem.

Quer isto dizer que as fontes de verdade a que podemos recorrer, derivam de todos os esforços e de todas as crenças humanas, e que basta ser-se clarividente para reconhecer a parte essencial de verdade misturada nas imperfeitas formas que os humanos empregam para a exprimir.

Todavia, a história da humanidade fornece-nos o exemplo de gênios sublimes que tiveram o poder de sintetizar em si as aquisições da tradição, as sugestões da intuição e os fatos científicos mais gerais com tal discernimento que chegaram a construir sábias doutrinas filosóficas e regras de vida verdadeiramente admiráveis.

Entre esses grandes espíritos, o mais luminoso e o mais completo foi Pitágoras, cujos preceitos, formulados nos Versos de Ouro, unificam, numa mesma tendência, os dados, freqüentemente hostis, do conhecimento e da fé, da Ciência e da Religião.

Ficou, assim, sendo o modelo ideal a propor a todos aqueles que desejem ardentemente possuir uma alma de ouro num corpo de ferro e que aspirem numa ânsia de verdade, a instaurar em si o reino da sabedoria e da ventura-

Nasceu Pitágoras na ilha de Samos, cerca de 580 anos antes de Jesus Cristo.

Seu pai, Mnesarco, mandou-lhe dar uma instrução completa. Professores de renome ensinaram-lhe a filosofia, as matemáticas, a poesia, a música e a ginástica.

Essa larga educação contribuirá para aumentar o seu gosto inato pela ciência do geral, para lhe desenvolver o espírito, tão ávido de análise, como poderoso de síntese.

Depois, o desejo de aprofundar ainda os conhecimentos assim recebidos e de adquirir outros cada vez mais vastos, incitou-o a viajar para estudar as instituições de outros povos e fazer-se iniciar nos ensinamentos secretos dos Templos mais reputados.

Na antigüidade, com efeito, a instrução integral era dada nos Templos e aqueles que aspiravam à sabedoria e à realeza da inteligência deviam ir fazer-se iniciar nos Mistérios, isto é, nas leis da gênese e da constituição do macrocosmo e do microcosmo, do universo e do homem. Sublimes verdades religiosas, filosóficas e científicas cuja síntese dava a chave de Tudo e preparava para os mais altos destinos.

Dirigiu-se a princípio para a ilha de Creta, e a seguir visitou as principais cidades da Grécia. Depois de ter recebido a iniciação órfica e de se ter compenetrado do sentido oculto das harmonias musicais e da sua linguagem celeste, concebeu o projeto de edificar uma doutrina que na sua elevação, abraçasse todos os domínios do conhecimento humano, possuindo assim valor de aplicação prático incomensurável. Foi então que fez a viagem ao Egito. O período de iniciação nos templos durou, segundo dizem, mais de vinte anos. Aprofundou ali sobretudo a ciência esotérica das matemáticas sagradas, de que fez a base da sua doutrina. Ali foi-lhe desvendado o segredo da evolução do mundo, que se opera por duplo movimento sucessivo de descida, de involução do espírito na matéria, depois de relevação à Origem Divina, à Unidade criadora, graças ao desenvolvimento da energia consciente e voluntária, através da série das formas vitais que se espalham pela terra unitária, o Um criando numa corrente de descida, de involução a multiplicidade dos seres, de posse duma trindade de forças que se espalham e progridem num ímpeto ascendente universal, de evolução, providencial e livre, de volta à unidade.

Apanhado na tormenta que se desencadeou no Egito nessa ocasião, assistiu à ruína material desse país, sob os assaltos dos soldados de Cambises.

Levado cativo para a Babilônia, ali encontrou os padres caldeus e os magos persas que o iniciaram nos mistérios das antigas religiões da Índia e da Pérsia e lhe ensinaram o poder mágico do verbo humano, dirigido segundo certas regras de ação invisível e visível. A astronomia esotérica e o verdadeiro movimento dos astros foram-lhe revelados. Plutarco   conta, com efeito, que Pitágoras acreditava que a terra era móvel e não ocupava o centro do mundo, que se deslocava em volta do sol, girando sobre si mesma, o que produzia a sucessão dos dias e das noites.

Sabendo então tudo o que humanamente era possível saber, conseguiu a liberdade e pôde voltar a Samos, depois de mais de trinta anos de ausência. Após curta demora no país natal, resolveu fixar-se numa das colônias gregas da Itália.

Escolheu Crotona onde fundou uma escola, tornando-se a sua influência imediatamente preponderante. Reformou as instituições políticas e fez-se o apóstolo dos mais elevados meios de aperfeiçoamento.

O seu poder de persuasão era imenso. Os mais antigos biógrafos representam-no como homem de alta estatura, harmoniosamente proporcionado, de formosura e nobreza de rosto incomparáveis, dotado de voz sedutora, e olhar ao mesmo tempo dominador e suave. De toda a sua pessoa se desprendia influência magnética, extraordinária, que impunha a autoridade e a veneração. A sua impressionante gravidade, o cuidado em evitar as palavras inúteis ou jocosas, a atraente eloqüência, o poder e elevação dos seus pensamentos, numa palavra, tudo o que se tinha infiltrado de força divina em si e pelas lições dos maiores sábios, permitiu-lhe operar sobre os sentimentos e os atos dos concidadãos uma transformação rápida e feliz. O seu primeiro discurso, em Crotona, converteu, segundo se diz, dois mil cidadãos. Os magistrados confiaram-lhe a obra da educação da juventude e da transformação das instituições.

Em muitas cidades da Itália, estabeleceu leis novas e colocou a direção da vida pública nas melhores mãos, isto é, nas dos mais elevados na hierarquia do saber e da virtude. A nova ordem que introduzia era, em suma, forma moderada e justa de governo aristocrático. Onde julgasse não dever modificar as instituições existentes, contentava-se com fazer reinar os princípios da hierarquia, da disciplina e da unidade, os únicos que podem produzir a estabilidade, a ordem e o progresso nos organismos coletivos.

Em toda a parte por onde passou, fez ouvir a voz da justiça e da virtude, e esforçou-se por levar a saúde aos corpos e às almas, num esforço cooperador de pureza e de elevação, exercitado ao mesmo tempo no plano físico e no domínio mental.

Associava num mesmo pensamento de auxílio e de síntese, os dados aparentemente opostos, da ciência material dos fatos e da religião de uma Ordem espiritual única, criadora; legisladora e protetora.

Assim, a idéia de Deus dominava, guiava e coroava toda a obra humana.

Havia pressentido que esta unidade doutrinária se oporia à querela já inveterada da medicina limitada aos fatos da matéria carnal e da religião, encolhida nas suas demonstrações técnicas, quando as duas deviam unir-se num esforço comum de purificação e de ordem.

A medicina lógica dos corpos deve, de fato, saber a finalidade de progresso pela renúncia sensual, oculta atrás dos cuidados de ordem humoral e de pureza fisiológica.

Por outro lado, a direção religiosa dos espíritos deve aquiescer às abstenções de alimentos materializantes e à desconfiança com relação aos tratamentos regressivos e animalizantes (soros; enxertos animais), a fim de assegurar a síntese da ordem e do progresso em todos os elementos da constituição do homem, consoante as regras da medicina verdadeiramente hipocrática. Celso   considerava-o como o filósofo mais esclarecido nas cousas da medicina. A sua ciência era tão universal e o seu prestígio tão grande, que o comparavam a verdadeiro semi-deus.

No instituto de Crotona, esforçou-se para realizar o ideal da perfeição humana. O pensamento fundamental que o guiava na obra de reforma era que os indivíduos e as coletividades apresentavam imagem reduzida do Universo, achando-se como este submetidos a leis gerais, e tendiam para o mesmo fim oculto de ordem e de progresso. Assim, em virtude dessas irrecusáveis analogias de origem, de constituição, de evolução e de fim, pretendia introduzir a lei, a harmonia e o plano divinos em todas as manifestações da vida humana, na direção individual como no governo da coletividade. Esforçar-se por se assemelhar a Deus, obedecendo às suas leis morais de justiça, de verdade e de dever e às suas leis físicas de vida sã, simples e natural, tal era o fim que se propunha alcançar em todas as cousas.

Era completo o seu cuidado de aperfeiçoamento e de harmonia, exercendo-se ao mesmo tempo em todos os planos de atividade. Visava a reunir no mesmo indivíduo a melhor saúde física, a mais forte energia vital, o mais alto poder mental e a mais bela coesão das faculdades.

Para obter o consentimento de todo o ser humano, apelava para os dados reunidos dei todos os conhecimentos científicos, filosóficos e religiosos. Fazia da religião ciência e da ciência religião. A idéia de Deus dominava, guiava e coroava toda a sua obra.

Havia-se persuadido de que no dia em que a humanidade se tornasse clarividente das suas origens e do seu destino, cônscia das obrigações de vida sã e harmoniosa, respeitosa das leis vitais, marcharia no caminho do progresso, sofrendo menos entraves dolorosos e cataclismos reparadores, e que então o reino da idade de ouro começaria sobre a terra.

Como sabia que o acesso a tão altas verdades não estava ao alcance de todos os homens indistintamente, dividia o seu ensino em duas categorias, à imitação do que se praticava nos templos. O grupo dos menos evolucionados era posto a par só daquilo que podia conceber e praticar. Devia contentar-se com verdade e sabedoria aproximadas. Assim, conservava-se-lhe o mais tempo possível o uso dos mitos, a religião dos antepassados e os costumes fundamentais. Eram-lhe oferecidos pretextos de aperfeiçoamento e de constrangimento, que poderiam parecer errôneos aos iniciados, mas que se tornavam indispensáveis para obter a manutenção das almas simples na boa direção.

Aos mais elevados na ordem intelectual e moral era reservado o ensino integral e secreto. Tinham acesso ao instituto pitagórico. Tornados noviços depois de exame inicial, sofriam, a princípio, período de provas que durava de dois a cinco anos, durante o qual se adaptavam, mais ou menos rapidamente, a um regime alimentar sóbrio e puro, e faziam aprendizado da retidão, do auto-domínio, do silêncio, da abnegação, do discernimento, e, enfim, da resistência física.

Depois, se disso fossem julgados dignos, recebiam da própria boca do mestre os ensinamentos ocultos da iniciação superior. Aprendiam sucessivamente a constituição analógica da Divindade, do Cosmo e de todos os seres, a medicina natural e mágica, a ciência esotérica dos números, os caracteres simbólicos da escritura sagrada, a significação oculta dos emblemas e cultos misteriosos e. enfim, a evolução universal pelo desenvolvimento e a ascensão do espírito, através da série dos seres que se sucedem, transformam e completam, a fim de conseguir um melhor instrumento de aprendizado para a inteligência, a clarividência e a sabedoria.

A vida do adepto, no instituto pitagórico, era minuciosamente regulada. O dia começava por uma prece; em seguida ao que cada qual se recolhia e fazia exame de consciência, passeando na solidão, de maneira que preparasse o trabalho cotidiano. Havia depois curta sessão de música, acompanhada de cantos, danças e exercícios de ginástica. Abluções, aspersões ou banhos tomados com fim de purificação e de boa conservação corporal, restabeleciam o equilíbrio orgânico perturbado pelo exercício físico. Entregava-se, em seguida, ao estudo até à hora da refeição, aliás tomada em comum. Todo o alimento que tivesse tido vida animada era excluído das refeições, de maneira que se conservasse a pureza das forças vitais. A sobriedade e até jejuns periódicos eram praticados para aumentar a energia psíquica dos adeptos. Depois, faziam-se leituras em voz alta, comentadas pelos discípulos mais adiantados. À tarde, dava-se segundo passeio, mas em comum. Em todas as circunstâncias, era exigida obediência sem reservas, baseada nos sentimentos da hierarquia e do respeito devido aos mais elevados em inteligência e em virtude.

O êxito da educação pitagórica foi rápido e brilhante. Ramificações da ordem espalharam-se em numerosas cidades da Itália e da Grécia. A verdade impôs-se por toda a parte, deixando impressão indelével nos espíritos e nas instituições.

A transformação operada nos costumes e nas maneiras de pensar foi mesmo, precipitada em excesso. A instrução geral dos povos era demais insuficiente nessa época, para que pudessem aceitar tão altas concepções da vida individual e das relações coletivas. Assim, pouco a pouco, as multidões começaram a querer sacudir o domínio dos dirigentes pitagóricos, que por toda a parte impunham condições de vida mais justas e mais naturais. Talvez a lentidão necessária à obra do progresso não tivesse sido atendida como devia ser nas tentativas de reforma. Vários contratempos surgiram então. O mais grave consistiu na indisposição de Crotona contra a cidade vizinha de Síbaris, por causa dos exilados expulsos desta última e recolhidos pelos habitantes de Crotona. Luta sangrenta resultou daí, na qual os crotonenses, conduzidos pelo famoso atleta pitagórico Milão, atacaram os sibaritas, apesar de estes serem mais numerosos. A repressão foi infelizmente excessiva. Síbaris foi saqueada e completamente arrasada. Toda a obra de destruição sem freio nem razão introduz o germe da destruição nos que a realizam e paga-se, de ordinário, com sucessos de natureza idêntica. A escola pitagórica sofreu a contra-pancada dos excessos dos crotonenses arrebatados.

O descontentamento dos espíritos atrasados reduzidos à impotência e, entre outros, o ódio vingativo dum chamado Cilão, eliminado outrora, por Pitágoras, do número dos candidatos à alta iniciação, por causa do temperamento violento e indisciplinado, fizeram que a revolta aumentasse pouco a pouco e se desencadeasse sobre os pitagóricos. Censurava-se-lhes sobretudo o domínio político, como atentório dos direitos populares, e a revolução estalou destruindo a escola de Crotona. Aqueles dos seus membros que escaparam às violências, dispersaram-se. Alguns autores afirmam que o próprio Pitágoras morreu no incêndio da casa de Milão, onde se tinha refugiado. Mas, conta-se, e admite-se mais geralmente, que pôde retirar-se para a Grécia, no Metaponto, onde continuou a ensinar e veio a morrer, com cerca de 90 anos de idade.

A influência de Pitágoras foi imensa. Foi decisiva nos dois gênios gregos: Sócrates e Platão. Pode-se afirmar que continua a exercer-se em nossos dias, de forma latente, mas certa. Todas as verdades que ensinou são destinadas a reviver, reforçadas pelas demonstrações dos fatos científicos modernos e aperfeiçoadas pelo coroamento das leis de amor do próximo e do sacrifício pessoal que o Cristo veio anunciar a seus discípulos.