Bréhier (HF) – Exercício dialético do Parmênides

Sucupira Filho

Entretanto, uma coisa persiste: é o impulso metódico que dera nascimento a essas hipóteses, e que, em sequência, vai renová-las e rejuvenescê-las. Não o dogma das ideias, mas o esforço metódico que dá sentido ao platonismo. Tal é a significação do conjunto do Parmênides. Uma vez destruída a teoria das ideias, Parmênides incita o jovem Sócrates a continuar a exercitá-la segundo o método das hipóteses, que Platão tanto apreciara no Ménon. Faz-se preciso “não somente, quando a hipótese é posta em discussão, examinar o que decorre dessa posição”, mas também ver o que resulta da negativa (135 a). É num exercício desse gênero que versa a segunda parte do Parmênides. Buscam-se todas as consequências da hipótese posta pelos eleatas: o uno é; depois, os resultados da hipótese contrária: o uno não é. Os quadros dessa investigação são de primordial importância, porque conservam um valor geral, independente da hipótese em exame. Para cada uma dessas duas hipóteses, é preciso retirar, de princípio, as consequências que trazem para o Uno; depois, as consequências que trazem para as coisas diferentes do Uno. Investigar os resultados é pesquisar os atributos que se devem dar ou recusar ao Uno, em cada uma das hipóteses. Mas, para isso, é indispensável uma relação de atributos mais gerais (desses termos comuns de que nos falava no Teeteto), que se possam adjudicar ou recusar a um sujeito qualquer. Platão admite uma espécie de lista de categorias, de que cada termo contem, ademais, dois opostos: o todo e a parte; o começo, o meio e o fim; a reta e o círculo (forma); em outra coisa e em si mesma; em movimento e imóvel; o mesmo e o outro; semelhante e dessemelhante; igual e desigual; mais velho, mais jovem ou contemporâneo. Mas é importante salientar que a ordem citada nunca é. para Platão, arbitrária, no sentido de que a atribuição ou a não-atribuição de cada uma delas ao objeto da pesquisa é sempre consequência lógica da atribuição ou não-atribuição da que a precede. Assim, na primeira hipótese, porque se demonstrou que o Uno não tem partes ou todo, pode-se prosseguir com a demonstração de que não tem começo nem fim (144 e – 145 b); e, dado que não tem começo nem fim, pode-se passar à demonstração de que não tem forma geométrica (145 b). Essas categorias não são, pois, quadros preparados de antemão, mas surgem, por assim dizer, à medida e ao compasso da demonstração. A noção do Uno se enriquece, então, gradualmente, da mesma maneira por que se enriquece a noção de uma figura matemática, cujas propriedades se vão descobrindo, por via de consequência.

Os resultados da investigação são desconcertantes, por converterem a interpretação do Parmênides num problema muito difícil. Com efeito, da hipótese: o uno é, mostra Platão que se pode deduzir, por raciocínio, uma dupla série de consequências; na primeira, é dado recusar ao Uno cada um dos pares de termos opostos, já citados, e que, consequentemente, não têm partes nem todo, começo ou fim etc.; na segunda, demonstra-se, ao contrário, que se lhe devem atribuir cada um desses pares. Da mesma hipótese conclui-se, para outras coisas que o Uno, que se lhes deve atribuir, por sua vez, cada um dos opostos. Da hipótese contrária à primeira: o uno não é, conclui-se, logicamente, que se faz necessário atribuir e depois negar ao Uno os pares de termos que se haviam negado e afirmado na primeira hipótese; e, em seguida, atribuir e negar os mesmos pares às coisas diferentes do Uno. Em uma palavra: Platão parece assumir a tarefa de demonstrar que uma mesma hipótese apresenta consequências contraditórias e que duas hipóteses contraditórias têm consequências idênticas.

Para neutralizar essa contradição, os neoplatônicos deram de Parmênides a complicada interpretação que veremos mais adiante. Supuseram que em cada uma das séries de consequências, a palavra uno e a palavra é não encerravam o mesmo sentido. Pode-se, pois, afirmar do Uno os termos contrários, porque não estão sob a mesma relação. Mas nada autoriza semelhante interpretação. O significado dessa estranha dialética parece ser bem diferente. Se se considera com atenção a crítica das ideias do início do diálogo, percebe-se que incide menos sobre a tese das ideias, tomadas em si mesmas, do que sobre as relações de participação que há entre as coisas sensíveis e as ideias. Em virtude dessa participação, as ideias deveriam dividir-se em partes ou separar-se de si mesmas ou multiplicar-se até o infinito. Ante tal dificuldade, restaria fazer abstração, momentaneamente pelo menos, do aspecto das ideias naquilo que são explicativas das coisas sensíveis, para considerá-las em si mesmas, ou instituir essa dialética, já claramente definida na República (511 b), que, “sem nada utilizar do sensível, serve-se das ideias para ir, mediante as ideias, a outras ideias, e terminar nas ideias”. Esse é o programa que o Parmênides começa a executar; supõe, relações entre o uno e o ser, e disso deduz todas as consequências possíveis, permanecendo no domínio puramente intelectual, sem a menor alusão às coisas sensíveis, das quais as ideias podem ser modelos. Não se trata mais, como no Fédon, de explicar os fenômenos pelas ideias, mas passar de um campo, onde o conhecimento não é possível, em que as hipóteses se mostram impotentes, a uma região onde o conhecimento é possível. O que o Parmênides revela é a fecundidade das hipóteses acerca do relacionamento entre as ideias.

Original

Ou plutôt une chose est maintenue : c’est l’élan méthodique qui avait donné naissance à ces hypothèses, et qui, en se continuant, va les renouveler et les rajeunir. Ce n’est point le dogme des idées, c’est cet élan méthodique qui fait le platonisme. C’est là la signification de l’ensemble du Parménide. Une fois ruinée la théorie des idées, Parménide engage le jeune Socrate à continuer à s’exercer dans la méthode des hypothèses, celle que Platon appréciait si fort dans le Ménon. Il faut « non seulement, l’hypothèse étant posée, examiner ce qui découle de cette position », mais voir ce qui résulte de la négative (135 a). C’est un exercice de ce genre que contient la seconde partie du Parménide. On cherche toutes les conséquences de l’hypothèse faite par les Eléates ; l’un est, puis les conséquences de l’hypothèse contraire : l’un n’est pas. Les cadres de cette recherche sont d’importance primordiale, parce qu’ils gardent une valeur tout à fait générale, indépendante de l’hypothèse qu’on examine. Pour chacune des deux hypothèses, il faut chercher d’abord les conséquences qu’elle a pour l’Un, puis les conséquences qu’elle a pour les chose autres que l’Un. Rechercher les conséquences, c’est rechercher les attributs que l’on doit donner ou refuser à l’Un, dans chacune des deux hypothèses. Mais pour cela, il est indispensable d’avoir une liste des attributs les plus généraux (de ces termes communs dont il nous est parlé au Théétète) qu’on puisse accorder ou refuser à un sujet quelconque ; Platon arrive à une sorte de liste de catégories, dont chaque terme contient d’ailleurs deux opposés : le tout et la partie, le commencement, le milieu et la fin, le droit et le circulaire (forme), en autre chose et en soi-même, en mouvement et immobile, même et autre, semblable et dissemblable, égal et inégal, plus vieux, plus jeune ou contemporain. Seulement, il est très important de remarquer que l’ordre dans lequel nous les citons n’est pour Platon nullement arbitraire, en ce sens que l’attribution ou la non attribution de chacune d’elle au sujet de la recherche est toujours une conséquence logique de l’attribution ou de la non attribution de celle qui précède. Ainsi, dans la première hypothèse, c’est parce que l’on a démontré que l’Un n’a ni parties ni tout, que l’on peut démontrer qu’il n’a ni commencement ni fin (144e-145b) ; c’est parce qu’il n’a ni commencement ni fin qu’on démontre qu’il n’a pas de forme géométrique (145b). Ces catégories ne sont donc pas comme des cadres préparés d’avance, mais naissent pour ainsi dire au fur et à mesure de la démonstration. La notion de l’Un s’enrichit ainsi peu à peu à la manière dont s’enrichit la notion d’une figure mathématique dont on découvre, par voie de conséquence, les propriétés.

Les résultats de la recherche sont assez déconcertants pour avoir fait de l’interprétation du Parménide un problème fort difficile. En effet, de l’hypothèse : l’un est, Platon montre que l’on peut déduire par le raisonnement une double série de conséquences ; dans une première série de conséquences, on montre qu’on doit lui refuser chacun des couples de termes opposés que nous avons cités, que, par conséquent, il n’a ni parties ni tout, ni commencement, ni fin, etc. ; dans une seconde série, on montre au contraire qu’on doit lui attribuer chacun de ces couples. De la même hypothèse on conclut au sujet des choses autres que l’un, qu’on doit leur attribuer à la fois chacun des opposés. De l’hypothèse contraire à la première : l’Un n’est pas, on conclut logiquement qu’il faut attribuer puis refuser à l’Un les couples de termes qu’on en avait nié et affirmé dans la première hypothèse, et ensuite attribuer puis refuser les mêmes couples aux choses autres que l’Un. En un mot, Platon semble prendre à tâche de démontrer qu’une même hypothèse a des conséquences contradictoires et que deux hypothèses contradictoires ont des conséquences identiques.

C’est pour lever cette contradiction que les néo-platoniciens ont donné du Parménide, l’interprétation compliquée que nous verrons plus tard ; ils ont supposé que dans chacune des séries de conséquences, le mot un et le mot est n’avaient pas le même sens ; on peut alors affirmer de l’Un les contraires, parce que ce n’est pas sous le même rapport. Mais rien n’autorise une pareille interprétation. La signification de cette étrange dialectique paraît être bien différente. Si l’on considère avec attention la critique des idées au début du dialogue, on s’aperçoit qu’elle porte moins sur la thèse des Idées, prise en elle même, que sur les rapports de participation qu’il y a entre les choses sensibles et les idées ; c’est à cause de cette participation que les idées devaient ou se couper en parties, ou se séparer d’elles mêmes et se multiplier chacune à l’infini. Il resterait, devant cette difficulté, à faire abstraction, momentanément du moins, de l’aspect des idées par où elles sont explicatives des choses sensibles pour les considérer en elles mêmes, bref, à instituer cette dialectique, déjà si nettement définie dans la République (511 b) qui « sans utiliser rien de sensible, ne se sert que des idées pour aller, par des idées, à d’autres idées, et se terminer à des idées ». C’est ce programme que commence à exécuter le Parménide ; il suppose des rapports entre l’un et l’être, et il en déduit toutes les conséquences possibles, en restant dans le domaine purement intellectuel, et sans faire la moindre allusion aux choses sensibles dont ces idées peuvent être les modèles. Il ne s’agit plus, comme dans le Phédon, d’expliquer les phénomènes par des idées, mais de passer d’une région où la science n’est pas possible, où les hypothèses se montrent sans force, à une région où la science est possible. Ce que montre le Parménide, c’est combien sont fécondes les hypothèses sur le rapport entre les idées.

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