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Bergson (PM) – intuição

quarta-feira 28 de abril de 2021, por Cardoso de Castro

  

Bento Prado

Qual é essa intuição? Se o filósofo não pôde formulá-la, não seremos nós que o conseguiremos. Mas o que conseguiremos recuperar e fixar é uma certa imagem intermediária entre a simplicidade da intuição concreta e a complexidade das abstrações que a traduzem, imagem fugidia e evanescente que assombra, despercebida talvez, o espírito do filósofo, que o segue como se fosse sua [126] sombra através de todas as voltas e reviravoltas de seu pensamento e que, se não é a própria intuição, dela se aproxima bem mais que a expressão conceitual, necessariamente simbólica, à qual a intuição deve recorrer para fornecer "explicações". Olhemos bem essa sombra: adivinharemos a atitude do corpo que a projeta. E se nos esforçarmos no sentido de imitar essa atitude, ou antes, de nela nos inserirmos, iremos rever, na medida do possível, aquilo que o filósofo viu.

O que caracteriza primeiro essa imagem é a potência de negação que traz em si. Vocês se lembram como procedia o demônio de Sócrates  : antes bloqueava a vontade do filósofo em um dado momento e o impedia de agir do que prescrevia o que lhe cabia fazer. Parece-me que a intuição frequentemente se comporta, em matéria especulativa, como o demônio de Sócrates na vida prática; e pelo menos sob essa forma que principia, sob essa forma também que continua a dar suas manifestações as mais nítidas: ela proíbe. Diante de ideias correntemente aceitas, de teses que parecem evidentes, de afirmações que haviam passado até então por científicas, assopra no ouvido do filósofo a palavra: Impossível. Impossível, ainda mesmo que os fatos e as razões pareçam te convidar a crer que isso seja possível e real e certo. Impossível, porque uma certa experiência, confusa, talvez, mas decisiva, fala contigo através de minha voz, e diz que ela é incompatível com os fatos que se alegam e as razões que são dadas, e que, desde então, esses fatos devem ter sido mal observados, esses raciocínios devem ser falsos. Força singular, essa potência intuitiva de negação! Como foi possível que não atraísse mais a atenção dos historiadores da filosofia? Acaso não é visível que a primeira manobra do filósofo, quando seu pensamento ainda está pouco [127] seguro e nada há de definitivo em sua doutrina, consiste em rejeitar certas coisas definitivamente? Mais tarde, poderá variar naquilo que afirmar; não variará muito naquilo que nega. E se varia naquilo que afirma, será ainda em virtude da potência de negação imanente à intuição ou à sua imagem. Ter-se-á deixado ir preguiçosamente na dedução de consequências segundo as regras de uma lógica retilínea; e eis que, de repente, diante de sua própria afirmação, experimenta o mesmo sentimento de impossibilidade que de início lhe havia advindo diante da afirmação de outrem. Com efeito, tendo deixado a curva de seu pensamento para seguir reto pela tangente, tornou-se exterior a si mesmo. Volta para dentro de si quando volta à intuição. Dessas saídas e desses retornos são feitos os ziguezagues de uma doutrina que "se desenvolve", isto é, que se perde, se reencontra e se corrige indefinidamente a si mesma.

Libertemo-nos dessa complicação, remontemos para a intuição simples ou pelo menos para a imagem que a traduz: ao fazê-lo, vemos a doutrina libertar-se das condições de tempo e de lugar das quais parecia depender. Sem dúvida, os problemas dos quais o filósofo se ocupou são os problemas que se punham em seu tempo; a ciência que utilizou ou criticou era a ciência de seu tempo; nas teorias que expõe, poderemos até mesmo reencontrar, se ali as procurarmos, as ideias de seus contemporâneos e de seus precursores. Como podería ser de outra forma? Para fazer compreender o novo, por força há que exprimi-lo em função do antigo; e os problemas já postos, as soluções que lhes haviam sido fornecidas, a filosofia e a ciência do tempo no qual ele viveu, foram, para cada grande pensador, a matéria que ele era obrigado a utilizar para dar uma forma concreta a seu pensamento. [BERGSON  . Henri. O Pensamento e o Movente. Tr. Bento Prado Neto. São Paulo  : Martins Fontes, 2006, p. 125-127]

Original

Quelle est cette intuition ? Si le philosophe n’a pas pu en donner la formule, ce n’est pas nous qui y réussirons. Mais ce que nous arriverons à ressaisir et à fixer, c’est une certaine image intermédiaire – entre la simplicité de l’intuition concrète et la complexité des abstractions qui la traduisent, image fuyante et évanouissante, qui hante, inaperçue peut-être, l’esprit du philosophe, qui le suit comme son ombre2 à travers les tours et détours de sa pensée, et qui, si elle n’est pas l’intuition même, s’en rapproche beaucoup plus que l’expression conceptuelle, nécessairement symbolique, à laquelle l’intuition doit recourir pour fournir des « explications ». Regardons bien cette ombre : nous devinerons l’attitude du corps qui la projette. Et si nous faisons effort- pour imiter cette attitude, ou mieux pour nous y insérer, nous reverrons, dans la mesure du possible, ce que le philosophe a vu.

Ce qui caractérise d’abord cette image, c’est la puissance de négation qu’elle porte en elle. Vous vous rappelez comment procédait le démon de Socrate : il arrêtait la volonté du philosophe à un moment donné, et l’empêchait d’agir plutôt qu’il ne prescrivait ce qu’il y avait à faire. Il me semble que l’intuition se comporte souvent en mati  ère spéculative comme le démon de Socrate dans la vie pratique ; c’est du moins sous cette forme qu’elle débute, sous cette forme aussi qu’elle continue à donner ses manifestations les plus nettes : elle défend. Devant des idées couramment acceptées, des thèses qui paraissaient évidentes, des affirmations qui avaient passé jusque-là pour scientifiques, elle souffle à l’oreille du philosophe le mot : Impossible : Impossible, quand bien même les faits et les raisons sembleraient t’inviter à croire que cela est possible et réel et certain. Impossible, parce qu’une certaine expérience, confuse peut-être mais décisive, te parle par ma voix, qu’elle est incompatible avec les faits qu’on allègue et les raisons qu’on donne, et que dès lors ces faits doivent être mal observés, ces raisonnements faux. Singulière force que cette puissance intuitive de négation- ! Comment n’a-t-elle pas frappé davantage l’attention des historiens de la philosophie ? N’est-il pas visible que la première démarche du philosophe, alors que sa pensée est encore mal assurée et qu’il n’y a rien de définitif dans sa doctrine, est de rejeter certaines choses définitivement ? Plus tard, il pourra varier dans ce qu’il affirmera ; il ne variera guère dans ce qu’il nie. Et s’il varie dans ce qu’il affirme, ce sera encore en vertu de la puissance de négation immanente à l’intuition ou à son image. Il se sera laissé aller à déduire paresseusement des conséquences selon les règles d’une logique rectiligne ; et voici que tout à coup, devant sa propre affirmation, il éprouve le même sentiment d’impossibilité qui lui était venu d’abord devant l’affirmation d’autrui. Ayant quitté en effet la courbe de sa pensée pour suivre tout droit la tangente, il est devenu extérieur à lui-même. Il rentre en lui quand il revient à l’intuition. De ces départs et de ces retours sont faits les zigzags d’une doctrine qui « se développe », c’est-à-dire qui se perd, se retrouve, et se corrige indéfiniment elle-même.

Dégageons-nous de cette complication, remontons vers l’intuition simple ou tout au moins vers l’image qui la traduit : du même coup nous voyons la doctrine s’affranchir des conditions de temps et de lieu dont elle semblait dépendre—. Sans doute les problèmes dont le philosophe s’est occupé sont les problèmes qui se posaient de son temps ; la science qu’il a utilisée ou critiquée était la science de son temps ; dans les théories qu’il expose on pourra même retrouver, si on les y cherche, les idées de ses contemporains et de ses devanciers. Comment en serait-il autrement ? Pour faire comprendre le nouveau, force est bien de l’exprimer en fonction de l’ancien ; et les problèmes déjà posés, les solutions qu’on en avait fournies, la philosophie et la science du temps où il a vécu, ont été, pour chaque grand penseur, la matière dont il était obligé de se servir pour donner une forme concrète à sa pensée.


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