Eudoro de Sousa (HC:58) – Poema de Parmênides – Caminho

58. Parmênides percorre o caminho do Sol, no próprio carro do deus (daímonos — ver v. 3 — podia referir-se à deusa-reveladora, mas esta ainda vem longe). É uma interpretação que esclarece o sentido, e se esclarece pelo sentido de algumas passagens do «Proêmio»: o caminho «celebrado» do sol passa «por (sobre) todas as cidades» (v. 3), mas «está bem longe das sendas dos homens» (v. 27); o carro é tirado por éguas «habilíssimas» (v. 4), pois muito bem conhecem o caminho que todos os dias transpõem, de oriente para ocidente, e sempre alcançam a meta de seu desejo (v. 1); as Helíades (v. 8), divinas filhas do Sol saem das «moradas da Noite» (v. 9) ao encontro do carro de seu pai. Poder-se-ia supor recearem elas que Parmênides, qual novo Faéton (Burkert, op. cit.), corresse o perigo de transviar-se, ou de despenhar-se em algum lugar da terra, antes de atingir o horizonte; mas como o filósofo é um homem «vidente» (ou «sapiente») — eidóta phõta (v. 3), isto é, como Héracles, não empreendeu a viagem sem que fosse previamente iniciado, torna-se mais provável que o procedimento das Helíades decorra do mérito intrínseco da iniciação (o anonimato da deusa também concorre para que se cogite numa iniciação prévia; cf. Burkert, op. cit.). Daí, também, que a deusa-reveladora (vv. 26-27), ao acolhê-lo, diga: «pois não foi a sorte ruim (moira kakè) que por este caminho te enviou» — sorte ruim fora a de Faéton; Parmênides sabe o caminho, desde seu «início». O caminho é o do sol, direito ao horizonte oeste. Sabemos que para lá da porta em que, para o lado de cá, se separam os caminhos do dia e da noite, estão as «moradas da Noite». Se escrevemos «noite», uma vez com minúscula e outra vez com maiúscula, é porque, pelo menos desde Hesíodo, conhecemos a diferença: noite e dia ocorrem alternadamente no mundo, desde que Céu e Terra se separaram, mas, de uma e de outro, matriz comum é a Noite. Dikê guarda a porta do horizonte extremo. Além dela reside a «forma só» das duas contrárias formas da noite e do dia, das duas contrárias formas do Céu e da Terra (repare-se que na definição dos contrários, no final do frg. 8, cf. supra § 53, os qualificativos da Luz e da Noite implicam os que caberiam ao Céu e à Terra: «suave», «ligeiro», contraposto a «denso» e «pesado»); a Noite é sinal de que, lá, ainda estes se encontram unidos. Em que outro lugar Parmênides entenderia melhor a revelação da unidade («Via da Verdade») dos contrários («Opinião dos Mortais»)? Enquanto escutava a argumentação da deusa, o filósofo via, assistia, ele mesmo, à desocultação do que, para os outros homens, permanecia oculto: de «iniciado», passara a «epopta». Começamos na «Doxa» e terminamos no «Proêmio»; poderíamos dizer com Parmênides: «para mim é indiferente o donde quer que parta; com efeito, lá voltarei de novo» (frg. 5). A unidade interna de composição é o facto irrecusável: as três partes, são-no, efetivamente, de um todo, que, por sua vez, o não seria, eliminada que fosse qualquer delas. Em plena concordância com Hülscher (cf. nota ao § 54), só nos resta acrescentar o seguinte: se é manifesto que há um arranque existencial para a «mitologia do horizonte», tão manifesto é que, em Parmênides, do mesmo problema existencial arranca a «metafísica do Ser». E o ponto de arranque é a morte (corrupção); por negá-la, Parmênides pagou o alto preço de também negar o nascimento (geração): «assim a geração é extinta, e ininquirível a corrupção» (frg. 8, 21).

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