Frithjof Schuon — Do Divino ao Humano
O Espírito é a Substância, a matéria é o acidente quer dizer que a matéria não é senão uma modalidade contingente e transitória da radição do Espírito que projeta os mundos e os ciclos ao mesmo tempo permanecendo transcendente e imutável. Esta radiação produz a polarização em sujeito e objeto: a matéria é o ponto de queda do pólo subjetivo, a consciência sensorial sendo o fenômeno subjetivo correspondente. Para os sentidos, o objeto é a matéria, ou digamos o domínio físico perceptível; para o Intelecto, a realidade objetiva é o Espírito sob todas suas formas. É por ele que existimos e nos conhecemos; se não fosse imanente às substâncias física, estas não poderiam existir um instante. E neste Espírito, precisamente, a oposição sujeito-objeto se encontra resolvida; ela se resolve na Unidade ao mesmo tempo exclusiva e inclusiva, transcendente e imanente. O alfa como o ômega, ao mesmo tempo que nos ultrapassam infinitamente, residem no fundo de nosso coração [[A chave dos mistérios délficos, é: «Conhece-te a ti mesmo» (Gnothi seauton); conhecer a natureza da subjetividade, é conhecer a estrutura do mundo. ]].
O que podemos e devemos conhecer, o somos; e é por isso que podemos o conhecer, infalivelmente, na condição de estar liberado dos véus que nos separam de nossa verdadeira natureza. Estes véus, o homem se os impõe porque sua vontade luciferiana se identifica com eles; porque crê portanto se reconhecer neles; e porque, consequentemente, os retirar é morrer. Eis aí pelo menos o sentimento do homem enquanto não tenha compreendido que «Sou negra mas bela».
Há a princípio, em favor da primazia do Espirito, provas extrínsecas não negligenciáveis; frequentemente fizemos alusão, e elas resultam da natureza mesma do homem. Se tudo começou pela matéria e se não há Espírito, logo nem Deus, como se explicar que os homens tenham podido crer firmemente o contrário durante milênios, e que tenham mesmo desdobrado um máximo de inteligência a afirmá-lo e um máximo de heroísmo a vivê-lo? Não se poderia invocar o progresso, pois os incrédulos de todos os gêneros estão longe de ser superiores aos crentes e aos sábios, e não se vê em nenhuma parte uma passagem evolutiva destes naqueles; as ideias materialistas se manifestaram e disseminaram por assim dizer sob nossos olhos — desde o «século das luzes» — sem que fosse possível constatar aí uma evolução no sentido de uma ascensão qualitativa ao mesmo tempo intelectual e moral, muito pelo contrário.
NOTAS:
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