Whitehead (Isabelle Stengers)

Debaise2017

A maioria daqueles que conseguiu traçar um caminho através de Process and Reality o fez na forma de uma “introdução”, ou, poderíamos dizer, uma “educação” no sentido dado ao termo por Foucault em A Hermenêutica do Sujeito. Foucault associa “educação” não ao educare, mas ao educere: uma mão estendida, levando-nos em direção ao exterior. Exterior ao quê, neste caso? Talvez, antes de tudo, exterior aos hábitos formados nas mesas universitárias em que aprendemos a “ler uma filosofia”, sim, como ela pede para ser lida, mas de uma maneira em que nosso respeito exclui torná-la responsável pela forma como lida com o que nos importa.

Dizem que a primeira aula de filosofia que Whitehead assistiu foi a sua própria, um matemático que, no final de sua vida, tornou-se filósofo. Se ele se dedicou à filosofia, então, foi porque as questões colocadas ali importavam para ele; não tinha nada a ver com escolher uma disciplina entre as oferecidas pela universidade. Whitehead, é claro, havia lido os “grandes filósofos” muito antes de se tornar um filósofo. Mas ele os lia de uma maneira que os “levava a sério”, isto é, sem primeiro submeter-se à sua grandeza. Ele fazia a pergunta sobre o que eles nos fazem esquecer.

O que os “grandes filósofos” – e, particularmente, os filósofos modernos (Descartes, Locke, Hume, Kant) – nos fazem esquecer encontra sua expressão mais clara em seu último livro, Modes of Thought: “A questão ‘O que sabemos?’ foi transformada na questão ‘O que podemos saber?’”. Com o objetivo de restaurar a ideia de que, independentemente do que os filósofos dizem, importa o que realmente sabemos, ele não pode se comportar como um filósofo respeitoso diante dos hábitos da história da filosofia. A tarefa o compromete, ao contrário, a um confronto direto com os filósofos anteriores.

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Com a filosofia moderna, para Whitehead, a experiência (consciente) torna-se a fonte dos dados primários, o que ele chama de “princípio subjetivista”. Whitehead responde a este princípio ao “reformá-lo”: é claro que nunca devemos admitir na construção de um esquema filosófico aquilo que não pode ser discernido como elemento da experiência (PR, 166), e ainda assim, “à parte das experiências dos sujeitos, não há nada, nada, nada, puro nada” (PR, 167). Não o nada invocado pelos fenomenólogos para evitar as “coisas em si” de Kant, mas um nada que se expõe a uma aventura vertiginosa em que a categoria de sujeito é expandida para incluir tudo o que sabemos que existe fora da experiência do sujeito humano.

O conceito whiteheadiano de experiência, então, nos força a abandonar o terreno sólido e seguir o que Deleuze e Guattari chamaram de “linha de bruxa”. Tudo o que o princípio subjetivista tentou excluir, em nome do que podemos conhecer, retorna, despojado de qualquer coisa que pudesse ter garantido sua domesticação “epistemológica”.