Whitehead2006
Berkeley, Wordsworth e Shelley são representativos da recusa intuitiva em aceitar seriamente o materialismo abstrato da ciência.
Há uma diferença interessante no tratamento da natureza feito por Wordsworth e por Shelley, diferença essa que evidencia as questões exatas sobre as quais temos de pensar. Shelley considera a natureza em mudança, em dissolução, em transformação como ao toque de uma varinha mágica. As folhas voam diante do vento oeste
Como fantasmas em uma fuga encantada.
Em seu poema A nuvem, são as transformações da água que lhe excitam a imaginação. O assunto do poema é a infinita, eterna e furtiva mudança das coisas:
Mudo, mas não posso morrer.
A furtiva mudança é um aspecto da natureza: uma mudança não para ser expressa na locomoção, mas uma mudança de caráter interior. Shelley insiste nisto: na mudança do que não pode morrer.
Wordsworth nasceu entre montanhas: montanhas principalmente nuas de árvores, mostrando assim o mínimo de mudança nas estações. Era atormentado pelas enormes permanências da natureza. Para ele a mudança é um incidente que passa por um fundo de duração:
Quebrando o silêncio dos mares
Entre as remotas Hébridas.
Todo esquema para a análise da natureza tem de encarar esses dois fatos: “mudança” e “duração”. Há ainda que considerar um terceiro fato a que chamarei “eternalidade”. Montanhas duram. Mas, quando com a sucessão das épocas se desgastam, acabam. Se outras surgirem, serão contudo novas montanhas. Uma cor é eterna. Aparece frequentemente como um espírito. Vem e vai. Mas, onde quer que esteja, é a mesma cor. Não sobrevive nem vive. Aparece quando solicitada. As montanhas têm com o tempo e o espaço uma relação diferente da que tem a cor. No capítulo anterior, considerei principalmente a relação com o espaço-tempo de coisas que, no sentido de meu termo, são eternas. Era necessário fazê-lo antes de podermos passar à consideração das coisas que duram.
Também devemos recordar a base do nosso processo. Penso que a filosofia é a crítica das abstrações. Sua função é dupla, primeiro a de harmonizá-las, apontando-lhes a sua conveniente situação relativa como abstrações, segundo a de completá-las pela comparação direta com intuições do universo mais concretas, e portanto promover a formação do mais completo esquema de pensamento. É a respeito dessa comparação que o testemunho dos grandes poetas tem tanta importância. Sua sobrevivência é prova de que eles expressam profundas intuições da humanidade penetrando naquilo que é universal no fato concreto. A filosofia não é uma das ciências com o seu próprio pequeno esquema de abstrações, que aperfeiçoa e melhora. É a visão geral das ciências com o objetivo de as harmonizar e completar. Leva a essa tarefa não só a evidência das ciências de per si, mas também o seu próprio apelo à experiência concreta. Confronta as ciências com os fatos concretos.
A literatura do século XIX, principalmente a poesia inglesa, é um testemunho da discordância entre as intuições estéticas da humanidade e o mecanismo da ciência. Shelley põe vividamente perante nós a eterna ilusão dos objetos dos sentidos como frequentemente aparecem na mudança que afeta os organismos básicos. Wordsworth é o poeta da natureza como sendo o campo das permanências duradouras levando consigo uma mensagem de tremenda significação. A esse respeito, os objetos eternos também são para ele
Tanto Shelley como Wordsworth claramente testemunham que a natureza não pode divorciar-se de seus valores estéticos; e que esses valores derivam, em certo sentido, da evidente presença do todo por sobre as suas várias partes. Assim, extraímos dos poetas a doutrina de que uma filosofia da natureza deve levar em conta pelo menos essas seis noções: mudança, valor, objetos eternos, duração, organismo, interfusão.