Giuseppe Lumia: Merleau-Ponty

O pensamento de Maurice Merleau-Ponty (1908-1961) é de inspiração declaradamente husserliana. Mas está mais próximo do Husserl da última fase, o dos escritos inéditos, em que é mais claro o apelo às coisas e o recurso ao mundo da vida, o Lebenswelt. Em Merleau-Ponty motivos fenomenológicos encontram-se por um lado com algumas correntes da psicologia contemporânea, em particular com a psicologia do comportamento e a da forma, e por outro lado com o marxismo, para darem lugar a uma espécie de existencialismo «positivo», ou seja, um existencialismo que, como o de Abbagnano, sustenta que pode fundar positivamente os valores do homem e da história.

Autorizados críticos definiram a filosofia de Merleau-Ponty como «filosofia da ambiguidade». Isto porque ela tenta surpreender a realidade na sua Ursprung originária, para além da distinção entre sujeito e objeto, entre espírito e matéria, entre liberdade e necessidade. Nota-se imediatamente que ele toma desde o início um caminho diferente do seguido por Sartre. Para este o sujeito, a consciência, é simplesmente a negação do objeto, do mundo: entre os dois termos não pode haver relação alguma. Merleau-Ponty, pelo contrário, procura surpreender a unidade dos dois termos, para aquém da sua separação, que é, segundo ele pensa, o fruto de uma verdadeira e própria deformação intelectualística do real.

Ele parte da premissa da fenomenologia, segundo a qual a consciência é sempre consciência de alguma coisa, para chegar à conclusão de que subjetivo e objetivo são os dois aspectos inseparáveis da realidade: um não pode estar sem o outro, não tem sentido, não «existe» a não ser em relação ao outro.

Estes dois conceitos são desenvolvidos nas suas duas obras fundamentais, La structure du comportement (1942) e La phénoménologie de la perception (1945). É precisamente na percepção que ele vê o fato fundamental do conhecimento, pois que nela o sujeito e o objeto manifestam-se nos na sua indiscernível unidade. A tentativa para separar os dois termos afasta-nos da realidade e só conduz a abstrações, tais como o idealismo, que pretende resolver o objeto no sujeito, ou o realismo, que pondo o acento no objeto, termina por negar o sujeito e a própria liberdade do homem. A filosofia de Merleau-Ponty pretende ser, pelo contrário, uma filosofia «existencial», isto é, inspirada no conceito de que realidade e idealidade não «existem» efetivamente, a não ser concretamente correlacionadas.

Comecemos pelo homem. Na percepção o dado sensorial e o fato psíquico constituem uma só coisa, e por isso é arbitrário separar no homem a alma do corpo: o homem é um corpo consciente. Mas a percepção revela-nos ainda o vínculo indissolúvel que, através do corpo, liga o homem ao mundo: através do corpo atualiza-se a existência do homem no mundo. A essência do homem, diz Merleau-Ponty seguindo Heidegger, é estar-no-mundo. O homem é pura exterioridade, pura mundanidade, e reduz-se sem resíduos ao conjunto dos seus comportamentos. Merleau-Ponty colhe da psicologia behavorista de Watson o conceito de comportamento, mas corrige-o e integra-o à luz das ideias da Gestalttheorie. Segundo esta, como se sabe, um fato psíquico não é a simples soma mecânica dos seus elementos, mas sim um complexo orgânico que tende a alcançar um estado de equilíbrio mediante a coordenação desses elementos em uma estrutura unitária, na qual o conjunto, a «forma», determina as partes componentes, que não têm realidade senão na relação que reciprocamente as liga. O significado do comportamento está, portanto, na sua estrutura relacional.

Isto para Merleau-Ponty é ainda mais exato quando se passe do campo da psicologia para o da sociologia. Na verdade, o mundo não é só o nosso mundo, é além disso o mundo dos outros, o mundo em que nós entramos em relação com os outros. O nosso comportamento é, por isso, sempre um comportamento social. Existir é sempre um estar-no-mundo, e estar-no-mundo é estar-com-os-outros. O homem revela-se-nos, portanto, como «um nó de relações», e o próprio mundo não se nos mostra senão como a «interseção» das diversas perspectivas individuais.

Estar no mundo significa, pois, estar sempre em uma situação determinada, que nos condiciona historicamente. Mas este condicionamento não é para Merleau-Ponty absoluto. Ele reconhece ao homem uma certa liberdade, isto é, a possibilidade de modificar a situação; mas trata-se sempre de uma liberdade relativa, condicionada. Segundo ele, esta liberdade é tornada possível pelo fato de que «Deus não existe», e que portanto não existem relativamente ao homem valores absolutos pré-constituídos. Se Deus existisse, a perfeição estaria já realizada, e nada restaria ao homem para fazer. Sobre a negação de Deus, que para Sartre e Camus é origem da insignificância e do absurdo do mundo, pretende Merleau-Ponty, pelo contrário, fundar os valores do homem e da sociedade. «Tudo aquilo que para os outros existencialistas é motivo de desespero ou de desgosto, é para ele conforto».

A vinculação do homem não pode ser mais do que uma vinculação terrena, já que o homem é «votado ao mundo»; e ao mesmo tempo só pode ser uma vinculação «social», dado que a socialidade é constitutiva da essência do próprio homem.

Destas premissas se desenvolve a adesão de Merleau-Ponty ao marxismo, da qual são expressão o ensaio Humanisme et Terreur, de 1947, e alguns dos escritos recolhidos no volume Sens et non-sens, de 1948. Neles dá uma interpretação pessoal do marxismo numa perspectiva voluntarística e existencial. Vê no marxismo, principalmente, uma filosofia da história, que nos permite dar um sentindo ao devir histórico. Tem uma concepção não irênica da sociedade. «A história, escreveu ele, é essencialmente luta: luta do patrão e do escravo, luta das classes». A violência é inseparável de qualquer regime, mesmo dos que formalmente professam um ideal de liberdade. Longe de ser exclusiva dos regimes comunistas, é comum a qualquer regime, e nem o próprio liberalismo está isento dela, fundado como é na exploração capitalista e no colonialismo. Merleau-Ponty não louva certamente os excessos do estalinismo, mas sustenta que é acima de tudo hipócrita levantar escândalo à volta deles. Se a violência, ou melhor, a possibilidade de violência é inerente às relações entre os homens, «o que conta e que vale a pena encarar não é a violência, mas o seu sentido e o seu futuro». A violência exercida pelos regimes comunistas justifica-se, em seu entender, porque tende a ultrapassar-se para um futuro mais humano, porque é dirigida à criação de uma sociedade sem classes, na qual desaparecerá qualquer forma de exploração do homem pelo homem, e serão eliminados os antagonismos sociais e nacionais que dilaceram o mundo contemporâneo. Nada, segundo ele, nos garante o êxito nesta direção: ele será o resultado dos esforços feitos pelo proletariado, a única classe que, vivendo até ao fundo o drama da alienação, pode tomar nas suas mãos o próprio destino e virá-lo. Mas a futura sociedade comunista marcará o fim de qualquer alienação, a definitiva reconciliação do homem consigo próprio e com os outros homens, como pensava Marx? Com mais desperto sentido histórico, Merleau-Ponty é menos otimista: escolhe o socialismo, «não como a garantia da felicidade, pois não sabemos se o homem poderá algum dia integrar-se na coexistência, mas como um futuro desconhecido, ao qual é necessário passar sob pena de morte».

Merece ser posto em relevo como o caminho percorrido por Merleau-Ponty é, até certo ponto, paralelo ao seguido por Marcel. Para ambos o ponto de partida é a percepção, como indistinção entre subjetivo e objetivo. Através da experiência do próprio corpo, que para ambos constitui o fato central da existência, parte-se da percepção para o mundo da natureza e dos outros. A «incarnação» de Marcel e a «corporeidade» de Merleau-Ponty têm a função de coligar o eu ao não-eu, de abri-lo às experiências do mundo e dos outros. Mas daqui em diante cessam as analogias, e os caminhos de ambos divergem: o empirismo de Marcel inflete para um misticismo cristianizante, o de Merleau-Ponty para um pragmatismo marxistizante. Um leva Marcel à rejeição do horizonte social, considerado como um mundo decaído na exterioridade e na técnica; o outro conduz Merleau-Ponty a confinar o homem dentro daquele horizonte, sem possibilidade de fuga.

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