(Hadot2018)
Mas as obras da arte antiga também revelam a Goethe outro aspecto da presença. Não se trata apenas da percepção do momento decisivo e do instante presente, mas também de um sentido profundo do valor da vida, da “presença” viva dos seres e das coisas – um olhar poético que sabe captar o ideal na simples realidade. É o que Goethe havia experimentado durante sua viagem à Itália, ao observar esteias funerárias em Verona:
O vento que sopra das antigas tumbas está carregado de perfumes, como se passasse sobre uma colina de rosas. As tumbas comovem, falam ao coração e sempre representam a vida. Eis um homem que, perto da mulher, olha de um nicho, como se estivesse à janela. Eis um pai e uma mãe, com o filho entre eles, que se olham com indizível naturalidade. Aqui, um casal de mãos dadas. Ali, um pai num leito de repouso parece ser divertido pela família. A “presença” imediata dessas pedras me comoveu intensamente. São da época decadente; ainda assim, simples, naturais e amáveis. Aqui não há homens de armadura, ajoelhados, à espera da jubilosa ressurreição.
O artista representou, com mais ou menos habilidade, a simples “presença” dos homens e, justamente desse modo, prolongou sua existência, tornou-a permanente. Eles não unem as mãos, não olham para o céu, mas são aqui embaixo o que eram e o que são. Estão juntos, interessam-se uns pelos outros, amam-se, e isso – mesmo quando o lavor é desajeitado – se expressa deliciosamente nas pedras.
Para expressar essa “saúde” com que os poetas e os artistas da Antiguidade descreviam a presença das coisas, Goethe tem uma fórmula feliz: eles representam a existência, ao passo que os modernos só se interessam pelo efeito que sua descrição provoca:
Quanto a Homero, parece que um véu me caiu dos olhos. Sentimos suas descrições, suas imagens, como poéticas; no entanto, são indizivelmente naturais, mas, de fato, desenhadas com uma pureza e uma profundidade que nos espantam. Mesmo as invenções mais estranhas têm uma naturalidade que nunca experimentei melhor do que na proximidade dos objetos descritos. Permita-me expressar brevemente meu pensamento. Os antigos representavam a existência; nós, modernos, costumamos representar o efeito; eles pintavam o terrível; nós pintamos terrivelmente; eles descreviam o agradável; nós descrevemos agradavelmente, etc. […] Daí vêm todos os exageros, todo o maneirismo, toda a falsa graça, todo o empolamento. Quando se trabalha o efeito, e pelo efeito, jamais se pensa em torná-lo suficientemente sensível. Se o que digo não é novo, ainda assim eu o senti muito vividamente em uma nova ocasião. Agora que todas estas costas e estes promontórios, todos estes golfos e estas baías, estas ilhas e estes istmos, estes rochedos e estas faixas de areia, estas colinas matagosas, estas doces pradarias, estes campos férteis, estes jardins ornamentados, estas árvores aprumadas, estas uvas pendentes, estas montanhas de nuvens e estas planícies sempre serenas, estes escolhos, estes bancos de rochedos e o mar que circunda todas as coisas com tanta variedade e tanta diversidade estão presentes em meu espírito, a Odisseia finalmente se tornou, para mim, uma palavra viva.