William James (PP:287-291) – várias ordens de realidade

português

Suponha uma mente recém-nascida, inteiramente vazia e esperando a experiência começar. Suponha que ela comece nas formas de impressão visual (seja fraca ou vívida é imaterial) de uma vela acesa contra um fundo escuro, e nada mais, de modo que, enquanto essa imagem durar, constitua todo o universo conhecido pela mente em questão. Suponha, além disso (para simplificar a hipótese), que a vela seja apenas imaginária e que nenhum “original” dela seja reconhecido por nós, psicólogos de fora. Será que essa vela alucinatória será acreditada, ela terá uma existência real para a mente?

Que sentido possível (para essa mente) teria uma suspeita de que a vela não era real? O que implicaria dúvida ou descrença? Quando nós, os futuros psicólogos, dizemos que a vela é irreal, queremos dizer algo bem definido, a saber, que existe um mundo conhecido por nós que é real e ao qual percebemos que a vela não pertence; pertence exclusivamente a essa mente individual, não tem status em nenhum outro lugar etc. Ela existe, com certeza, de certa forma, pois forma o conteúdo da alucinação dessa mente; mas a alucinação em si, embora seja inquestionavelmente um tipo de fato existente, não tem conhecimento de outros fatos; e como esses outros fatos são as realidades por excelência para nós, e as únicas coisas em que acreditamos, a vela está simplesmente fora de nossa realidade e crença.

Pela hipótese, no entanto, a mente que vê a vela não pode produzir considerações como estas, pois, para outros fatos, reais ou possíveis, ela não tem ideia alguma. Essa vela é tudo, é absoluta. Toda a sua faculdade de atenção é absorvida por ela. Ela é, ela é isso; está aí; nenhuma outra vela possível, ou qualidade desta vela, nenhum outro lugar possível, ou objeto possível no local, nenhuma alternativa, em suma, sugere-se como até concebível; então, como a mente pode deixar de acreditar que a vela é real? A suposição de que talvez isso não ocorra é, sob as supostas condições, ininteligível.

Foi isso que o Espinosa anunciou há muito tempo (Ética II, Prop. 49, Escólio):

concebamos uma criança imaginando um cavalo alado e não percebendo nenhuma outra coisa. Visto que essa imaginação envolve (pelo Corol. da Prop. 17, Ética II) a existência do cavalo e que a criança não percebe qualquer coisa que suprima a existência do cavalo, ela necessariamente o contemplará como presente; e não poderá duvidar da existência dele, ainda que não esteja certa disso. […] Concedo, ademais, que ninguém se engana enquanto percebe, isto é, concedo que as imaginações da Mente, consideradas em si mesmas, não envolvem nenhum erro (ver Esc. da Prop. 17, Ética II), mas nego que o homem nada afirme enquanto percebe. Pois o que é perceber um cavalo alado senão afirmar asas do cavalo? Se, com efeito, a Mente não percebesse nada além do cavalo alado, contemplá-lo-ia como presente a si, e não teria causa alguma para duvidar de sua existência nem faculdade alguma de dissentir, a menos que a imaginação do cavalo estivesse unida a uma ideia que suprime a existência dele, ou que a Mente percebesse ser inadequada a ideia que tem do cavalo alado e, então, ou negaria necessariamente a existência desse cavalo ou dela duvidaria necessariamente.

O senso de que qualquer coisa em que pensamos é irreal só pode surgir quando essa coisa é contradita por outra coisa em que pensamos. Qualquer objeto que permanece sem contradição é ipso facto acreditado e colocado como realidade absoluta.

Agora, como é que uma coisa em que se pensa pode ser contrariada por outra? Não pode, a menos que comece a discussão dizendo algo inadmissível sobre esse outro. Pegue a mente com a vela ou o menino com o cavalo. Se qualquer um deles disser: ‘Aquela vela ou esse cavalo, mesmo quando não a vejo, existe no mundo exterior’, ele empurra para o ‘mundo exterior’, um objeto que pode ser incompatível com tudo o que ele de outro modo conhece desse mundo. Nesse caso, ele deve escolher entre qual das alternativas se deve manter, as percepções atuais ou os outros conhecimentos do mundo. Se ele se apega ao outro conhecimento, as percepções atuais são contraditórias, na medida em que se relaciona com esse mundo. Vela e cavalo, quaisquer que sejam, não existem no espaço exterior. Eles são existentes, é claro; eles são objetos mentais; objetos mentais têm existência como objetos mentais. Mas eles estão situados em seus próprios espaços, o espaço em que aparecem várias vezes, e nenhum desses espaços é o espaço em que existem as realidades chamadas “mundo exterior”.

Pegue novamente o cavalo com asas. Se eu apenas sonho com um cavalo com asas, meu cavalo não interfere em mais nada e não deve ser contradito. Aquele cavalo, suas asas e seu lugar, são todos igualmente reais. Esse cavalo não existe senão como alado e, além disso, está realmente lá, pois esse lugar não existe senão como o lugar desse cavalo e ainda reivindica nenhuma conexão com os outros lugares do mundo. Mas se com este cavalo eu fizer uma invasão ao mundo de outra maneira conhecida, e disser, por exemplo: ‘Essa é minha velha égua Maggie, tendo crescido um par de asas onde ela está em seu estábulo’, todo o caso é alterado; por enquanto, o cavalo e o local são identificados com um cavalo e outro local conhecido, e o que é conhecido desses últimos objetos é incompatível com o que é percebido com o anterior. ‘Maggie em seu estábulo com asas! Nunca! As asas são irreais, então, visionárias. Sonhei uma mentira sobre Maggie em seu estábulo.

O leitor reconhecerá nesses dois casos os dois tipos de julgamento chamados nos livros de lógica existenciais e atributivos, respectivamente. “A vela existe como uma realidade externa” é existencial, “Minha Maggie tem um par de asas” é uma proposição atributiva; e segue-se do que foi dito pela primeira vez que todas as proposições, sejam elas atributivas ou existenciais, são acreditadas pelo próprio fato de serem concebidas, a menos que colidam com outras proposições acreditadas ao mesmo tempo, alarmando que seus termos são os mesmos dos termos destas outras proposições. Uma vela dos sonhos tem existência, é verdade; mas não a mesma existência (existência por si mesma, ou seja, ou extra mentem meam) que as velas da percepção desperta têm. Um cavalo dos sonhos tem asas; mas então nem cavalo nem asas são iguais a todos os cavalos ou asas conhecidos na memória. Que chamamos a qualquer momento pensamos na mesma coisa que em um momento anterior em que pensamos é a lei suprema de nossa constituição intelectual. Mas quando agora pensamos de maneira incompatível com nossos outros modos de pensar, devemos escolher qual o caminho a seguir, pois não podemos continuar pensando de duas maneiras contraditórias ao mesmo tempo. Toda a distinção entre real e irreal, toda a psicologia da crença, descrença e dúvida é, portanto, baseada em dois fatos mentais – primeiro, que somos passíveis de pensar diferentemente sobre o mesmo; e segundo, que quando o fizermos, poderemos escolher qual modo de pensar aderir e qual desconsiderar.

Os sujeitos aderiram para se tornar sujeitos reais, os atributos aderiram a atributos reais, a existência aderiu à existência real; enquanto os sujeitos desconsiderados se tornam sujeitos imaginários, os atributos desconsiderados são errôneos e a existência desconsidera uma existência na terra dos homens, no limbo ‘onde habitam as fantasias sem pés’. As coisas reais são, na terminologia de Mr. Taine, as redutivas das coisas julgadas irreais.

original

Suppose a new-born mind, entirely blank and waiting for experience to begin. Suppose that it begins in the forms of visual impression (whether faint or vivid is immaterial) of a lighted candle against a dark background, and nothing else, so that whilst this image lasts it constitutes the entire universe known to the mind in question. Suppose, moreover (to simplify the hypothesis), that the candle is only imaginary, and that no ‘original’ of it is recognized by us psychologists outside. Will this hallucinatory candle be believed in, will it have a real existence for the mind?

What possible sense (for that mind) would a suspicion have that the candle was not real? What would doubt or disbelief of it imply? When we, the onlooking psychologists, say the candle is unreal, we mean something quite definite, viz., that there is a world known to us which is real, and to which we perceive that the candle does not belong; it belongs exclusively to that individual mind, has no status anywhere else, etc. It exists, to be sure, in a fashion, for it forms the content of that mind’s hallucination; but the hallucination itself, though unquestionably it is a sort of existing fact, has no knowledge of other facts; and since those other facts are the realities par excellence for us, and the only things we believe in, the candle is simply outside of our reality and belief altogether.

By the hypothesis, however, the mind which sees the candle can spin no such considerations as these about it, for of other facts, actual or possible, it has no inkling whatever. That candle is its all, its absolute. Its entire faculty of attention is absorbed by it. It is, it is that; it is there; no other possible candle, or quality of this candle, no other possible place, or possible object in the place, no alternative, in short, suggests itself as even conceivable; so how can the mind help believing the candle real? The supposition that it might possibly not do so is, under the supposed conditions, unintelligible. 7

This is what Spinoza long ago announced:

“Let us conceive a boy,” he said, “imagining to himself a horse, and taking note of nothing else. As this imagination involves the existence of the horse, and the boy has no perception which annuls its resistance, he will necessarily contemplate the horse as present, nor will he be able to doubt of its existence, however little certain of it he maybe. I deny that a man in so far as he imagines [percipit] affirms nothing. For what is it to imagine a winged horse but to affirm that, the horse [that horse, namely] has wings? For if the mind had nothing before it but the winged horse it would contemplate the same as present, would have no cause to doubt of its existence, nor any power of dissenting from its existence, unless the imagination of the winged horse were joined to an idea which contradicted [tollit] its existence.”(Ethics, 11, 49, Scholium.)

The sense that anything we think of is unreal can only come, then, when that thing is contradicted by some other thing of which we think. Any object which remains uncontradicted is ipso facto believed and posited as absolute reality.

Now, how comes it that one thing thought of can be contradicted by another? It cannot unless it begins the quarrel by saying something inadmissible about that other. Take the mind with the candle, or the boy with the horse. If either of them say, ‘That candle or that horse, even when I don’t see it, exists in the outer world,’ he pushes into ‘the outer world,’ an object which may be incompatible with everything which he otherwise knows of that world. If so, he must take his choice of which to hold by, the present perceptions or the other knowledge of the world. If he holds to the other knowledge, the present perceptions are contradicted, so far as their relation to that world goes. Candle and horse, whatever they may be, are not existents in outward space. They are existents, of course; they are mental objects; mental objects have existence as mental objects. But they are situated in their own spaces, the space in which they severally appear, and neither of those spaces is the space in which the realities called ‘the outer world’ exist.

Take again the horse with wings. If I merely dream of a horse with wings, my horse interferes with nothing else and has not to be contradicted. That horse, its wings, and its place, are all equally real. That horse exists no other-wise than as winged, and is moreover really there, for that place exists no otherwise than as the place of that horse, and claims as yet no connection with the other places of the world. But if with this horse I make an inroad into the world otherwise known, and say, for example, ‘That is my old mare Maggie, having grown a pair of wings where she stands in her stall,’ the whole case is altered; for now the horse and place are identified with a horse and place otherwise known, and what is known of the latter objects is incompatible with what is perceived with the former. ‘Maggie in her stall with wings! Never!’ The wings are unreal, then, visionary. I have dreamed a lie about Maggie in her stall.

The reader will recognize in these two cases the two sorts of judgment called in the logic-books existential and attributive respectively. ‘The candle exists as an outer reality’ is an existential, ‘My Maggie has got a pair of wings’ is an attributive, proposition; 8 and it follows from what was first said that all propositions, whether attributive or existential, are believed through the very fact of being conceived, unless they clash with other propositions believed at the same time, by alarming that their terms are the same with the terms of these other propositions. A dream-candle has existence, true enough; but not the same existence (existence for itself, namely, or extra mentem meam) which the candles of waking perception have. A dream-horse has wings; but then neither horse nor wings are the same with any horses or wings known to memory. That we call at any moment think of the same thing which at any former moment we thought of is the ultimate law of our intellectual constitution. But when we now think of it incompatibly with our other ways of thinking it, then we must choose which way to stand by, for we cannot continue to think in two contradictory ways at once. The whole distinction of real and unreal, the whole psychology of belief, disbelief, and doubt, is thus grounded on two mental facts — first, that we are liable to think differently of the same; and second, that when we have done so, we can choose which way of thinking to adhere to and which to disregard.

The subjects adhered to become real subjects, the attributes adhered to real attributes, the existence adhered to real existence; whilst the subjects disregarded become imaginary subjects, the attributes disregarded erroneous it attributes, and the existence disregarded an existence into men’s land, in the limbo ‘where footless fancies dwell.’ The real things are, in Mr. Taine’s terminology, the reductives of the things judged unreal.

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