CEM: I.1 – A medicina é uma profissão…

Diante de um pensamento bem moderno que iguala termos díspares como ofício, trabalho, emprego, função, tarefa, cargo, e outras tantas designações de qualquer atividade humana proposital, sistemática e rotineira, faz-se digno de pensar, como primeira grande questão, o sentido, se ainda algum, do que seja “profissão”. E tanto mais, pelo que seu significado etimológico guarda: professar, conjunção do prefixo latino “pro”, pôr diante, pôr em aberto, com o verbo latino “fateri” (particípio passado fassus), aquiescer, confessar, ou seja, dizer ou declarar aberta e publicamente.

Certamente a etimologia da palavra nos indica algo desse originário sentido. Surge em francês em 1155, como palavra proveniente do latim professio, declaração pública de sua , de professus (“reconhecido”, “confessado”, “declarado”), por sua vez, particípio passado de profiteri, proferir claramente, declarar abertamente, testificar voluntariamente, reconhecer, enunciar publicamente. Interessante para nossa reflexão é que o verbo profiteri é composto do latim pro- (adiantar, avançar) e fateri (reconhecer sua falta, seu erro) do grego phatós e phátis (palavra, discurso). Entretanto, já no início do século XIV, ganha o sentido de tomar votos religiosos, mas também de métier e ofício, em uma época em que se reuniam em distintas guildas e corporações os artesãos de diferentes “profissões”. No século XVI, fixa-se no sentido de “fazer profissão de” (uma religião, um sentimento), surgindo como “profissão de ” no final do século XVII. Finalmente desponta na forma do adjetivo “profissional”, só no século XIX, em uma tentativa de resgate da valorização dada a diferentes profissões pelas corporações de ofícios, agora diante da ameaça de redução do “humano”, que professa uma profissão, apenas ao trabalho de seus corpos pela apropriação em uma industrialização crescente de todo modo de produção. A indicação formal deste percurso etimológico, em língua latina (ERNOUT & MEILLET, 2001, p. 219) e francesa (DAUZAT et al, 1971, p. 605), deixa transparecer elementos primordiais para acesso ao sentido que mais nos interessa, que de modo ousado assim expressamos: professar uma profissão é pro-ferir o discurso do pro-jeto da compreensão do ser vigente em uma ocupação.

Professar uma profissão é “pro-ferir” o discurso de si mesmo em uma ocupação [Besorgen]; é o “” como que dizendo “estou assim ocupado”, onde este “assim” deveria ser eco da vocação do ser-aí. Nesta descrição, também deve ser entendido “proferir”, em seu sentido etimológico do latim pro- (adiante) + ferre (levar, portar), ou seja: a profissão é o proferir o discurso de si mesmo neste pôr diante, ou pôr em aberto, no “pro-jetar” da compreensão do ser (Seinsverständnis) em uma ocupação. Profere-se o discurso de si mesmo, simultaneamente, tanto em afirmação de que aí-se-é e de como aí-se-é, quanto em negação de que aí-não-se-é e de como aí-não-se-é, em uma entente tensa ao ser o “”.

BIBLIOGRAFIA:

  • DAUZAT, Albert, DUBOIS, Jean & MITTERAND, Henri. Nouveau dictionnaire étymologique et historique. Paris: Larousse, 1971.
  • DE CASTRO, J. C.; DE CASTRO, Murilo. “Vocação, Ressonância do Ser-aí”, in Educação: Teoria e Prática, Rio Claro, SP, v. 28, n.58, 2018, p. 339-356.
  • ERNOUT, Alfred & MEILLET, Alfred. Dictionnaire étymologique de la langue latine. Paris: Klincksieck, 2001.
  • HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Trad. Fausto Castilho. Petrópolis: Vozes, 2012.

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