para-si

Ser humano dotado de consciência, por oposição a toda realidade externa à consciência (em-si). — Esse termo foi inicialmente empregado por Fichte e Hegel para designar o caráter reflexivo de toda conduta humana, que faz, por exemplo, com que agir seja saber que se age, e amar saber que se ama. Esse caráter de perpétuo desdobramento seria, assim, segundo Fichte e Hegel, o caráter do para-si, próprio a todo ser dotado de consciência. O termo de para-si foi atualmente divulgado por Sartre e pela filosofia existencialista: esse “para-si”, aqui, é idêntico ao “não-ser”, simplesmente porque a característica do homem é agir e, por isso mesmo, “de não ser mais o que é”; essa inquietude perpétua, identificada à consciência da liberdade, seria o caráter fundamental do para-si. [Larousse]


Cabestan2001

  • Poderíamos ser tentados a opor o em-si ao para-si como o pleno ao vazio, o ser ao nada. Contudo, mesmo que seja verdade que Sartre por vezes defina o para-si como “um buraco de ser”, tal apresentação seria demasiado inexata. Com efeito, tanto o em-si como o para-si descrevem dois tipos de ser, e o para-si não pode, portanto, ser assimilado a um puro nada. Posso dizer do livro que leio que ele é, e da mesma forma posso dizer de mim, lendo o livro, que eu sou. O verbo ser, no entanto, não tem nos dois casos o mesmo sentido. O livro é uma coisa cujo modo de ser pode ser caracterizado observando que ele é desprovido de qualquer relação consigo mesmo, que ele é sem distância. Diremos deste livro, e isto vale para todas as coisas, que ele é em-si. Em oposição, a leitura é o ato de uma consciência ou para-si, isto é, de um ser que é necessariamente consciente de si mesmo, consciente de si lendo, e que não poderia, portanto, ser sem essa relação ou essa distância que define a presença a si. Enquanto o em-si é cego e maciço, e como que de um só bloco, o para-si nunca coincide consigo mesmo.
  • Desde a Introdução de O Ser e o Nada (EN), Sartre opõe o ser do fenômeno e o ser da consciência, que correspondem a duas regiões de ser absolutamente distintas: o para-si e o em-si. De fato, um primeiro exame do ser do fenômeno tal como ele se manifesta — pensemos no castanheiro de A Náusea — atribui-lhe três caracteres: o ser é, o ser é em si, o ser é o que é. Isto significa que o ser do fenômeno se caracteriza pela sua contingência, pela ausência de relação consigo mesmo, e pela sua plena positividade ou sua infinita densidade que exclui dele toda alteridade. A consciência, certamente, é tão contingente quanto o fenômeno. Contudo, toda consciência é consciência (de) si ou presença a si, isto é, para-si. Impõe-se, pois, reconhecer nela um esboço de dualidade, algo que a separa de si mesma, que para Sartre é um nada, ou melhor, o Nada, de sorte que o princípio de identidade não se poderia aplicar ao para-si: enquanto o em-si é o que é, o para-si é o que não é e não é o que é.
  • Contrariamente ao que esta terminologia poderia levar a crer, O Ser e o Nada, diferentemente da Fenomenologia do Espírito de Hegel, não estabelece nenhuma relação dialética entre o para-si e o em-si, e o para-si não é de modo algum um momento do desenvolvimento dialético do em-si. Como lamenta Merleau-Ponty, é antes “uma analítica do Ser e do Nada” que nos propõe a ontologia sartriana (VI, p. 105).