[L’IDÉE FIXE, VALÉRY, Paul. Œuvres II. Bibliothèque de la Pléiade n. 148. Paris: Gallimard, 1960 (ebook)]
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– Se … Podemos nos livrar de uma autoridade de origem externa, – desamarrar todos os nós, cortar todos os fios estranhos. A defesa é possível … Mas é quase impossível livrar-se de hábitos mentais que são reforçados pela experiência tanto quanto o pensamento pode ser, e que são justificados pela crítica sempre que se aplica a eles. O poder do moderno é baseado na “objetividade”. Mas, examinando mais de perto, descobrimos que é … a própria objetividade que é poderosa – não o próprio homem. Ele se torna um instrumento, – escravo, – daquilo que ele encontrou ou forjou: uma maneira de ver.
– Um método… Mas se esse for o caminho certo? Se for como o limiar, o limite, onde séculos de tentativa e erro terminaram e deveriam terminar?
– Com certeza … Mas cuidado com o automatismo!
– O quê! … Você caça papagaios, você pressiona para ter precisão e depois vira o nariz!
– Não. Além disto, não existe uma mente que esteja de acordo consigo mesma. Não seria mais um espírito. Mas ouça um pouco. Deixe-me mergulhar um pouco no arbusto moral.
– Vamos! Senhor …
– Suponha que por alguma autoridade …
– Como todas as autoridades.
– Um código de ética, uma tabela de valores morais foi estabelecida; o bem, o mal, claramente definidos; todos os atos imagináveis afetados por coeficientes éticos, positivos ou negativos …
– Ou nulo … Mas tudo isto existe …
– Aproximadamente. Suponha agora que por algum processo igualmente arbitrário, sugestão todo-poderosa, pediatria, pedagogia, tão eficaz quanto a nossa é pouco, e que é para nós o que nossos meios materiais são para aqueles dos povos mais bárbaros – consigamos fazer o ato bom completamente reflexo e quase irresistível; o ato mau, excessivamente penoso, doloroso, até mesmo de imaginar …
– E então ?
– Então? … Primeiro, não há mais mérito, certo? … O bom não custaria nada. Pelo contrário, o mal ficaria caro …
– Tudo funcionaria melhor.
– Mas os moralistas ficariam desesperados …
– Não vejo problema … E por quê? … Estariam no auge da alegria … Chega de pecado, chega de culpas, chega de crimes …
– Mas de jeito nenhum … Não é do bem que eles gostam … É o castigo que se inflige a si mesmo por fazer o bem.
– Mas eles são sádicos!
– Eles são “desportistas”. Eles experimentam o esforço pelo esforço. Virtude é força. Toda força contraria alguma força. Se eu fugir do mal … como minha mão foge de uma coisa quente, – se a oportunidade de fazer o bem atua em mim como atua nas glândulas salivares …
– As tripas…
– Horror … Não, algum belo fruto! … Então, o comportamento humano …
– O comportamento.
– Essa palavra me irrita … Inútil e recente.
– Fobia!… Ele é excelente.
– Em suma, digo que a conduta humana, assim reduzida a um … automatismo virtuoso, não oferece mais nada de interessante.
– Isso vai longe … Vai ao Tribunal de Justiça.
– Então você não vê que esse automatismo ético arruinaria moralmente a todos? …