Investigação das “possibilidades” dos fenômenos

Cavell1989

Acrescentemos, agora, à afinidade a respeito do ignóbil e do atraente, a ideia de que ambos são parte de nossa condição, da condição humana, ou seja, da condição de nosso pensar, especificamente do nosso conhecimento de um mundo de objetos, e a afinidade de Kant e Emerson com o Wittgenstein de Investigações se declara. Ao reivindicar Investigações como uma obra kantiana, reivindico para ela o trabalho de estender as categorias do entendimento de Kant ao uso da linguagem e seus critérios enquanto tais, o que se resume no fragmento 90 de Investigações:

É como se tivéssemos que penetrar os fenômenos: mas nossa investigação não se dirige aos fenômenos, e sim, como poderia dizer, às “possibilidades” dos fenômenos. Isto quer dizer que meditamos sobre a espécie de asserções que fazemos sobre os fenômenos.

[…]

O sentimento de que temos que penetrar os fenômenos é evidentemente produzido pelo sentimento de que há alguma barreira diante dos fenômenos, ou de alguma resistência por parte deles (como se as condições do aparecimento de uma coisa fossem limites, ao dela nos acercarmos; como se o ceticismo registrasse com precisão o afastamento, digamos, a retração do mundo em relação a nós); como se a linguagem tivesse dificuldade em atingir os fenômenos, quanto mais em captá-los. Então, todas as nossas palavras são palavras de dor e, portanto, de sofrimento e violência, pois contam perdas, especialmente quando lhes pedimos para agarrarem esses objetos perdidos, que se [86] encolhem, esquecendo ou negando o legítimo apelo de nossa atração, nossa capacidade de receber o mundo, e em lugar disso excluindo o retorno do mundo, como que punindo a nós próprios por sentirmos dor. O aspecto que estou tentando inserir intuitivamente ao sobrepor as regiões que incluem Kant, Emerson e Wittgenstein, relaciona-se, poderia dizer, não a seu desvio em relação ao ceticismo, mas a seu respeito por ele, como que diante de um oponente de valor; penso nisso como o reconhecimento por parte deles, não da incerteza ou do fracasso de nosso conhecimento, mas do nosso desapontamento frente a seu sucesso.