Tonalidades Emocionais

(Bollnow2009)

O colapso da confiança na razão como núcleo essencial constitutivo do homem significava que o pensamento e, com ele, as outras atividades superiores do espírito não podiam mais ser entendidos como domínios autônomos e compreensíveis por si mesmos, mas remetiam a um substrato mais profundo da vida, do qual nasceram e no qual permanecem enraizados. Colocar a questão da relação entre pensamento e vida, entre espírito e vida em geral, era a expressão típica da situação que se havia verificado. Nesse contexto, a atenção dos filósofos voltou-se necessariamente para os substratos mais profundos da vida até então negligenciados, a fim de esclarecer, a partir deles, a estrutura interna global da vida humana1.

Na base de toda a vida psíquica, como seus graus inferiores, encontram-se os «sentimentos vitais» (Lebensgefühle) ou «tonalidades emocionais» (Stimmungen)2. Eles representam a forma mais simples e originária em que a vida humana — sempre segundo uma determinada coloração, com certa apreciação e com certa tomada de posição — se torna consciente de si mesma. Podem ser deixados de lado aqui os sentimentos puramente corporais (rein leibliche Gefühle) (26) (a fome, a sede, o cansaço etc.), nos quais o homem percebe um certo estado de seu corpo. Estes formam uma esfera relativamente fechada, que não entra em jogo (pelo menos não de maneira essencial) na formação das atividades superiores. Deles, as tonalidades emocionais no sentido próprio distinguem-se pelo fato de representarem um estado fundamental, que atravessa uniformemente todo o homem, desde as camadas inferiores até as mais elevadas, e confere a todas as suas emoções (Regungen)3 uma certa coloração característica. Por isso (em referência a Heidegger), falamos adequadamente de «situações emocionais fundamentais» (Grundbefindlichkeiten) da existência humana.

A elas pertencem, apenas para dar um exemplo provisório, as tonalidades emocionais da alegria (Frohlichkeit) e da tristeza (Traurigkeit), da jovialidade (Lustigkeit) e da exuberância (Ausgelassenheit), como as do abatimento (Niedergeschlagenheit) e da depressão apática (dumpfe Benommenheit), da tranquilidade (ruhige Entspanntheit), como da angústia (Angst) e da preocupação (Besorgtheit). A linguagem corrente ilustra de bom grado as tonalidades emocionais através da metáfora da altura e as caracteriza, portanto, como um certo nível do sentimento. Assim, fala de situações emocionais em que nos sentimos «para cima» (gehobenen) e nos sentimos «para baixo» (gesenkten), ou estamos «deprimidos» (niedergedrückten)4, de sentimentos «superficiais» (flachen) ou «profundos» (tiefen). Dessa forma, a linguagem associa de bom grado a ideia de um peso que, nas tonalidades emocionais aflitas, curva o homem para baixo, e do qual ele se sente liberado nas tonalidades emocionais felizes. Linguisticamente, as tonalidades emocionais também são frequentemente indicadas com palavras compostas por «Sinn» e «Mut» (que no médio alto alemão são aproximadamente sinônimos)5: melancolia (Trübsinn), contentamento (Frohsinn), (27) leveza (Leichtsinn), ou ousadia (Übermut), pena (Wehmut), tristeza (Schwermut), indiferença (Gleichmut), mau humor (Miβmut), como modos do humano «estar de certo humor» (Zu-Mute-sein). O «estado de ânimo» (Gemüt), que, após ter sido ignorado por muito tempo, foi recentemente desenvolvido por Lersch6 e Strasser7 como conceito psicológico fundamental, parece ser, portanto, a verdadeira sede da tonalidade emocional.

 


  1. A corrente fenomenológica contribuiu decisivamente para a exploração da afetividade, particularmente através da obra de Max Scheler, autor, entre outros, de uma estratificação da vida emocional que parece implicitamente subentendida nesta passagem. Para uma visão geral, remete-se a: D. Bruzzone, Fenomenologia dell’affettività e significato della formazione, in V. Iori (a cura di), Quando i sentimenti interrogano l’esistenza, Guerini e Associati, Milano 2006, pp. 105-162 (N.d.T.). 

  2. Para a presente exposição, ambos os conceitos podem ser usados indistintamente. Para a distinção necessária a outros fins, e em particular para o tratamento caracterológico dos sentimentos vitais, cf. Ph. Lersch, Der Aufbau des Charakters (a partir da IV ed.: Aufbau der Person), München 1951, pp. 246 ss. 

  3. Optou-se por traduzir Regung (literalmente «movimento») pelo termo emoção para preservar seu uso corrente e, ao mesmo tempo, em referência ao seu significado etimológico (lat. motus), que indica precisamente movimento, mudança no estado de ânimo (N.d.T.). 

  4. Optou-se neste caso por uma tradução mais livre que restituísse o equivalente em português dos termos usados no texto original (indicados entre parênteses), através de expressões que preservassem a metáfora espacial com que na linguagem corrente se indica o tom ascendente ou descendente do humor (N.d.T.). 

  5. Em português, Sinn significa «sentido» e Mut «estado de ânimo», «moral». Essas palavras, portanto, correspondem substancialmente a expressões do tipo «sentir um senso de…» (leveza, desconforto, pena etc.) ou «ter o moral…» (no chão, nas nuvens etc.) (N.d.T.). 

  6. Lersch, Der Aufbau des Charakters, pp. 233 ss. 

  7. Strasser, Das Gemüt. Grundgedanken zu einer phänomenologischen Philosophie und Theorie des menschlichen Gefühlsleben, Utrecht-Antwerpen-Freiburg 1956, p. 121 ss.