Ternisien d’Ouville (Arendt) – sociedade e economia

Thierry Ternisien d’Ouville. Penser avec Hannah Arendt. 2017

A emergência da sociedade, ou seja, a saída do trabalho da obscuridade do lar e a sua instalação na luz do domínio público, apagou a antiga fronteira entre o político e o privado. Alterou mesmo o sentido destes termos, o seu significado para a vida do indivíduo e do cidadão, a tal ponto que se tornaram quase irreconhecíveis. O privado, no sentido moderno, na sua função essencial de abrigo da intimidade, já não se opõe primordialmente ao político, mas ao social. O primeiro explorador-intérprete da intimidade foi Jean-Jacques Rousseau, que se revoltou, não contra a opressão do Estado, mas contra a sociedade, contra a sua intolerável perversão do coração humano e a sua intromissão no mais íntimo do ser. Esta revolta do coração deu origem ao indivíduo moderno, com os seus conflitos perpétuos, a sua incapacidade de viver em sociedade ou fora dela, as suas mudanças de humor e o subjetivismo radical da sua vida emocional. A igualdade moderna, na qual a sociedade substituiu a ação como primeiro modo de relação humana pelo comportamento, difere em todos os aspectos da igualdade antiga. Pertencer ao pequeno número de iguais significava poder viver entre os seus pares, num domínio público animado por um feroz espírito de competição. Aí, era preciso distinguir-se constantemente de todos os outros, mostrar constantemente que se era o melhor de todos através das suas ações e dos seus êxitos incomparáveis. Estava reservado à individualidade, e era a única forma de as pessoas mostrarem o que realmente eram, o que era insubstituível nelas. Foi para poderem aproveitar esta oportunidade, por amor à cidade que a proporcionava a todos, que os cidadãos aceitaram assumir a sua quota-parte nos encargos da defesa, da justiça e da administração. Para medir a vitória da sociedade dos tempos modernos, substituindo o comportamento pela ação, basta recordar que a sua ciência inicial, a economia, que estabelece o comportamento apenas no domínio relativamente restrito da atividade que lhe diz respeito, acabou por conduzir à pretensão total das ciências sociais que, enquanto ciências do comportamento, pretendem reduzir o homem no seu conjunto, em todas as suas actividades, ao nível de um animal condicionado com comportamentos previsíveis. Se a economia foi a ciência da sociedade nos seus primórdios, quando só podia impor as suas regras de conduta a certos sectores da população e para algumas das suas actividades, o advento das ciências do comportamento assinala claramente a fase final desta evolução, quando a sociedade de massas devorou todos os estratos da nação e o comportamento social se tornou a norma para todos os domínios da existência.