Tédio

(ACS2020)

[…] “Ser consiste em movimento e ação” (II, 8, 386), e nós amamos isso (“nós temos gosto de ser”, ibid.). Não é surpreendente, replicaria Montaigne a Pascal (cf. Pensées, ed. Lafuma, 136-1391), que tenhamos dificuldade em “permanecer em repouso em um quarto” sem logo entrar em depressão! Isso condena menos “a desgraça natural de nossa condição” (Pensées, ibid.) do que a ociosidade ou, melhor dizendo – pois Montaigne adora o lazer, quando este é ativo – a inação. Assim, nosso gentil-homem poderia ter concordado com seu genial admirador e crítico quando este último, com sua incomparável tinta negra, escreveu:

Tédio.

Nada é tão insuportável ao homem quanto estar em pleno repouso, sem paixões, sem ocupações, sem distrações, sem aplicação.

Ele então sente seu nada, seu abandono, sua insuficiência, sua dependência, sua impotência, seu vazio.

Imediatamente brotará do fundo de sua alma o tédio, a escuridão, a tristeza, o desgosto, o rancor, o desespero” (Pensées, 622-131).

Esse é, talvez, em toda a obra de Pascal, o fragmento que mais me impactou, aquele no qual, infelizmente, melhor me reconheço. Levei muitos anos, e muito trabalho, para aceitar sua parcela de verdade sem me perder nele. Montaigne – mais ainda do que Epicuro ou Espinosa – me ajudará nisso. Ele também conheceu “o tédio de não fazer nada” (II, 10, 409), “o peso de uma ociosidade entediante” (III, 3, 827), e esse gosto de nulidade sobre todas as coisas (I, 20, 92-96; III, 9, 988 e passim). Ele leu o Eclesiastes demais para se surpreender com isso. Prefere seguir o exemplo: fazer o elogio da alegria (Ec, 8, 15; Ensaios, III, 9, 979), recomendar a ação (Ec, 9, 10; Ensaios, I, 20, 89) e aproveitar a vida, que é “nosso ser, nosso tudo” (II, 3, 353; ver a entrada “Eclesiastes [O]”).