Spengler Protosimbolo

Spengler SimbolismoMACROCOSMO: O SIMBOLISMO DA IMAGEM CÓSMICA E O PROBLEMA DO ESPAÇO

A PROFUNDIDADE DO ESPAÇO COMO TEMPO. O PROTO-SÍMBOLO
O “comprimento” e a “largura”, que, como experiência vivida, afiguram-se-nos como uma unidade e não como uma soma, constituem — isto seja dito com certa precaução — a mera forma da sensação. Representam a impressão puramente sensível. A profundidade representa a expressão, a natureza. Com ela começa o “mundo”. Essa maneira diferente de apreciar a terceira dimensão, maneira evidentemente estranha à Matemática, e que consiste em opô-la às duas outras, evidenciam-se também na oposição dos conceitos de sensação e intuição. A dilatação rumo à profundidade transforma a primeira na segunda. A profundidade é a dimensão autêntica, na acepção literal da palavra. É ela que estende as coisas. Nela, a consciência vigilante torna-se ativa, ao passo que nas outras duas observa-se estreitamente passiva. O conteúdo simbólico de uma ordem, no sentido de uma cultura singular, expressa-se de modo insondável nesse elemento primário, não suscetível de nenhuma análise ulterior. A experiência íntima da profundidade — e dessa percepção depende tudo quanto se segue — é um ato tão perfeitamente espontâneo e necessário quanto é perfeitamente criador. Por meio dele, prescreve-se, por assim dizer, ao Eu o mundo que lhe couber. A natureza é uma função da cultura correspondente.

Kant complicou para sisi mesmo o acesso ao problema do tempo, porque o pôs em relação com a Aritmética, cuja essência não compreendia. Disso resulta que ele nos fala de um tempo fantasma, sem direção viva, um esquema espacial. Da mesma forma, errou Kant com respeito ao problema do espaço, ao relacioná-lo com a Geometria corriqueira. Sua ideia de que a prioridade do espaço seria demonstrada pela absoluta certeza intuitiva dos simples fatos geométricos funda-se na referida opinião demasiado popular, segundo a qual a Matemática é ou Geometria ou Aritmética. A Matemática conserva-se independente da forma do objeto contemplado. Resta então saber o que sobrará dessa famosa evidência das formas da intuição, logo que percebermos a artificialidade da superposição de ambas essas formas (do tempo e do espaço) numa pretensa experiência.

O resultado da descoberta de Gauss, que mudou por completo o rumo da Matemática moderna, foi a demonstração de que existem várias estruturas igualmente certas da extensão tridimensional. Perguntar qual delas corresponde à intuição real significa não ter compreendido o problema. A Matemática — recorra ela ou não ao emprego de imagens e representações intuitivas — estuda sistemas puramente intelectuais, inteiramente destacados da vida, do tempo e do destino, mundos de meras formas numéricas, cuja exatidão, e não sua realidade, é intemporal e obedece à lógica causai, como tudo quanto for apenas conhecido e não vivido.

Com isso patenteia-se a diferença entre a intuição viva e a linguagem das formas matemáticas. Descortina-se o mistério de como se produz o espaço.

O processo de devir é a base do que deveio. Na história incessantemente viva funda-se a natureza realizada, morta. O orgânico escora o mecânico; o destino, a lei causai, instituída objetivamente. E da mesma forma, a direção é a origem da extensão. O mistério da vida empenhada em realizar-se, mistério ao qual alude a palavra tempo, constitui o alicerce do que designa a palavra espaço como coisa já realizada, posto que menos o compreendamos do que sintamos no nosso íntimo. Toda espacialidade real é rematada pela experiência íntima da profundidade e simultaneamente com esta. E a referida dilatação rumo à profundidade e à distância — primeiramente para a sensibilidade, sobretudo para a vista, e depois para o pensamento —, esse passo da impressão restrita aos sentidos e desprovida de profundidade até à imagem do mundo, ordenada em forma de macrocosmo, com a mobilidade que misteriosamente se manifesta nela, é precisamente aquilo que a palavra “tempo” designa antes de mais nada. Se a forma básica do que se compreende, a causalidade, é qualificada por nós de destino solidificado, é lícito chamarmos a profundidade espacial de tempo solidificado.

Enquanto mirarmos as distâncias, meditando, flutuará a nosso redor o espaço vivo. Mas, quando, subitamente, despertarmos do nosso sonho, estender-se-á ante os nossos olhos atentos um espaço fixo. Esse último espaço existe, e por isso, em virtude da sua existência, acha-se fora do tempo, conservando-se destacado dele e, portanto, da vida. Nele reina a duração, que é uma parcela do tempo morto; a duração como qualidade reconhecida das coisas. Uma vez que nós mesmos nos conhecemos como existentes nesse espaço, sabemos qual será a nossa duração e quais serão os seus limites, que os ponteiros do relógio incessantemente nos chamam à memória Mas o espaço rígido, que também é transitório e desaparecerá da dilatação variegada do nosso ambiente, sempre que diminuir a tensão do nosso espírito, esse espaço rígido é, justamente por essa razão, signo e expressão da própria vida, o símbolo mais primitivo e mais poderoso de todos quantos ela criou. A interpretação arbitrária da profundidade, que domina a consciência vigilante com a força de um acontecimento elemental, caracteriza o despertar da vida íntima, e ao mesmo tempo marca o limite a separar a criança do homem. A experiência da profundidade, com seu significado simbólico, é o que falta à criança, a qual já sabe sentir a distância, sem que esta fale à sua alma. Somente depois do despertar da alma, eleva-se a direção à categoria da expressão viva. Não é senão a partir desse instante que pertencemos a uma cultura individual, cujos membros estão unidos pelo mesmo sentimento cósmico e pela forma comum do Universo, originada por tal sentimento. Uma profunda relação de identidade liga o despertar da alma, que nasce para levar uma existência clara em nome de uma cultura, e a repentina compreensão da distância e do tempo, o nascimento do mundo exterior, mediante o símbolo da dilatação, que, daí por diante, permanece o símbolo primordial dessa vida, à qual imprime o seu estilo e a configuração da sua história, como progressiva realização das suas possibilidades interiores. O símbolo primordial da extensão resulta exclusivamente do tipo de direção. Para a visão cósmica da Antiguidade é o corpo próximo, nitidamente delimitado, encerrado em sisi mesmo; para a concepção ocidental, o espaço infinito, com a aspiração à profundidade da terceira dimensão; para o espírito árabe, o mundo como caverna. Neste ponto, assistimos à volatização de um velho problema filosófico: a protoforma será inata ao mundo, enquanto pertencer originariamente à alma dessa cultura, que se expressar em toda a nossa vida; como também será adquirida, já que cada alma individual repetirá por si aquele ato criador, desdobrando, na sua mais tenra infância, o símbolo da profundidade, prefixado à sua existência, assim como a borboleta, ao sair da crisálida, abre as suas asas. A primeira compreensão da profundidade é como que um ato de nascer, nascimento espiritual junto ao nascimento físico. Com ele, uma cultura é dada à luz peia sua paisagem materna, e isso se repete, em todo o seu decorrer, na vida de cada alma individual.

Mas o próprio símbolo primordial não se realiza. Atua no senso formal de todos os homens, de todas as coletividades, eras e épocas, ditando-lhes o estilo de qualquer exteriorização vital. Fica latente no sistema de Estado, nos mitos e cultos religiosos, nos ideais da Ética, nas formas da Pintura, da Música, da Poesia, nos conceitos fundamentais de qualquer ciência, mas nenhuma dessas realizações representa-o.

Segue-se disso que. o símbolo primordial não pode ser reproduzido por conceitos expressos por palavras, porquanto os idiomas e as formas do conhecimento são eles mesmos símbolos derivados. Cada símbolo particular fala do símbolo primordial, porém dirigindo-se, não ao intelecto, mas ao sentimento íntimo. Quando, daqui em diante, definirmos o símbolo primordial da alma “antiga” como o corpo material singular, e o da alma ocidental como o espaço puro, infinito, não deveremos jamais esquecer que os conceitos não podem exprimir o inconcebível, e que o som das palavras apenas será capaz de evocar uma sensação do seu significado.

Abellio, Raymond (29) Antiguidade (26) Aristotelismo (28) Barbuy, Heraldo (45) Berdyaev, N A (29) Bioética (65) Bréhier – Plotin (395) Coomaraswamy, Ananda (473) Enéada III, 2 (47) (22) Enéada III, 6 (26) (21) Enéada IV, 3 (27) (33) Enéada IV, 4 (28) (47) Enéada VI, 1 (42) (32) Enéada VI, 2 (43) (24) Enéada VI, 3 (44) (29) Enéada VI, 7 (38) (43) Enéada VI, 8 (39) (25) Espinosa, Baruch (37) Evola, Julius (108) Faivre, Antoine (24) Fernandes, Sergio L de C (77) Ferreira da Silva, Vicente (21) Ferreira dos Santos, Mario (39) Festugière, André-Jean (41) Gordon, Pierre (23) Guthrie – Plotinus (349) Guénon, René (699) Jaspers, Karl (27) Jowett – Platão (501) Kierkegaard, Søren Aabye (29) Lavelle, Louis (24) MacKenna – Plotinus (423) Mito – Mistérios – Logos (137) Modernidade (140) Mundo como Vontade e como Representação I (49) Mundo como Vontade e como Representação II (21) Míguez – Plotino (63) Noções Filosóficas (22) Ortega y Gasset, José (52) Plotino (séc. III) (22) Pré-socráticos (210) Saint-Martin, Louis-Claude de (27) Schuon, Frithjof (358) Schérer, René (23) Sophia Perennis (125)