Sorabji (PC1:44-45) – recepção de forma sem matéria

Aristóteles acredita que na percepção a forma é recebida sem matéria. Uma vez que a forma é normalmente (com três exceções de palavras soltas) dita ser recebida, não percebida, nenhum problema surge sobre um objeto interno de percepção se interpondo entre nós e o objeto externo de percepção. Mas quanto ao que é a recepção da forma, existem várias interpretações (pesquisadas, Victor Caston, ‘The spirit and the letter: Aristotle on perception’, em Ricardo Salles, org., Metaphysics, Soul and Ethics: Themes in the Work of Richard Sorabji, Oxford a ser publicado). O olho recebe manchas coloridas, ou informação codificada, ou nós apenas nos tornamos cognitivos? Philoponus e ‘Simplicius’ adotam a última interpretação: a forma é recebida cognitivamente, gnostikos. Quanto a “sem matéria”, também esta recebeu diferentes interpretações: “sem receber partículas de matéria (como alguns dos predecessores de Aristóteles postularam)” ou “sem que a matéria do observador sofra qualquer alteração comum”. Filopono encontra esta segunda em Aristóteles, seja ou não na frase “sem matéria”.

Filopono

Pois o que percebe é assimilado ao perceptível não por ser afetado de qualquer maneira, nem por mudar de possuir uma condição oposta, mas por receber a forma (eidos) do perceptível sem chegar a ser como matéria para essa forma. Pois o sentido não se torna branco ao receber a forma do perceptível, razão pela qual não se diz afetado ou qualitativamente modificado propriamente, mas recebe cognitivamente (gnostikos) em si mesmo o princípio racional da forma (logos tou eidous). Dizemos que a cera é potencialmente o que o selo é, porque ela se torna na realidade o que o selo é quando afetada por ele sem receber sua matéria, mas apenas sua forma. Assim também o sentido quando afetado pelos perceptíveis fica marcado por suas formas de forma incorpórea (asomatos). Mas há uma diferença porque a própria cera passa a ser matéria para a forma no selo, enquanto o sentido não passa a ser matéria para o perceptível, mas se marca cognitivamente por sua forma. E o sentido tem ainda outra diferença da cera. Pois ainda que a cera venha a ser matéria para a forma no anel, ela não recebe a forma em si mesma, mas apenas na superfície. A capacidade perceptiva, no entanto, é marcada pelas formas do perceptível através de si mesma em uma forma viva (zotikos). [Filopono em De Anima 309,15-29]


O sentido não é afetado pela combinação de matéria e forma, mas apenas pela forma (eidos), como a cera é afetada pelo selo. Tampouco é afetado como uma combinação, pois o órgão não se torna colorido ou odorífero, mas é afetado apenas em relação à sua forma, quero dizer, a própria capacidade perceptiva. O corpo sofre o efeito do calor, e o tato sofre, mas não o mesmo efeito. O sentido é afetado cognitivamente (gnostikos), e somente pela forma da coisa quente, enquanto o órgão, a carne, como matéria, é afetado como uma combinação, tornando-se sujeito ao calor inerente, e sendo afetado como um todo pelo agente de aquecimento como um todo. [Filopono em De Anima 438,6-15]

Simplicius