Aristóteles acredita que na percepção a forma é recebida sem matéria. Uma vez que a forma é normalmente (com três exceções de palavras soltas) dita ser recebida, não percebida, nenhum problema surge sobre um objeto interno de percepção se interpondo entre nós e o objeto externo de percepção. Mas quanto ao que é a recepção da forma, existem várias interpretações (pesquisadas, Victor Caston, ‘The spirit and the letter: Aristotle on perception’, em Ricardo Salles, org., Metaphysics, Soul and Ethics: Themes in the Work of Richard Sorabji, Oxford a ser publicado). O olho recebe manchas coloridas, ou informação codificada, ou nós apenas nos tornamos cognitivos? Philoponus e ‘Simplicius’ adotam a última interpretação: a forma é recebida cognitivamente, gnostikos. Quanto a “sem matéria”, também esta recebeu diferentes interpretações: “sem receber partículas de matéria (como alguns dos predecessores de Aristóteles postularam)” ou “sem que a matéria do observador sofra qualquer alteração comum”. Filopono encontra esta segunda em Aristóteles, seja ou não na frase “sem matéria”. |
Filopono
Pois o que percebe é assimilado ao perceptível não por ser afetado de qualquer maneira, nem por mudar de possuir uma condição oposta, mas por receber a forma (eidos) do perceptível sem chegar a ser como matéria para essa forma. Pois o sentido não se torna branco ao receber a forma do perceptível, razão pela qual não se diz afetado ou qualitativamente modificado propriamente, mas recebe cognitivamente (gnostikos) em si mesmo o princípio racional da forma (logos tou eidous). Dizemos que a cera é potencialmente o que o selo é, porque ela se torna na realidade o que o selo é quando afetada por ele sem receber sua matéria, mas apenas sua forma. Assim também o sentido quando afetado pelos perceptíveis fica marcado por suas formas de forma incorpórea (asomatos). Mas há uma diferença porque a própria cera passa a ser matéria para a forma no selo, enquanto o sentido não passa a ser matéria para o perceptível, mas se marca cognitivamente por sua forma. E o sentido tem ainda outra diferença da cera. Pois ainda que a cera venha a ser matéria para a forma no anel, ela não recebe a forma em si mesma, mas apenas na superfície. A capacidade perceptiva, no entanto, é marcada pelas formas do perceptível através de si mesma em uma forma viva (zotikos). [Filopono em De Anima 309,15-29]
O sentido não é afetado pela combinação de matéria e forma, mas apenas pela forma (eidos), como a cera é afetada pelo selo. Tampouco é afetado como uma combinação, pois o órgão não se torna colorido ou odorífero, mas é afetado apenas em relação à sua forma, quero dizer, a própria capacidade perceptiva. O corpo sofre o efeito do calor, e o tato sofre, mas não o mesmo efeito. O sentido é afetado cognitivamente (gnostikos), e somente pela forma da coisa quente, enquanto o órgão, a carne, como matéria, é afetado como uma combinação, tornando-se sujeito ao calor inerente, e sendo afetado como um todo pelo agente de aquecimento como um todo. [Filopono em De Anima 438,6-15]
Simplicius
Mas depois, sendo ativo (energein), o que percebe paraliza-se à forma do objeto sensível, não como sendo afetado – pois não se torna branco ou quente – mas em atividade, não agindo (poiein), como fazem as causas eficientes. Em vez disto, [está] em julgamento e cognição (kritikos kai gnostikos). [Simplicius em De Anima 125,21-3]
Pois a coisa composta também é ativa de acordo com sua forma, e o sentido recebe a atividade formal, não sendo determinado, por exemplo, embranquecer ou soar ou ser adoçado ou ser aquecido, nem ser assim afetado, mas como ser cognitivamente (gnostikos) ativo em relação ao objeto branco ou ao som ou a qualquer um dos outros, e diz-se afetado porque é ele mesmo despertado, quando o órgão dos sentidos recebe a atividade de fora. Pois mesmo que o corpo esquente, a recepção da forma não consiste em tornar-se quente, mas em atividade cognitiva segundo a forma do calor, pois, ao ser aquecido, o órgão torna-se algo sensível, mas não sensível. De modo que, ainda que o sentido da visão seja segregado por um objeto branco, não é por ser tão afetado que faz seu julgamento, mas por sua atividade segundo a forma da brancura. [Simplicius em De Anima 167,1-11]
Agora devemos dizer algo sobre como ‘o órgão dos sentidos se torna receptivo do objeto dos sentidos sem sua matéria’. Ele recebe não a coisa branca, mas a atividade do branco. [Simplicius em De Anima 190,7-8]