GMarcel1940
Observemos desde já que é nas situações-limite — diante, por exemplo, da morte, do sofrimento, do pecado — que veremos operar-se a misteriosa passagem da existência ao transcendente. E transcrevo aqui, antecipadamente, por serem essenciais para a compreensão do que há de mais vigoroso no pensamento de Jaspers e também da estreita relação que o une a Heidegger, estas poucas linhas que definem o que se deve entender por situações-limite (II, p. 203):
“Situações como a de estar sempre envolvido em situações, a de não poder viver sem luta e sem sofrimento, a de assumir inevitavelmente a Culpa, a de ter que morrer — eis o que chamo de situações-limite. Elas não se transformam, apenas variam em sua manifestação; em relação à nossa condição (Dasein), são definitivas. Não podemos ver além delas; em nossa condição, nada enxergamos por trás. São como um muro contra o qual esbarramos, no qual tropeçamos. Não está em nosso poder modificá-las, apenas iluminá-las, sem explicá-las ou deduzi-las a partir de algo exterior. Estão ligadas à nossa própria condição.”
Essa ênfase no papel das situações-limite me parece pessoalmente um dos pontos mais marcantes da filosofia de Heidegger e Jaspers, em contraste com um idealismo que se esforça por eliminá-las, envolvendo-as numa espécie de xarope de abstrações puras. O preço desse adoçamento é a perda radical do contato com a vida, com a realidade trágica do homem — a flagrante incapacidade, não digo de oferecer respostas aos problemas concretos que nos impõe uma existência cuja essência é ser, no sentido próprio, dramática, mas até mesmo de compreendê-los e proporcionar àqueles que vivem tais problemas o reconforto, ainda que mínimo, de uma solidariedade compreensiva.