Simone Weil: obrigação, direito e dever

Leonor Loureiro

A noção de obrigação ultrapassa a noção de direito, que lhe é subordinada e relativa. Um direito não é eficaz por si próprio, mas somente pela obrigação à qual corresponde; a realização efetiva de um direito provém não daquele que o possui, mas dos outros homens que se reconhecem obrigados a alguma coisa para com ele. A obrigação é eficaz desde que seja reconhecida. Uma obrigação não reconhecida por ninguém não perde nada da plenitude de seu ser. Um direito que não é reconhecido por ninguém não é grande coisa.

Não tem sentido dizer que os homens têm, por um lado, direitos, e por outro lado deveres. Essas palavras não exprimem senão diferenças de ponto de vista. Sua relação é a do objeto e do sujeito. Um homem, considerado em si mesmo, tem somente deveres, entre os quais se encontram certos deveres para consigo próprio. Os outros, considerados de seu ponto de vista, têm somente direitos. Ele tem direitos, por sua vez, quando é considerado do ponto de vista dos outros, que reconhecem ter obrigações para com ele. Um homem que estivesse sozinho no universo não teria nenhum direito, mas teria obrigações.

A noção de direito, sendo de ordem objetiva, não é separável das noções de existência e de realidade. Ela aparece quando a obrigação desce à área dos fatos; por conseguinte, ela encerra sempre, numa certa medida a consideração dos estados de fato e das situações particulares. Os direitos aparecem sempre como vinculados a certas condições. Só a obrigação pode ser incondicionada. Ela se coloca numa área que está acima de todas as condições, porque está acima deste mundo.

Os homens de 1789 não reconheciam a realidade de tal área. Não reconheciam senão a realidade das coisas humanas. É por isso que começaram pela noção de direito. Mas, ao mesmo tempo, quiseram estabelecer princípios absolutos. Esta contradição os fez cair numa confusão de linguagem e de ideias que contribuiu bastante para a confusão política e social atual. A área do que é eterno, universal, incondicionado, é diferente daquela das condições de fato, e aí residem noções diferentes que estão vinculadas à parte mais secreta da alma humana.

A obrigação não vincula senão os seres humanos. Não há obrigações para as coletividades como tais. Mas há obrigações para todos os seres humanos que compõem, servem, comandam ou representam uma coletividade, tanto na parte de sua vida ligada à coletividade como naquela que é independente dela.

Obrigações idênticas vinculam todos os seres humanos, embora elas correspondam a atos diferentes segundo as situações. Nenhum ser humano, qualquer que seja, em nenhuma circunstância, se pode livrar disso sem crime; exceto nos casos em que, sendo duas obrigações de fato incompatíveis, um homem é obrigado a abandonar uma delas.

A imperfeição de uma ordem social se mede pela quantidade de situações desse gênero que encerra.

Mas mesmo nesse caso há crime, se a obrigação abandonada for não somente abandonada de fato, mas ainda por cima negada.

O objeto da obrigação, na área das coisas humanas, é sempre o ser humano como tal. Há obrigação para com todo ser humano, pelo simples fato de ele ser um ser humano, sem que nenhuma outra condição precise intervir, mesmo que ele não reconhecesse nenhuma.

Esta obrigação não repousa sobre nenhuma situação de fato, nem sobre jurisprudências, nem sobre os costumes, nem sobre a estrutura social, nem sobre as relações de força, nem sobre a herança do passado, nem sobre a suposta orientação da história. Pois nenhuma situação de fato pode suscitar uma obrigação.

Esta obrigação não repousa sobre nenhuma convenção. Pois todas as convenções são modificáveis segundo a vontade dos contratantes, enquanto nela, nenhuma mudança na vontade dos homens pode modificar o que quer que seja.

Esta obrigação é eterna. Ela corresponde ao destino eterno do ser humano. Só o ser humano tem um destino eterno. As coletividades humanas não o têm. Então, não há, para com elas, obrigações diretas que sejam eternas. Só é eterno o dever para com o ser humano como tal.

Esta obrigação é incondicionada. Se está fundada sobre alguma coisa, essa alguma coisa não pertence ao nosso mundo. No nosso mundo, ela não está fundada sobre nada. É a única obrigação relativa às coisas humanas que não está submetida a nenhuma condição.

Esta obrigação tem não um fundamento, e sim, uma verificação no acordo da consciência universal. Ela é expressa por alguns dos textos escritos mais antigos que nos foram conservados. É reconhecida por todos, em todos os casos particulares em que não é combatida pelos interesses ou paixões. É relativamente a ela que se mede o progresso.

O reconhecimento desta obrigação é expresso de uma maneira confusa e imperfeita, mas mais ou menos imperfeita segundo os casos, pelo que se denomina direitos positivos. Na medida em que os direitos positivos estão em contradição com ela, nesta exata medida, eles são atingidos pela ilegitimidade.

Embora esta obrigação eterna corresponda ao destino eterno do ser humano, ela não tem esse destino por objeto direto. O destino eterno de um ser humano não pode ser objeto de nenhuma obrigação, porque ele não está subordinado a ações exteriores.

O fato de que um ser humano possua um destino eterno não impõe senão uma obrigação; é o respeito. A obrigação não é cumprida senão quando o respeito é efetivamente expresso, de uma maneira real e não fictícia; ele não pode sê-lo senão mediante as necessidades terrestres do homem.

Original