Schelling (HMP:47-48) – “há pensamento” e não “eu penso”

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Mas podemos voltar ainda mais e até colocar em dúvida o “eu penso” – pelo menos no sentido que ele indubitavelmente tem para Descartes. A afirmaçãoeu penso” tem, a saber, duas fundações: (1) aquilo que pensa em mim, ou seja, por exemplo, agora exatamente duvidando; (2) aquilo que está refletindo sobre esse pensamento ou duvidando; somente quando o último reconhece o primeiro como idêntico a si mesmo digo: “eu penso”. O “eu penso” é, portanto, na verdade, de modo algum algo imediato, apenas emerge através da reflexão que se dirige ao pensamento em mim; esse pensamento, a propósito, também continua independentemente do pensamento que reflete sobre ele, da maneira que, mesmo como uma regra, penso sem dizer para mim mesmo que estou pensando, sem mais uma vez pensar esse pensamento ele mesmo. De fato, o pensamento verdadeiro deve mesmo ser objetivamente independente daquele sujeito que reflete sobre ele; em outras palavras, pensará ainda mais verdadeiramente, a menos que o sujeito interfira nele. Portanto, porque aquilo que está pensando e aquilo que reflete sobre este pensamento e o coloca como um com ele mesmo são duas coisas diferentes, ou porque existe um pensamento objetivo que é independente de mim, segue-se que aquilo que reflete pode enganar-se sobre esta suposta unidade ou, por atribuir o pensamento original a ele mesmo, pode ser precisamente esta atribuição sobre a qual é enganado, e o “eu penso” não pode ter maior significância do que expressões que eu também uso, como “eu digiro”, “eu faço sucos”, “eu ando” ou “eu cavalgo”; pois não é realmente o ente pensante que anda ou cavalga. Ele pensa em mim, o pensamento continua em mim, é o fato puro, da mesma maneira que posso dizer com a mesma justificativa “sonhei” e “sonhou em mim”. A certeza que Descartes atribui à cogito ergo sum não pode ser sustentada nem pelo pensamento; se existe uma certeza, é cega e desprovida de pensamento. A esta certeza, Descartes anexa tudo o mais. Seu princípio é: tudo o que é tão clara e distintamente reconhecido como o “eu sou” também deve ser verdadeiro. Mas, expresso de maneira mais exata, isso só pode significar o mesmo: tudo o que está conectado àquela certeza empírica cega que eu tenho do meu próprio ser, ou que está implicitamente postulado com o “eu sou” ou pode ser provado pertencer ao completude dessa ideia (Vorstellung), devo assumir tão verdadeiro quanto o próprioeu sou” ele mesmo (não vai além); não se segue, a saber, que também seja assim objetiva e independentemente de mim. A verdade do “eu sou” também pode ser sustentada se eu for obrigado a imaginar todas essas outras coisas, por exemplo, meu corpo e as coisas que aparentemente o influenciam. Uma vez que quero anexar tudo ao “eu sou”, devo desistir de ir além desta necessidade da ideia de tudo o mais; também, se eu sou o foco de todo o conhecimento para mim, ser completamente indiferente para mim, se aquilo que sou obrigado a imaginar existe independentemente de imaginá-lo ou não, já que, para usar o próprio exemplo de Descartes, é completamente indiferente a isto o sonhador enquanto estiver sonhando.

Andrew Bowie