Santos Tema Analogia

ANÁLISE DO TEMA DA ANALOGIA
Os que defendem a analogia no ser alegam a seu favor que o ser finito é tão dissemelhante do infinito, que entre o ser do homem e o de Deus, há apenas uma analogia de proporção.

Não é de admirar que se afirme haver uma incomensurabilidade entre nós e Deus, pois há incomensurabilidade até entre o que se dá aqui, como entre o diâmetro e a circunferência, e nas proporções dos números de ouro dos pitagóricos.

O infinito não tem medida; o infinito é medida qualitativa do finito.

Essas medidas não são unívocas, mas análogas (de participação), afirmam os que defendem a analogia do ser.

Na analogia, há a participação do analogado ao analogante, e tal participação indicia a identificação mais remota ou próxima, segundo o nosso esquema.

Na ordem noética, a participação chama-se analogia; na ordem ontológica, a analogia chama-se participação.

Os esquemas noéticos, que, por abstração, construímos, participam dos esquemas concretos dos fatos, que os captamos apenas como quididades noéticas, reduzidas a esquemas eidético-noéticos. Nesta maçã, por sua vez, o seu esquema concreto participa do esquema essencial da maçã, pois ela não esgota as possibilidades desta, mas apenas um setor dessas possibilidades, da mesma forma que esses três livros não esgotam, enquanto três, no esquema concreto de três, aqui e agora, hic et nuns, as possibilidades concretas do esquema essencial três, que é um pensamento do ser, e que pode, concretamente, surgir em três cadeiras, três mesas, etc. Portanto, o esquema essencial (o arithmós, no sentido pitagórico, já por nós estudado em “Teoria do Conhecimento”) é do ser, subsistente no ser, é um poder do ser, cuja existencíalização (para empregarmos uma expressão bem aviceniana) se faz por participação. Esses livros são três, o três há neles, concretamente, não está neles, por que o arithmós três, neles concrecionado, é participante de três como arithmós essencial (esquema essencial).

Portanto, há nesses três livros uma analogia com três, e uma analogia com três mesas, cadeiras. E são eles análogos porque participam do mesmo esquema essencial; por isso, na ordem ontológica, a analogia chama-se participação.

Ora, todo o ente finito participa do Ser, esse parte caperem, de São Tomás, pois o Ser supremo inclui todas as perfeições em sua mais elevada e acabada realização ou seja, segundo suas completas, possibilidades, pois tudo quanto há, há no Ser, nele acontece, nele se dá, e como nada se dá fora dele, ele contém todas as perfeições, de que uma perfeição parcial, este ente finito, hic et nunc, é apenas participante. Por isso, entre o ser finito, ou melhor entre o ser criado e o Ser supremo, criador, há apenas uma analogia de proporção.

Cada ente reflete parte dessa perfeição, na sua perfeição, no seu ato, pois, como sabemos, na escolástica, o ato é a perfeição da potência, o que é ato é a atualização de uma aptidão, que enquanto tal é imperfeita.

Agora, se considerarmos o conteúdo conceitual, veremos que há nele uma analogia, quando aplicado a vários entes. Se considero a cadeira ummóvel composto de assento, encosto e pernas, com a função de permitir que uma pessoa nela se assente” entre esta cadeira e aquela, o conceito, que nelas é comum, porque nelas considera apenas aquelas notas que têm em comum, é unívoco. Ou em outras palavras, há univocidade conceitua) entre essas duas cadeiras. Nelas, estou desprezando tudo o mais que as pode diferenciar, como o ser esta de madeira, aquela de metal, etc. Há, deste modo, uma certa identidade entre esses objetos, identidade parcial, pois desconsidero o que nelas é heterogêneo.

Mas o conceito de ser apresenta uma particularidade que o diferencia dos outros. Tudo quanto é heterogêneo é ainda ser, e não apenas o que há de homogêneo, o que não se verificava no exemplo anterior. Não há, aí, portanto, identidade no que expressa, porque se considerarmos que ser apenas expressa uma parte dos objetos (isto é, se admitimos que o conceito de ser tem uma representação parcial) as notas heterogêneas seriam extrínsecas ao ser, e neste caso seriam idênticas ao não-ser, o que nos colocaria num verdadeiro contra-senso.

Portanto, concluem os tomistas, o conceito de ser é apenas proporcional entre os seres, não é unívoco, mas apenas análogo.

Mostram-nos os tomistas que todo conceito unívoco pode ser expresso por um termo abstrato e por um termo concreto. O termo abstrato expressa uma abstração “formal”, por ex. dureza. Expressam eles certa forma ou qualidade, isolada do seu sujeito, (exprimit subiectum sed non totum). Quando digo que esta casa é verde, considero-a dotada da côr verde. Indica o sujeito integralmente (a casa), mas qualifica-o por uma de suas determinações (exprimit subiectum totum, sed non totaliter = expressa todo o objeto, não porém totalmente). É o termo concreto. O termo concreto expressa o próprio sujeito afetado de uma determinação particular. É o resultado de uma abstração “total”, isto é, efectuada sobre o todo. Quando digo “negro” refiro-me a um certo sujeito dotado da “negrura”.

Posso predicar o termo concreto do sujeito, mas o termo abstrato não pode ser predicado do sujeito. Posso dizer que este homem é negro, não posso dizer porém que ele é negrura, pois não posso considerar a parte como idêntica ao todo.

O termo ser empregado expressa sempre o sujeito totalmente e sob todos os aspectos e relações (exprimit subiectutotum et totaliter = expressa todo e totalmente o sujeito). O ser, por abstrato que se queira tornar, não exclui, não separa, não isola um aspecto parcial do sujeito; desta forma, no ser, a abstração total e a abstração formal se equivalem. Se digo que este livro existe ou que este livro é sua existência, é indiferente, porque existe e existência são equivalentes.

Fazem deste modo os tomistas questão de salientar que o ser não é nunca um aspecto, um elemento, uma determinação dissassociável, mesmo quando considerado lògicamente, dos outros, pois quaisquer das outras determinações são intrínsecas e formalmente o ser.

Esse o aspecto misterioso do real, unidade na diversidade e—diversidade na unidade. Quando conceptualizamos a idéia de. ser, temos uma idéia, mas confusa (de con f undere, de fundir com, misturada), por isso analógica do ser, que na sua essência nos escapa, isto é, temos um saber quiditativo do ser não quidditative, isto é, exaustivo até à sua essência, o que fronèticamente se o tivéssemos, por fusão com ele, nos poria em estado de beatitude, o que, pelos tomistas, nos é negado nesta vida.” (“Ontologia e Cosmologia” págs. 75/85).

Um mais aprofundado estudo da gnoseologia e da noologia, do funcionar do nosso conhecimento e da mente humana, mostra-nos que há validez nos esquemas noéticos que construímos, pois, desde que sejam rigorosamente estruturados, correspondem a fundamentos reais.

Se prestar-se boa atenção à conceituação lógica, já escorreita da capa experimental, purificando-a do que é da nossa pragmática, para considerar o conceito na sua estrutura eidético-noética, formal portanto, vê-se que os conceitos se entrosam em nexos rigorosos que não permitem entre eles, enquanto tais, outra distinção que a meramente realformal, e não real-física. O mesmo nexo unitivo que ontològicamente sentimos dar-se no ser que, em sua essência, é um, e não múltiplo, revela-se aqui, analogando as formalidades umas às outras, como os seres se analogam existencialmente uns aos outros.

Entre aquela estrêla e nós, há alguma coisa em comum, sentia-o Goethe, porque, do contrário, como poderia conhecê-la eu de qualquer modo? Entre os seres há sempre uma relação de semelhança e de diferença, porque do contrário teríamos de aceitar um abismo entre os seres, o que nos colocaria, de chofre, nas aporias do pluralismo.

O diferente absoluto, que estabelecemos no estudo da analogia, refere-se à haecceitas, ao arithmós individual na linguagem pitagórica, à unicidade da singularidade que, como tal, não se confunde com outra, pois é apenas ela mesma, numericamente distinta, como também o é ônticamente distincta. Mas esse absoluto não é algo que se separe fisicamente do ser, pois o que individualiza, singulariza, e dá unicidade ao ente não é um ser fora do ser, mas no ser. É apenas o arithmós, o conjunto, o arithmós plethos de uma unidade, que é o arithmós tonos, o arithmós tensão, que o distingue de tudo o mais. O que um homem, como existente, é, em sua unicidade, é o arithmós que é, que é só ele (singularidade), que constitui a sua forma individual. Mas a componência desse ser é do ser.

Assim como a matemática nos mostra que é possível combinações potencialmente infinitas, o arithmós individual é próprio de cada um, sem necessidade de afirmar uma identidade com outro quanto ao conjunto (plethos) de uma unidade, que se identifica no ser por ser apenas ser. Conseqüentemente, entre todas as coisas há uma analogia mais próxima ou mais remota, pois o indivíduo quando se unívoca na espécie e esta no gênero, conserva a sua diferença individual ou especifica. (NA: A univocidade, aqui, é a chamada universal por Suarei, pois prescindiu perfeitamente das diferenças específicas ou individuais, para considerar apenas a universalidade.)

A participação por hierarquia formal nos permite compreender desse modo a via symbolica, o itinerarium mysticum que podemos seguir, pois partindo das quididades que compõem o arithmós plethos de um ser (a aqui um arithmós tomado no conjunto das quididades), podemos ver que o ente, por sua participação na perfeição, é um apontar daquela perfeição e conseqüentemente do ser que a tem mais intensa ou em plenitude.

Bem compreendido esse aspecto simbólico de todos os entes, vê-se que o símbolo é uma categoria, pois tem todos os atributos imprescindíveis para ser classificado como tal.

A informabilidade e a deformalidade são temas cujo exame se impõe. Um ser este ou aquele, ser finito em ato, é sempre híbrido de atualidade e virtualidade e, ainda mais, de possibilidade e de deficiência, de privação.

Desde que um ser surge, como atualidade, isto é, fora de suas causas, como existente, é ele um composto de ato e potência. Revela ele informabilidade, ou seja aptidão à determinabilidade, que consiste em poder receber outras formas. Mas apresenta ainda mais: aptidão à deformabilidade, isto é, a aptidão a sofrer modificações acidentais, alterar-se, por exemplo, até corromper-se, dando-se aqui a perda de sua forma, a sua transformação. Mas a informabilidade de um ser é relativa, como o é a sua deformabilidade, pois, um ser, enquanto é isto ou aquilo, permite apenas isso ou aquilo; é passível de sofrer tais ou quais modificações. E tal decorre de ser todo ser finito deficiente, privado de alguma perfeição e como tal não é passível, dentro da sua natureza, de sofrer senão informações proporcionais à sua natureza.

Os seres estão assim inclusos numa hierarquia formal que os delimita conseqüentemente, delimitação proporcional ao seu ser, quer como agente, pois a ação decorre do agente, quer como paciente, pois a paixão é proporcional ao ser do paciente.

Há desse modo, na ordem do ser, uma hierarquia que não permite abismos inflanqueáveis, desde o ser de máxima perfeição, o ser infinito, até o ser de mínima perfeição, que seria aquele que apresentasse a mínima perfeição de ser, que consiste no apenas distinguir-se do nada, a entitas menor, a entidade mínima de ser, que ainda revelaria a perfeição de ser e a perfeição de ter um arithmós, como seria, a modal, que é a última atualidade da forma, como bem nos mostrou Suarez.

Já tangemos aqui um campo que ultrapassa os limites da matéria que ora abordamos, e invade o terreno que pertence à teologia, como seja o da hierarquia dos seres, tratado em livros especiais.

Queremos apenas salientar a presença de um fundamento, uma positividade, no pensamento emanatista, o que não foi devidamente compreendido por muitos.

A modal, como ser de mais ínfima perfeição, é a última emanação do ser, mas não exclui as outras perfeições do ser, e é essa a razão porque a concepção emanatista, se rectamente compreendida, não encerra o absurdo que se empresta à maneira caricatural de compreendê-la, como se vê nas críticas que se fazem ao pensamento de Plotino, dos neo-platônicos, dos neo-pitagóricos e dos gnósticos.

A emanação não implica uma perda do poder supremo do ser, mas, ao contrário, uma prova da sua soberana pujança. Porque o ser de mínima perfeição não exclui os de perfeição mais alta, mas revela a grande ordem hieràrquica que há no universo, revelação, por sua vez, de um poder que é o máximo poder.

Tomás de Aquino, com aquela agudeza profunda de espírito que bem lhe granjeou o título de divino, compreendia o verdadeiro sentido do emanatismo, pois nunca, se negou a usar esse termo, dando-lhe sempre o verdadeiro conteúdo, como se depreende da leitura da “Summa Theologica”, que, na verdade, é o pensamento quando rectamente compreendido pelos emanatistas. Referimo-nos aos que se colocam com segurança no campo dessas idéias, pondo de lado, como é natural, os que, por deficiência, nunca alcançaram o seu verdadeiro sentido, como se dá com emanatistas menores. Os êrros que possam afirmar não invalidam os fundamentos da concepção emanatista, mas apenas revelam que nem sempre os discípulos estão à altura dos mestres, nem apanham o seu pensamento em toda extensão e profundidade. (NA: O pensamento de Tomás de Aquino sobre o emanatismo é por nós estudado em nossos livros de “Teologia”, quando teremos ocasião de compará-lo ao pensamento pitagórico e às correntes neo-platônicas.)

Nota final: A grande polêmica sobre a univocidade e a analogia, entre tomistas, escotistas e suarezistas, e a atualidade que tem ante a filosofia são temas abordados em “Filosofia Concreta”.

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