TEMA I
ARTIGO 2 – QUE É SIMBOLO?
Na antiga Grécia, quando um senhor recebia a visita de um hóspede, como sinal de afeição, costumava dar-lhe um objeto que servisse de sinal de reconhecimento. Era comum, entre os amigos, partirem uma moeda pelo meio, cabendo uma parte a cada um, que servia como um sinal de amizade.
Costumava-se também usar desse meio para reconhecer pessoas, depois de uma longa separação. Usavam sinais os pais, quando tinham de separar-se de seus filhos por longo tempo.
A tais meios, que serviam de sinais, davam os gregos o nome genérico de symbolon. Todo o sinal convencionado tomava o nome genérico de símbolo, como também as insígnias dos deuses, os emblemas, os presságios, augúrios e, inclusive, as convenções internacionais e comerciais que se faziam na época.
A palavra símbolo, symbolon, neutro, vem de symbolê, que significa aproximação, ajustamento, encaixamento, cuja origem etimológica é indicada pelo prefixo syn, com, e bolê, donde vem o nosso termo bola, roda, círculo. Referia-se, deste modo, à moeda usada como sinal.
Desde logo se vê que os gregos usavam o termo símbolo num sentido amplíssimo, abrangendo todo o campo do que chamamos propriamente de sinal, isto é, o que aponta, convencionalmente ou não, a um outro, que é referido por aquele. Podemos, no entanto, captar uma formalidade que pertence univocamente a todos os símbolos e sinais: a referência a um outro, em suma, o apresentar-se em lugar de outro.
Podemos partir deste enunciado simples, ainda insuficiente, que símbolo é alguma coisa que está em lugar de… A palavra, em sua origem grega, também significa substituição, e o símbolo é algo que substitui. Todo símbolo, portanto, revela uma referência a um outro.
Mostremos, primeiramente, o que símbolo não é, para vermos o que é. Não se deve confundir símbolo com divisa – esta é uma figura que indica uma intenção, distintivo de alguns brasões, armas, ideal de um partido, etc.; nem com empresa – que era o sinal que os cavaleiros usavam, pintados em seus escudos, com um relato do passado; nem com tensão – que é um sinal alusivo ao pensamento do que se pretende fazer, como também os usavam os cavaleiros; nem com mostra – que é apenas a manifestação de uma parte de uma coisa e não da sua totalidade; nem com indício – que é apenas algo que aponta, leva ao conhecimento, como as nuvens que indicam chuva, etc.
Sinal é tudo o que nos aponta outra coisa com a qual tem relação natural ou convencional.
Ora, se o símbolo está em lugar de…, o símbolo é um sinal.
Podemos, por ora, dizer que sinal é o gênero, e símbolo é a espécie. Deste modo se todo símbolo é sinal, nem todo sinal é símbolo.
O sinal pode ser apenas convencional, arbitrário. O símbolo, não. Este deve repetir, analogicamente, algo do simbolizado. Portanto, o símbolo é um sinal com a repetição de alguma nota do simbolizado.
Como a analogia pode ser de atribuição intrínseca ou de atribuição extrínseca, temos, no segundo caso, a metáfora, e, no primeiro, o símbolo.
O sinal é o meio pelo qual algo representa ou aponta outro diferente dele. Daí decorre que o sinal é sempre distinto de a coisa significada, e que depende daquela que passa a ser principal.
O sinal é natural, quando representa algo naturalmente; ou arbitrário, quando é instituído pelo arbítrio humano. O gemido, por ex., é sinal natural da dor; o ramo de videira à porta da taberna, que indica que ai se vende vinho, é arbitrário.
Os escolásticos, ao estudar o sinal natural, classificam-no como imagem quando representa a razão de conveniência ou de similitude, ou então não é uma imagem, quando no caso inverso.
O sinal, que é imagem, é dividido em sinal instrumental, que é aquele que, por prévia notícia de si mesmo, representa outro que ele, e o sinal formal (conceito) é aquele que, sem prévia notícia de si mesmo, representa outro que ele.
Assim a estátua é a imagem, que é sinal instrumental. O sinal, que não é imagem, ou é sinal natural, ou é arbitrário. Assim o gemido é sinal instrumental natural da dor; a fumaça é sinal instrumental natural do fogo; e o ramo de vinha, apenso à porta da taverna, é sinal instrumental arbitrário.
Entre o sinal e o assinalado pode não haver participação de uma perfeição. Mas entre símbolo e simbolizado essa participação é imprescindível, pois é a participação que dá a diferença especifica do símbolo, que pertence ao gênero sinal. É o que estudaremos no corpo desta obra.
Sobre o símbolo pode estabelecer-se uma série de características, que passaremos a analisar e justificar. Vamos sintetizá-las.
a) Poli-significabilidade – A poli-significabilidade dos símbolos consiste na sua aptidão a se referirem a mais de um simbolizado. Um símbolo pode ser deste ou daquele referido. A cruz, por ex., é símbolo das quatro estações do ano, dos quatro pontos cardiais, das quatro idades do homem, também do homem, de Cristo, da morte, etc. Vemos vários simbolizados significados por um mesmo símbolo.
Por sua vez, o simbolizado revela, quanto ao símbolo
b) Poli-simbolizabilidade – Um simbolizado pode ser referido por vários símbolos. A solidão, como simbolizado, pode ser significada por um rochedo isolado em alto mar, um pequeno barco na imensidade de um lago, uma águia no topo de uma montanha, uma árvore numa planície vazia.
Apresenta ainda o símbolo
e) gradatividade – O símbolo tem uma escalaridade de significabilidade a um simbolizado, pois ele pode ser melhor símbolo deste simbolizado do que daquele;
d) fusionabilidade – capacidade do símbolo fundir-se com o simbolizado ante a apreciação simbólica, como sucede frequentemente na parte exotérica das religiões, em que os símbolos terminam por ser os próprios simbolizados;
e) singularidade – característica rara de alguns símbolos que conseguem alcançar uma significabilidade única, de um único simbolizado, como o Ser Supremo, como símbolo de Deus. Nestes casos dá-se até fusionabilidade;
f) substituibilidade – os símbolos que se referem também a um mesmo simbolizado, entre muitos outros diversos a que se podem referir, permitem a sua mútua substituição;
g) universalidade – todas as coisas são símbolos da ordem a que pertecem. Todos os fatos são símbolos do conceito, que é um esquema abstrato. Dessa forma o símbolo é universal.
Já os sinais matemáticos ou logísticos são apenas sinais que se referem também a esquemas abstratos, aos quais se referem.
Pode-se afirmar que os esquemas abstratos têm sua existencialidade indireta nos símbolos. Os sinais matemáticos, os conceitos, atualizam-se nos fatos correspondentes. Não se conclua, ante tais afirmativas, que o símbolo, por isso, tenha maior valor que o simbolizado quanto à existencialidade, pois oportunamente limitaremos seu alcance. O símbolo não esgota a existencialidade do simbolizado. Apenas se refere a ele.
No caso do conceito, a existencialidade deste é em outro, em nós. O esquema abstrato, que é o conceito, é apenas uma captação do esquema concreto da coisa, no que ela tem de comum com outras. Negar a autonomia existencial do conceito não é ainda negar a existencialidade do esquema concreto do fato, do qual ele é apenas um esquema de esquema, um esquema abstrato.
O não ter compreendido bem claramente este ponto é que levou muitos filósofos a situações insustentáveis na filosofia.
h) Função simbólica – É preciso distinguir claramente a função simbólica do símbolo, da função meramente signalativa do sinal. Esta é apenas indicativa, esta aponta. O símbolo tem uma função analógica, explicadora portanto.
O símbolo oferece uma via explicativa, como ainda veremos.
O símbolo é assim dual. Nele há:
1) uma analogia de atribuição intrínseca, que revela, afinal, um ponto de identificação com o simbolizado e
2) uma parte ficcional quanto ao simbolizado.
Passemos agora à parte analítica do estudo do símbolo. (NA: Em nossos trabalhos de temática e de problemática, teremos oportunidade de nos referir à tese de Ockam, que considera os conceitos como símbolos, e não como simbolizados. Sem discutir ainda as razões de Ockam, queremos, por ora, chamar a atenção que o conceito, como simbolizado, o é quanto ao homem (na ordem gnoseológica portanto) e não quanto à ordem ôntica e a ontológica dos seres pois, neste caso, as coisas, como esquemas concretos, são símbolo dos esquemas como modos quo, como essência, como fator de universidade, que correspondem às formas ou ideias exemplares da ordem teológica, como veremos nas obras de Teologia e de Problemática.