Santos Consciente Inconsciente

TEMA IV
ARTIGO 1 – O CONSCIENTE E O INCONSCIENTE NA SIMBÓLICA

Na “Psicologia” vimos que a consciência e a inconsciência não podem ser substancializadas, como o fêz certa psicologia substancialista, quando iniciou estudos em profundidade da alma humana, dando certa topicidade a tais polarizações dinâmicas do processo tensional psíquico. O consciente e o inconsciente são graus da tensão psíquica, e não regiões subsistentes de per si do nosso espírito, como revela aceitar certa tendência observável na obra dos psicanalistas.

Desde as raizes de nosso psiquismo, do sensório-motriz até alcançar as formas mais elevadas das operações judicatórias da intelectualidade e as frôneses mais amplas da afectividade, verifica-se uma gama de intensidade da tensão psíquica, que nos permite a captação (naturalmente por oposição, como já vimos em todo funcionar do conhecimento) do funcionar do nosso espírito, que oferece a variância de graus de “consciência-inconsciência”, conceitos dialéticos e inseparáveis, pois não há nunca uma consciência totalmente vigilante. A inconsciência expressa-se, de qualquer forma, através de uma simbólica que constitui grande tema de estudo para a Psicologia. (NA: Na Noologia, ante a problemática que surge, impõe-se a distinção entre alma e consciência, bem como estudo do complexo noológico do ato consciencial, o que por ora é impossível tratar.)

A consciência é proporcional às resistências que encontra, como vimos, e seus graus dependem muito das resistências opostas. A consciência é mais um resultado, e não uma substância. A relação entre as inibições, que resistem, e os impulsos que insistem, dão-nos a gama das várias tomadas de consciência.

um símbolo inconsciente? Na verdade, o que a psicologia em profundidade nos revela é que há uma linguagem simbólica do inconsciente.

O símbolo resulta da fraca acomodação que oferecem os esquemas componentes da esquemática intelectual e páthica do ser humano, resultando, conseqüentemente, uma assimilação desproporcional. O para que o nosso corpo tende (impulsos inconscientes) é captado pelos esquemas noético-abstratos, proporcionalmente a esta esquemática. Conseqüentemente sua assimilação, que é proporcional aos esquemas noéticos, pode ser desproporcional aos impulsos instintivos.

Quando há proporcionalidade há apenas consciência de um impulso, de um tender instintivo. Quando há desproporcionalidade, e a assimilação é desmensurada, surge o símbolo. O mecanismo do eu, estudado pelos psicólogos em profundidade, revela-se aqui em plena clareza. O que a nossa esquemática histórico-social repele, condena, está estruturado em esquemas noético-abstratos, intelectuais e páthicos. O impulso, em suas origens biológicas, é assimilado na proporção da acomodação daqueles esquemas. Se há proporcionalidade entre eles, a adaptação se processa normal, e há plena inteligência do impulso. Mas se há desproporção, o resultado é uma assimilação desmensurada, cujo resultado é o símbolo. Ante o que chamam de ego e o superego, com sua esquemática, a assimilação será proporcional à mesma.

Vê-se, deste modo, que a concepção esquemático-tensional por nós proposta permite melhor compreensão da linguagem simbólica do inconsciente. E não se atém apenas ao símbolo, mas também a toda semeiótica psíquica, porque esta será sempre proporcional à esquemática do espírito humano em seus momentos históricos, no seu variante, embora os fatores sejam formalmente invariantes. Eis por que o símbolo é também uma linguagem do inconsciente ao consciente.

Nos símbolos anatômicos, encontramos alguns deles independentes do recalque, mas a esquemática de origem histórico-social actua como resistência, mobiliza inibições. Ela atua, neste caso, como fator predisponente, pois as inibições surgem e dependem da emergência, por isso revelam graus. Mas o vector que tomam, resistindo à insistência dos impulsos, é dada pela ação predisponente do histórico-social.

Ante uma acomodação mínima, nossa vida se torna inconsciente, como sucede no sono profundo, embora tal inconsciência nunca seja total, como não o poderia ser. Há ausência das representações das imagens ópticas ou afectivas vividas nesse instante de sono profundo, não porém uma total inconsciência que só a morte nos poderia dar. Se a consciência é tão profundamente ligada, ou para falar ontològicamente melhor, é apenas uma distinção da tensão psíquica, só com o desaparecimento desta haveria total inconsciência. Portanto, nossa vida inconsciente total negaria a tensão psíquica e conseqüentemente afirmaria, que esta se tornaria exclusivamente extensista, sem qualquer intensidade, quando é nos graus desta que temos os graus da consciência. Ora, é impossível, já vimos, nos seres corpóreos, uma intensidade pura, estanque de uma extensidade, como uma extensidade pura, estanque de uma intensidade.

Conseqüentemente há sempre gráus de consciência-inconsciência, em que esses termos conhecem escalaridades, que é toda a gama do nosso funcionar psíquico, em que nenhum dos termos alcançam a zero.

Durante o sonho, quando a acomodação é mínima, e a assimilação, conseqüentemente é máxima, a simbolização é complexa, e nela pouco penetra a ação reguladora e legal da razão, como se dá nos devaneios, nas quimeras, nos instantes de sonho com olhos abertos, em que as imagens surgem sem os contornos fácticos nítidos que encontramos nos sonhos. O simbolismo, que se revela no sonho, graças a essa quase total independência da razão e da sua legalidade lógica, apresenta ilogismo, acronologia, irracionalismo e reflete muito mais do sensório-motriz e da afectividade do que pròpriamente dos esquemas racionais (noético-eidéticos) que, ai, muitas vêzes se invertem ou aparentemente se dissolvem em ilogismos.

Esta a razão por que é o sonho campo para profundas investigações sobre os esquemas mais primitivos e mais fundamentais do homem.

Toda ação noética humana consiste em unir ou separar. A assimilação é sempre unificadora, porque ao adequar o fato ao esquema, fusiona-o intencionalmente com este.

O objeto é virtualizado para atualizar, pròpriamente, o esquema que é afirmado. Conhecer, portanto, é desconhecer a singularidade enquanto tal para conhecer o conhecido. O que resta do objeto é o que o objeto é do esquema.

O trabalho intelectual lógico é de descentração, de separação. A ação abstratora da razão é uma marcha para o objeto, mas, na verdade, aparente. A proporção que o sujeito se afasta de si para afirmar o objeto, na verdade ele afirma seus esquemas noéticos abstratos, quer racionais quer intuitivos já intelectualizados. Por isso a razão trabalha predominantemente com juizos de existência, enquanto a afectividade, que, pela frônese, é fusionadora de sujeito e objeto, porque o esquema afectivo assimila o seu estado, provoca a construção de juizos de valor. As diferenças intensivas dos estados páthicos são captados pelos esquemas afectivos que os constituem. A afectividade não pode, por isso, evitar juizos de valor. É a sua característica, porque em todas as suas assimilações se processam quebras da indiferença, portanto preferências, prefere isto e pretera aquilo, o que obriga sempre a presença de um valor, segundo o gráu de desirabilidade do estado páthico. A razão pode racionalizar tais estados, como na verdade o faz, transformando-os em objetos, o que permite assimilá-los aos esquemas abstratos, e os juizos de valor tornam-se, afinal, em juizos de existência, porque apenas capta a sua correspondência ao esquema e não o estado de afectividade que provocam (simpathéticos ou antipathéticos).

Por isso toda operação do raciocínio consiste num volver para o objeto. É uma ação centrifuga, é portanto uma operação reversível, enquanto a afectiva não conhece a mesma reversibilidade.

A construção dos símbolos, tem sua raiz afectiva. A razão, ao trabalhar com símbolos, despoja-os do aspecto irracional, que é afectivo, como já vimos.

A razão evita tanto quanto possível o que caracteriza especificamente o símbolo para preferir o esquema abstrato. Toda criação racional dos símbolos traz sempre a sua marca. E este é sempre o motivo porque toda atividade genuinamente cerebralista na arte está fadada ao malôgro. O símbolo já nasce inane, perecente, agônico.

Ao estudar o símbolo, podemos colocá-lo sob vários planos. Muitas vêzes é difícil tal análise, pois ele se oculta; é irracional, e dificilmente assimilável aos esquemas.

Um símbolo primariamente quer referir-se a um simbolizado.

Partamos de um exemplo : um pássaro voando contra uma tempestade como símbolo da liberdade.

Primariamente (símbolo primário) temos o enunciado do símbolo, onde a consciência é evidente.

1) Símbolo primário: o símbolo consciente.
Mas os símbolos sempre revelam, graças ao irracional que contém, algo do inconsciente individual. Aqui temos evidentemente esse “voar contra a tempestade.” A liberdade aqui é uma luta contra oposições. O símbolo revela da subconsciência do seu autor um sentido da liberdade, adquirida através de uma luta “contra uma tempestade”, poderosa, portanto. Temos assim o:

2) Símbolo secundário – símbolo do subconsciente, e nalguns casos do insconsciente. Neste caso, o símbolo primário refere-se a um símbolo inconsciente, que é agora simbolizado, mas, por sua vez, símbolo do inconsciente humano,
pois pássaro voando, como símbolo da liberdade, é universal, já que o homem, em todos os tempos, sentiu, no pássaro, um símbolo da liberdade que ele, confusa ou não, sempre desejou obter. Então temos:

3) Símbolo terciário – Símbolo do inconsciente colectivo. Podemos aqui aproveitar as observações de Jung, que estudaremos adiante. Como também poderíamos aceitar aqui certas leis da Gestalttheorie, sobre as formas, que nos são trazidas dos antepassados, referentes ao inconsciente colectivo.

Em alguns casos, esse inconsciente colectivo pode ser pròpriamente étnico, pois há símbolos que se referem ao inconsciente colectivo de um povo, e que podem, por sua vez, simbolizar um inconsciente humano universal.

E então teríamos:
4) símbolo quaternário – Símbolo do inconsciente cofectivo humano. Assim como o ímpeto de liberdade pertence não só ao inconsciente colectivo de um povo, como ao de toda a humanidade, há aqui um símbolo do ímpeto humano de completo afastamento de todas as resistências, obstáculos que sempre surgem, o demoníaco para o homem, pois não esqueçamos que a palavra Satã significa o obstaculizador, o que cria obstáculos. Este simbolizado por sua vez, refere-se ainda ao grande inconsciente biológico, ao anseio de expansão vital, do extraverter-se da vida; portanto há um inconsciente biológico, e temos:

5) Símbolo quinário – Símbolo do inconsciente biológico animal. E dizemos animal porque o extraverter-se da vida, no animal, têm um ímpeto de atividade que transita muito mais que na vida vegetal. Mas esse simbolizado, por sua vez é símbolo de um impulso de extraversão da vida em geral, o que nos permite procurar um símbolo senário, expressão fundamental da vida, que se manifesta em dois impulsos: um de expansão e outro de retração; portanto simboliza o impulso de vector ad extra. E temos, então

6) Símbolo senário – Símbolo biológico. Por sua vez esse simbolizado simboliza o grande vector universal da expansão, do vector centrífugo, o que leva a um símbolo septenario

7) Símbolo septenário – A expansão cósmica. Este simbolizado, por sua vez, é um referente à ordem cósmica, à lei da alternância universal, o que permite a construção de um outro símbolo, que é octonário, e temos

8) Símbolo octonário – Símbolo da lei da alternância, o Yang e o Yin dos chineses, o Eros e Anteros dos gregos, o Aspir e Espir dos gnósticos, o qual, como simbolizado, é por sua vez símbolo do ser, que, como atividade, realiza os dois grandes vectores do ser, tema que só podemos estudar em outras obras, o que nos leva ao:

9) Símbolo novenário – Símbolo do Ser.

E que é o ser, como simbolizado, senão o grande símbolo teológico da divindade, o que o torna,

1) Símbolo decenário – Símbolo de Deus.

Se partirmos de um símbolo humano, podemos encontrar até mais longinquamente a sua referência, nesses dez planos, mas partindo até de um símbolo que o homem universaliza, também podemos encontrar tais planos. Os fatos do acontecer são sempre simbólicos, pois o acontecer é sempre símbolo das leis universais que o homem, bem ou mal, capta; são símbolos da lei da alternância, são símbolos, afinal, do cósmico com o qual, teológica e religiosamente, as religiões constroem a sua simbólica.

Eis, por que é a simbólica, uma ciência de muito maior proveito ao estudo da filosofia do que se esperava, e razão temos, portanto, de incluí-Ia na filosofia, dando-lhe a colocação e a dignidade que ela merece.

Alguns comentários podemos tecer aqui. Observemos a atividade dos psicólogos em profundidade. Freud, por exemplo, considera apenas o símbolo primário, o secundário, e o terei ário, isto é, consciente e inconsciente. O símbolo pri-
mário é interpretado como sublimado ou mascarado pelo homem. Em Jung, esse símbolo é, além de terciário, quaternário, pois além de ir ao inconsciente individual penetra no insconsciente colectivo, no homem arcaico, que está latente e activo em nós. (NA: Mantemos neste artigo o emprêgo do termo inconsciente, na acepção usada pelos psicólogos modernos. Na verdade, querem referir-se à subconsciência, porque inconsciência seria ausência total de qualquer consciência, o que só se daria com a morte. Entretanto esse termo, na acepção de grau mínimo de consciencialidade, já entrou definitivamente na psicologia moderna. Cabe agora apenas fazer as distinções entre consciência, conscienciedade, etc., o que tratamos na “Noologia”, com o intuito de evitar as imprecisões de linguagem que são tão comuns na filosofia moderna, que, por um espírito genuinamente burguês e mercantilista, resolveu abandonar uma terminologia já fundada na especulação de milênios, para substitui-la por novidades. Estas não contribuem com algo novo, mas apenas substituem acepções, cuidadosamente estabelecidas por homens estudiosos e iluminados, por outras, sem trazer nenhum progresso ao conhecimento, mas facilitando a confusão. Procede-se como um mercantilista ansioso por lançar um novo produto, com novas apresentações, mas cujo conteúdo é o antigo ou, então, modificado nem sempre para melhor.)

Abellio, Raymond (29) Antiguidade (26) Aristotelismo (28) Barbuy, Heraldo (45) Berdyaev, N A (29) Bioética (65) Bréhier – Plotin (395) Coomaraswamy, Ananda (473) Enéada III, 2 (47) (22) Enéada III, 6 (26) (21) Enéada IV, 3 (27) (33) Enéada IV, 4 (28) (47) Enéada VI, 1 (42) (32) Enéada VI, 2 (43) (24) Enéada VI, 3 (44) (29) Enéada VI, 7 (38) (43) Enéada VI, 8 (39) (25) Espinosa, Baruch (37) Evola, Julius (108) Faivre, Antoine (24) Fernandes, Sergio L de C (77) Ferreira da Silva, Vicente (21) Ferreira dos Santos, Mario (39) Festugière, André-Jean (41) Gordon, Pierre (23) Guthrie – Plotinus (349) Guénon, René (699) Jaspers, Karl (27) Jowett – Platão (501) Kierkegaard, Søren Aabye (29) Lavelle, Louis (24) MacKenna – Plotinus (423) Mito – Mistérios – Logos (137) Modernidade (140) Mundo como Vontade e como Representação I (49) Mundo como Vontade e como Representação II (21) Míguez – Plotino (63) Noções Filosóficas (22) Ortega y Gasset, José (52) Plotino (séc. III) (22) Pré-socráticos (210) Saint-Martin, Louis-Claude de (27) Schuon, Frithjof (358) Schérer, René (23) Sophia Perennis (125)