Rosset (1989:38-39) – ideologia

Fica entendido que, de todo modo, o que caracteriza a ideologia é a sua inexistência: a ideologia fala de não-seres (como a justiça, a riqueza, os valores, o direito, Deus, a finalidade); para retomar uma palavra de Romeu em Shakespeare, ela “fala de nadas”. E a partir do reconhecimento desse nada que divergem duas direções filosóficas que não se reencontrarão jamais, caracterizadas por uma diferença no modo de olhar. Ou bem se considera que o homem não sabe que ele fala de nadas — donde a possibilidade de um discurso anti-ideológico (que, caso a hipótese fosse falsa, verteria necessariamente, viu-se, na ideologia); donde também, de maneira mais geral, a possibilidade de toda filosofia não trágica, ou seja de quase todas as [38] filosofias (no sentido de que o exercido do pensamento se encontra, graças a esta hipótese, munido de um programa: poder-se-á sempre se ocupar em desiludir os homens). Ou bem, considera-se que o homem sabe que ele fala de nadas, em favor de um saber trágico que não é da ordem nem do falado nem do “impensado”: ele sabe tudo isto, mesmo se não lhe acontece nunca falar desse saber. Ora, o ponto de partida do pensamento trágico é precisamente a intuição da verdade desta segunda hipótese: ela atribui como instintual ao homem a posse de um saber silencioso que incide sobre o nada de sua fala. Donde o caráter vão de toda empresa anti-ideológica, e também, num certo sentido, de toda filosofia: a educação do homem, nesse ponto fundamental, já tendo sido feita. Tal é o princípio diferencial que separa na origem pensamento trágico e pensamento não trágico: a atribuição, ou a não-atribuição, de um saber que transborda largamente sobre aquilo que é dito ou escrito — a tomada ou não a sério da ideologia. Uma única fórmula basta para caracterizar o pensamento trágico: a impossibilidade de crer que possa haver crença. E, na origem desse descrédito na crença, que acarreta para o pensamento toda uma série de consequências desastrosas que constituem o conjunto da “filosofia trágica”, ela invoca um argumento bem simples: toda crença, posta à prova, é incapaz de precisar aquilo em que ela crê; ela é pois sempre, rigorosamente falando, uma crença em nada; ora, crer em nada equivale a nada crer. O homem pode então crer em tudo o que bem entender, ele não poderá nunca se impedir de saber silenciosamente que aquilo no que ele crê é — nada. A intuição fundamental do pensamento trágico está aqui: a incapacidade dos homens, não em se desembaraçar de sua ideologia (isto sendo apenas a consequência de um mal mais radical), mas em constituir uma ideologia. As mais imaginativas, as mais otimistas das crenças faltará sempre um objeto que permitiria ao ideólogo aderir verdadeiramente à sua crença, ao pensador trágico estimar que o crente crê naquilo que ele diz crer.

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