Kolakowski1976
Em primeiro lugar: a regra do fenomenalismo. Ela pode ser brevemente formulada da seguinte maneira: não há diferença real entre a “essência” e o “fenômeno”. Em muitas doutrinas metafísicas tradicionais, supunha-se que os diferentes fenômenos percebidos e perceptíveis são modos de manifestação de uma realidade que não pode ser revelada diretamente ao conhecimento comum. Essa suposição legitimava o uso de palavras como “substância”, “forma substancial”, “qualidade oculta”, etc. O positivismo recomenda rejeitar essas distinções que induzem ao erro. Temos o direito de registrar o que efetivamente se manifesta na experiência; as opiniões sobre existências ocultas, das quais as existências sensíveis seriam manifestações, não são confiáveis; quanto às discussões sobre questões que vão além da experiência, elas pertencem ao verbalismo.
É necessário explicar que a crítica dos positivistas não se aplica a toda distinção entre “manifestação” e “causa”. Assim, sabe-se que a coqueluche se “manifesta” por um tipo particular de tosse convulsiva, mas, uma vez que tal unidade patológica foi distinguida, não há mais fundamento para reconhecer a tosse como uma “manifestação” e questionar o “mecanismo oculto” específico dessa manifestação; a descoberta no início do século passado do bacilo da coqueluche, enquanto agente causal da contaminação, não contradizia, evidentemente, os pressupostos do fenomenalismo. Pois o que os positivistas entendem pela proibição em questão não é rejeitar perguntas relativas a causas que não são dadas na experiência imediata, mas sim evitar explicar um fenômeno pela presença de seres ocultos que, fundamentalmente, não podem ser descobertos pelos meios acessíveis ao homem.
A “matéria” e o “espírito” constituem exemplos clássicos desses seres que os positivistas condenavam como interpolações ilegítimas, porque ultrapassam o conjunto da experiência possível. Uma vez que se supõe que a matéria seja algo diferente da totalidade das qualidades observáveis do mundo, uma coisa cuja existência não permite explicar melhor os fenômenos observados do que eles já são explicáveis sem ela, nenhuma razão racional justifica o uso desse conceito. Da mesma forma, se a “alma” é suposta designar um objeto diferente da totalidade das qualidades descritíveis da vida psíquica dos homens, ela é uma construção supérflua, pois ninguém sabe dizer em que um mundo sem “alma” seria diferente de um mundo com uma “alma”.
Obviamente, a proibição fenomenalista assim formulada suscita muitas ressalvas, pois é difícil aplicá-la de maneira que resolva, de uma vez por todas, em todos os casos possíveis, se a questão que colocamos pertence às questões legítimas, pelas quais investigamos o “mecanismo” além da “manifestação”, ou se ela merece ser descartada, porque é fundamentalmente “metafísica”. Em alguns casos extremos, isso é fácil: por exemplo, se alguém sustentasse que existem objetos completamente inacessíveis ao conhecimento, ele seria considerado, aos olhos de um positivista, um metafísico incorrigível, pois estaria fazendo um julgamento sobre uma realidade que, por definição, não se presta ao controle empírico. Por outro lado, não duvidamos do sentido da questão sobre a existência ou propriedades de um vírus específico do câncer, que, até agora, é percebido apenas através de suas “manifestações”. Contudo, em muitos casos, a resposta pode não ser tão óbvia.
Não mencionamos isso com o objetivo de iniciar uma polêmica com o positivismo, mas apenas para chamar a atenção para o caráter muito geral das formulações que utilizamos para caracterizar o programa positivista, bem como para a possibilidade de interpretações diversas e contraditórias que, aliás, na própria reflexão positivista, foram atribuídas a essa regra geral. Portanto, queremos, momentaneamente, manter um certo grau de indeterminação no que diz respeito às regras gerais, para que possam servir para distinguir uma corrente bastante significativa na história da filosofia, sem que seja necessário associar o nome “positivismo” a apenas algumas formas dessa corrente.