Pharmakon da cura pela fala

Cassin2020

Na antiguidade, o pharmakon da cura pela fala é precisamente a articulação entre retórica e magia. Freud sabe disso e desde o início coloca a interação médico-paciente sob o signo da influência:

Nada acontece num tratamento psicanalítico senão uma troca de palavras entre o paciente e o analista. O paciente fala, conta suas experiências passadas e impressões presentes, queixa-se, confessa seus desejos e impulsos emocionais. O médico escuta, procura dirigir os processos de pensamento do paciente, dá-lhe explicações e observa as reações de compreensão ou rejeição que assim provoca nele… As palavras eram originalmente mágicas e até hoje conservam muito de seu antigo poder mágico. Por palavras uma pessoa pode tornar outra extremamente feliz ou levá-la ao desespero; por palavras o professor transmite seu conhecimento aos alunos; por palavras o orador arrasta seu público e determina seus julgamentos e decisões. As palavras provocam afetos e são, em geral, o meio de influência mútua entre os homens.”

Górgias descreve os mesmos fenômenos sob o título genérico de “poesia”, a arte do criador:

“Considero e defino a poesia como discurso com metro. Arrepio temeroso, piedade lacrimosa e anseio doloroso sobrevêm aos seus ouvintes, e ante as ações e sofrimentos físicos de outros em boas e más fortunas, por meio das palavras, a alma costuma experimentar um sofrimento próprio. Encantamentos sagrados cantados com palavras são portadores de prazer e banidores da dor, pois, fundindo-se com a opinião na alma, o poder do encantamento costuma seduzi-la, persuadi-la e alterá-la por feitiçaria. Foram descobertas duas artes de feitiçaria e magia: uma consiste de erros da alma e a outra de enganos da opinião. Todos os que persuadem e persuadiram pessoas de coisas o fazem moldando um argumento falso.”