(Borella1990)
Pascal é um dos poucos pensadores clássicos a situar bem a importância político-social das relações simbólicas. Ele compreendeu que a crítica científica que denunciava a “mentira” das formas cósmicas e das formas religiosas também exerceria seu poder destrutivo — pode-se dizer revolucionário — sobre as formas sociais: os signos pelos quais se exprimem a ordem social e as relações hierárquicas não são mais verídicos que as aparências sensíveis do universo: o hábito não faz o monge, o grande chapéu não faz a ciência médica, e os quatro lacaios atrás da carruagem de um grande não bastam para provar sua real nobreza e seu direito ao respeito. É por isso que se constitui uma categoria de espíritos fortes, de libertinos, que Pascal chama de semiábeis e que se dedicam, com uma alegre ferocidade, a “destruir os ídolos”, a desenganar os “ingênuos”, que acreditam simplesmente que as aparências são verídicas. Mas esses semiábeis não compreenderam que os homens não deveriam ser apenas ligados pelas “cordas da necessidade”, fundadas na força ou mesmo na razão; é preciso também as “cordas da imaginação”. O verdadeiro hábil sabe que o semiábil não está errado, mas fala como o ingênuo, enquanto guarda sua “ideia por trás da cabeça”, porque conhece “a razão dos efeitos”, e compreendeu que nenhuma vida social era possível sem ordem e hierarquia, e que nenhuma hierarquia subsiste se não for simbolicamente significada, pois os homens não são puras razões. Em suma, a vida política e social requer o que Ruyer tão bem chamou de “nutrição psíquica”. Tal é, em nossa opinião, o sentido fundamental do pensamento de Pascal.