(FRER:96-97)
Essa ausência de qualquer ponte ou conexão, esse Si voltado apenas para dentro, também é o que essa característica obscura derrama sobre o mundo divino e terrestre em que se move o herói trágico. Ele não entende o que lhe acontece e está consciente de que não pode entender; ele nem tenta compreender o comportamento enigmático dos deuses. É possível que os poetas façam perguntas sobre culpa e destino, como Jó; mas, ao contrário de Jó, nem passa pela mente dos heróis formulá-las. Se o fizessem, seriam forçados a romper seu silêncio. Mas isso significaria sair dos muros do seu Si, e antes de fazê-lo, preferem sofrer em silêncio e subir os degraus da elevação interior do Si, como Édipo, cuja morte deixa totalmente irresolvida a charada de sua vida e que, no entanto, encerra e reforça completamente o herói em seu Si, precisamente porque não toca essa charada.
Aliás, esse é o sentido do declínio do herói. A tragédia desperta facilmente a impressão de que o desaparecimento do indivíduo deveria restabelecer uma espécie de equilíbrio das coisas que foi rompido. Mas essa aparência baseia-se simplesmente na contradição entre o caráter trágico e a fábula dramática; como obra de arte, o drama exige ambas as metades da contradição para subsistir; mas o que é propriamente trágico é então apagado. O herói, como tal, só precisa desaparecer, pois seu desaparecimento lhe dá acesso à suprema consagração heroica: a realização de seu Si no grau mais elevado. Ele aspira à solidão da extinção, pois não há solidão maior do que essa. Assim, o herói não morre no sentido estrito. De certa forma, a morte apenas encerra os “temporalia” da individualidade. O caráter que se fundiu no Si heroico é imortal. A eternidade é quase insuficiente para ecoar seu silêncio.