Bouveresse1976
O mito da interioridade consiste, como vimos, em atribuir um poder explicativo exorbitante a eventos que dizemos ser interiores, ocultos, privados, etc. Na realidade, se se trata de explicar e se “explicar” significa construir ou reconstruir um mecanismo capaz de produzir os efeitos que observamos, um mecanismo material é tão bom quanto o que chamamos, de modo impróprio, de “mecanismo mental”. Pois, como diz Wittgenstein a respeito do jogo de linguagem dos pedreiros, “se o treinamento pudesse fazer com que a ideia ou a imagem surgisse — automaticamente — na mente de B, por que não poderia fazer com que as ações de B ocorressem, sem a intervenção de uma imagem? Isso simplesmente equivaleria a uma ligeira variação do mecanismo associativo” (Blue and Brown Books, p. 89). É por isso que Wittgenstein não pensa em negar a existência de coisa alguma e não faz uma profissão de fé behaviorista quando observa: “As imagens mentais de cores, formas, sons etc., que desempenham um papel na comunicação efetuada por meio da linguagem, nós as classificamos na mesma categoria que as manchas de cor realmente vistas, os sons ouvidos” (ibid.). E é importante notar aqui que, se as ideias ou imagens, às quais geralmente se atribui um papel tão decisivo na comunicação linguística, não são obtidas por um processo refletido ou racional, mas por um mecanismo, a presença desse intermediário mental não impede que o resultado final seja do mesmo tipo que o que se obteria, por exemplo, ao apertar um botão. A decodificação mental da ordem recebida, isto é, sua tradução em “ideias”, é uma resposta condicionada da mesma forma que a ação que ocorre diretamente em execução da ordem. E se algo mais do que isso ocorre, como em todos os casos em que realmente precisamos decodificar, interpretar, traduzir etc., isso não ocorre em virtude de um mecanismo, mental ou outro.