Cassin2018
Algumas palavras para fazer sentir o mundo pagão no qual Homero nos faz adentrar. “Na verdade – diz Nietzsche – faz diferença se é a Bíblia, Homero ou a ciência que tiraniza os homens.” Para definir o mundo pagão, eis o critério que proponho: é um mundo onde aquele que chega diante de você pode ser um deus; pois é sempre a isso que um pagão espera quando encontra um homem: que ele seja divino. Num mundo monoteísta, certamente isso não poderia acontecer – e não apenas se o Messias já tivesse vindo. No mundo de Homero, ao contrário, tudo é permeável: homens, deuses, animais, coisas. Ulisses é o “divino Ulisses” tão “naturalmente” quanto é polytropos, “o homem dos mil artifícios” (os epítetos homéricos são, como se diz com razão, “epítetos de natureza”, expressam a “natureza”, o próprio ser daquilo a que se aplicam). E quando ele aparece diante de Nausícaa, é “um leão das montanhas”; quanto a Nausícaa, Ulisses se dirige a ela como “mulher ou deusa”, e pensa, ao vê-la incomparavelmente bela, que ela “se assemelha ao tronco jovem de uma palmeira”. Kosmos, “ordem e beleza”, é portanto a palavra que designa essa harmonia sonhadora do mundo, perceptível na realidade sempre grega de uma ilha. Não se pergunta então se o Deus transcendente, demiurgo ou matemático, existe ou não; os deuses são antes um duplo onírico imanente ao mundo; essa “resplandecente criação de sonho”, os Olímpicos, é para os gregos “seu próprio reflexo na esfera da beleza” – Nietzsche novamente, que propõe chamar “de Homéricos os gregos que sonham e de grego sonhador o próprio Homero”. Tal é o mundo no qual a Odisseia nos faz entrar. Veremos que não é exatamente o de Virgílio: entre o “divino Ulisses” e o “pio Eneias”, não é a mesma maneira, às vezes “natural” e às vezes “política”, de ser pagão.