Universalis2015
Roland Barthes definia Voltaire como “o último dos escritores felizes”. Essa felicidade se expressa primeiro numa certa relação com a literatura, característica do Classicismo e que o Rousseau das Confissões e depois o Romantismo logo viriam a destruir: uma mistura de seriedade e ironia, de envolvimento pessoal e distância divertida. O conto oriental e o romance picaresco, ou mesmo o romance de formação, aos quais Zadig pertence, são antes de tudo gêneros divertidos e na moda. Voltaire se adapta a esses moldes com tanto mais facilidade quanto eles são pouco restritivos: o contexto oriental, de pura fantasia, não exige nenhum realismo; o maravilhoso do conto legitima de antemão todas as incoerências; e o código narrativo do picaresco ou do romance de formação justifica a linearidade estrita de um relato cujos episódios se sucedem em ritmo acelerado, sem razão nem transição. Daí essa leveza, esse desprendimento que constituem, aos nossos olhos, todo o charme dos contos filosóficos.
Filosóficos? O próprio Voltaire só os designa assim com cautela. No entanto, o subtítulo orienta o leitor nessa direção: a questão do destino – ou seja, do sentido da vida, da existência de uma transcendência – estará portanto no cerne da fábula. Submetido à sucessão aparentemente incompreensível dos acontecimentos, Zadig pode se crer brinquedo do puro acaso, já que o arbitrário parece presidir à distribuição, perfeitamente aleatória, das felicidades e infortúnios (“Tudo de bom que fiz sempre foi para mim fonte de maldições”). A esse respeito, o final do conto pode deixar perplexo: devemos considerar o anjo Jesrad, apóstolo da Providência, como porta-voz de Voltaire, quando os capítulos anteriores minaram tão metodicamente a fé numa lógica e vontade superiores? Devemos ver no retorno à Babilônia e na união com Astarté a manifestação de uma ordem divina que recompensa Zadig in extremis, ou um final de pura convenção? E se a aceitação da Providência, surpreendente e aliás muito problemática (o herói multiplica as objeções), não expressasse senão um sábio renúncia a questões vãs e sem resposta, cujo princípio será reafirmado em Cândido? Ao menos, uma vez tomadas essas prudentes resoluções, ainda se pode esperar, aqui, agir sobre o mundo, governando segundo a razão e a justiça. Onze anos depois, não se tratará mais senão de cultivar seu jardim.