Excertos traduzidos de Joachim Lacrosse, «La philosophie de Plotin».
Mesmo os relatos míticos são mobilizados por Plotino na demanda da verdade, aqueles de Platão, bem entendido, mas também aqueles de Hesíodo ou de Homero. A definição plotiniana dos mitos constitui assim um complemento útil a sua descrição da exegese. Para Plotino, é precisamente porque o mito é um caso particular do logos, um fenômeno discursivo, que o narrador de um mito introduz descontinuidade no seio das hipóstases de que é questão em seu relato. Mas estas hipóstases, em verdade, escapam ao tempo e à fragmentação (v. Enéada III, 5, 9).
Os mitos, particularmente quando recorrem a uma narração do tipo genealógico, manifestam relações hierárquicas entre hipóstases que não se pode verdadeiramente descrever como «engendradas» senão na medida que estes engendramentos são fabricados pelo narrador com vistas a manifestar pela fragmentação temporal que introduz sua palavra, seu relato (logos), distinções inteligíveis referentes à ordem e ao poder de seres não engendrados. Estamos no coração da prática discursiva do intelecto, posto que a reunião (synairesis) dos dados esparsos que nos legam os mitos decorre do noûs, como o indica a referência às Enéadas acima.