Lavelle (1946) – A metafísica busca redescobrir o ato primitivo do qual dependem meu próprio ser e o ser do mundo.

nossa tradução

O caminho que leva à metafísica é particularmente difícil. E poucos homens concordam em escalá-lo. Pois se trata de abolir tudo o que parece sustentar nossa existência, coisas visíveis, as imagens e todos os objetos usuais do interesse ou do desejo. O que procuramos alcançar é um princípio interior a que sempre demos o nome de ato, que gera tudo o que podemos ver, tocar ou sentir, que não se trata de conceber, mas de pôr em operação, e que, pelo sucesso ou fracasso de nossa operação, explica tanto a experiência que temos pela frente quanto o destino que podemos dar a nós mesmos.

Sempre há um pudor secreto no filósofo. Pois ele volta às próprias fontes de tudo o que existe. No entanto, todas as fontes têm um caráter misterioso e sagrado, e o mais leve olhar é suficiente para perturbá-las. É que há nessas fontes tanto a intimidade da vontade divina, que tremo ao questionar, quanto a intimidade da minha própria vontade, que tremo por ter. A obscuridade, misticismo, muitas vezes são marcas dessa modéstia. O que posso compreender, o que posso expressar, senão as manifestações desta vontade pura que a determina, individualiza, limita e já a corrompe?

Os filósofos sempre buscaram qual é o fato primitivo do qual todos os outros dependem. Mas o fato primitivo é que não posso nem postular o ser independentemente do eu que o apreende, nem posar o eu independentemente do ser no qual está inscrito. O único termo em presença do qual sempre me encontro, o único fato que é para mim primário e inconfundível, é minha própria inserção no mundo.

Mas onde está o verdadeiro ponto de inserção? Não está no meu pensamento solitário, nem no obstáculo que me detém e me revela o que não sou, ainda amis isto que sou, nem na angústia que, quando estou pronto para dar-me o ser, faz-me sentir a minha oscilação entre o ser e o nada, embora pensamento, obstáculo e angústia sejam inseparáveis do nascimento da consciência, e mesmo sempre a obrigam a renascer sem cessar, uma vez que se destinam a impedir o hábito a se formar, ou a me subtrair daí, se aí ela já é. O fato original reside em uma experiência infinitamente mais positiva, que é a de minha presença ativa em mim mesmo; é o sentimento de minha responsabilidade comigo mesmo e com o mundo.

A experiência com a qual se inicia tanto a emoção que a vida nos dá como a revelação do nosso próprio ser, não consiste portanto no espetáculo que se desdobra ao nosso olhar e do qual nós próprios fazemos parte, mas sim no pôr em jogo de um movimento que somos capazes de realizar, que depende de nossa única iniciativa, que nos desperta para a consciência de nós mesmos e que, mudando o estado do mundo, nos mostra o próprio império do qual dispomos. Desde que estou atento ao poder que tenho de mexer o dedo mindinho, repetirei esse gesto cem vezes com a mesma admiração. Neste momento somente começo a apreender o real desde de dentro, quer dizer, na própria atividade de que deriva, que forma meu próprio ser e que estremeço ou que retenho por uma simples decisão que depende apenas de mim.

No entanto, o movimento aqui é apenas o sinal e o testemunho de uma atividade mais secreta. Mas basta mostrar que em vez de me encontrar preso a um devir sem fim onde nunca paro de fugir de mim mesmo, não apreendo senão isto que sou neste ato pelo qual eu me arranco a mim mesmo do devir para recomeçar sem cessar a ser, e sem o qual não perceberia o devir ele mesmo. Eis aí um ato de criação que é sempre um consentimento a isto que quero pensar, produzir ou ser.

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