(MDM1996)
A representação de um objeto pode aniquilar-se de diversos modos, uma vez que, para a constituição de um objeto, requerem-se várias condições transcendentais: ou bem o próprio conceito é contraditório e não corresponde a nenhuma intuição — é o que Kant chama de “não-coisa” [Unding], e é assim que ele redefine o nihil negativum, ilustrando-o geometricamente —, ou bem o conceito não é contraditório, mas não se articula a nenhuma intuição. Trata-se então de um ens rationis ou, antes, na tradução sugestiva de Kant (que revela bem sua diferença quanto à não-coisa), de uma “coisa-de-pensamento” [Gedankending]. A coisa-de-pensamento não é impossível em razão de contradição, mas ela não pode ser contada entre as possíveis, pois nenhuma intuição preenche o conceito. Há duas variedades de “conceitos sem objeto”, uma encontrada em Leibniz, com o númeno, ou seja, o ser inteligível, a outra em Swedenborg, com os espíritos: substâncias hipotéticas que ocupariam o espaço e aí produziriam efeitos sem o preencher; força fundamental de nosso espírito [Gemut] que nos tornaria capazes de intuir o futuro (em lugar de poder apenas deduzi-lo segundo as analogias da experiência); enfim, poder de se comunicar em pensamento com homens distantes, tais são os três aspectos dessas forças fundamentais 1 que Swedenborg afirmava reais, enquanto, de acordo com Kant, não passam de coisas-de-pensamento, não contraditórias mas tampouco encontráveis [66] na experiência, isto é, das quais não existe nenhum exemplo. Notar-se-á então que, nas formas do nada, Leibniz e Swedenborg são excluídos juntos do campo dos possíveis sem que absolutamente sejam por isso declarados idênticos. Além da noção de não-coisa e do conceito sem objeto, o nada pode designar ainda a anulação de um objeto do ponto de vista de sua qualidade, o que corresponde exatamente à oposição real, ou nihil privativum. De uma quarta maneira, por fim, um algo pode não existir: a pura matéria do espaço e do tempo não é de modo algum uma matéria organizada em objeto. As formas do espaço e do tempo são exatamente a matéria da imaginação pura, e Kant por isso as chama de seres de imaginação (ens imaginarium), mas nem por isso elas são objetos da intuição. Uma condição formal do objeto não é suficiente para constituir um objeto. Sem substância, as formas da intuição permanecem vazias.
- OEuvers phil., I, p. 951 (Suhrkamp, III, p. 251). Estabeleço a correspondência entre o texto da tábua do nada e aquele dos postulados do pensamento empírico em geral. O tradutor, F. Marty, só reconhece Swedenborg no terceiro exemplo (cf. p. 1638, nota 2 da p. 951); Ak. B pp. 269-270, A pp. 222-223.[↩]