Jaspers: Filosofia da Existência – Introdução

Introdução às conferências pronunciadas na Academia Alemã de Frankfurt.
Excertos de “Filosofia da Existência”, trad. Marco Aurélio de Moura Matos.

FUI CONVIDADO a falar sobre a filosofia da existência. Uma parte da filosofia de hoje define-se por este nome. O termo singularizante “existência” tem o sentido de indicar que pertence ao presente.

O que se denomina de filosofia da existência é realmente apenas uma forma de filosofia única, primordial. Não se trata de nenhum acidente, todavia, que no momento a palavraexistência” tenha-se transformado num termo de relevo. Ressalta a tarefa da filosofia que, por um determinado período, quase que se tornou esquecida: a de ter em vista a realidade na sua origem e de captar esta realidade através do modo em que, no pensamento, lido comigo mesmo — em ação interior. A partir do mero conhecimento de alguma coisa, das maneiras de falar, das convenções e do desempenho de determinadas funções — de todos os tipos de fenômenos que se apresentam em primeiro plano — o ato de filosofar desejava encontrar o seu caminho de volta à realidade. Existenz é uma das palavras que designam a realidade, com a tônica que lhe deu Kierkegaard: tudo aquilo que é essencialmente real é para mim apenas em virtude do fato de que eu sou eu mesmo. Nós não existimos simplesmente; antes, nossa existência é confiada a nós como a arena e o corpo para a realização da nossa origem.

Já no século dezenove, movimentos com este enfoca-mento de espírito surgiam intermitentemente. As pessoas desejavam “vida”, desejavam “realmente viver”. Pediam “realismo”. Ao invés de desejarem simplesmente conhecer, desejavam experimentar por conta própria. Em toda parte, queriam o “genuíno”, procuravam pelas “origens” e desejavam impetuosamente conhecer o próprio homem. Os homens superiores tornaram-se mais claramente visíveis; ao mesmo tempo, tornou-se possível descobrir o verdadeiro e o real na partícula mais ínfima.

Agora, se pelo espaço de um século a natureza da época tem-se revelado inteiramente diferente — a saber, uma época de nivelamento, de mecanização, de desenvolvimento de uma mentalidade de massa e de intermutabilidade universal de tudo e de todos, em que ninguém parece mais existir para si mesmo, tem-se revelado também uma ambiência estimulante. Os homens que podiam ser eles mesmos levantaram-se nessa atmosfera impiedosa em que o indivíduo foi sacrificado como indivíduo. Desejavam tomar-se a si mesmos seriamente; procuraram pela realidade escondida; quiseram saber o que era conhecível e pensaram que, ao se compreenderem a si mesmos, podiam chegar à fundamentação do seu ser.

Mas até mesmo este pensar frequentemente degenerou-se num frívolo encobrimento da realidade, característico do processo de agitação, pervertendo-se numa filosofia tumultuosa e patética de sentimento e de vida. O desejo de experimentar o ser para si mesmo podia ser pervertido num contentamento com o meramente vital; o desejo de encontrar a origem, numa mania de primitivismo; o sentido de distinção social, numa traição das genuínas ordens de valor.

Não propomos considerar em sua totalidade esta perda de realidade numa época de realismo visivelmente elevado — uma época de cuja crescente consciência desenvolveu-se a aflição da alma e o ato de filosofar. Em lugar disto, tentaremos relembrar por um relato histórico a tortuosa rota tomada por esse retorno à realidade — um retorno que assumiu várias configurações — usando como exemplo a nossa relação com as ciências, um exemplo que se mostra inerentemente essencial ao nosso tema.
++++
NA PASSAGEM DO SÉCULO, a filosofia era na sua maior parte concebida como uma ciência em meio às outras ciências. Era um campo para os estudos acadêmicos, e era tomada como uma possibilidade educacional pelos jovens. Conferências brilhantes ofereciam vastos panoramas de sua história, de suas doutrinas, de seus problemas e sistemas. Vagos sentimentos de liberdade e de verdade frequentemente vazios de conteúdo (porquanto raramente efetivos na vida concreta) combinavam-se com no progresso dos conhecimentos filosóficos. O pensador “progredia mais além” e estava convencido de que, a cada passada, pairava no ápice do conhecimento a que até o momento se conseguiria chegar.

Esta filosofia, no entanto, parecia revelar falta de confiança em si mesma. O respeito sem limites da época peias ciências empíricas exatas fazia com que se tornassem o magno exemplar. A filosofia queria recapturar sua reputação perdida perante o julgamento passado para as ciências, por meio de uma exatidão idêntica. Na verdade, todos os objetos de pesquisas haviam sido parcelados e encaminhados às ciências especiais. Mas a filosofia desejava legitimar-se a si mesma paralelamente a elas, fazendo com que o todo se constituísse num objeto científico; o todo do conhecimento, por exemplo, por meio da epistemologia (desde que o fato da ciência em geral não constituía, afinal de contas, objeto de nenhuma ciência particular); o todo do universo por meio de uma metafísica construída por analogia com as teorias científicas e com a ajuda destas; a totalidade dos ideais humanos por meio de uma doutrina de valores universalmente válidos. Estes pareciam ser objetos que não pertenciam a qualquer ciência especial e não obstante deviam estar abertos à investigação por meio dos métodos científicos. Contudo, a natureza básica de todo esse pensar era ambígua. Porquanto era, a um só tempo, científico-objetiva e moral-normativa. Os homens podiam pensar que estavam estabelecendo uma união harmoniosa entre as “necessidades da mente” e os “resultados da ciência”. Finalmente, podiam afirmar que desejavam apenas compreender objetivamente as possíveis visões-do-mundo e os valores, e todavia podiam sustentar ao mesmo tempo que estavam fornecendo a única visão-do-mundo verdadeira: a visão científica.

Os jovens nesse tempo estavam fadados a experimentarem uma profunda desilusão. Não era isto que julgavam fosse a filosofia. A paixão por uma filosofia com raízes na vida fez com que rejeitassem esta filosofia científica, impressionante em seu rigor metodológico e nas suas exigências por um pensamento enérgico e. pelo manos, de valor educacional — mas basicamente por de maia inócuo, muito facilmente satisfeito, muito cego à realidade. Ao solicitarem realidade, rejeitavam as abstrações vazias que, a despeito de sua aparência sistemática concatenada, ainda assim parecia-se com brinquedos de criança; rejeitavam provas que nada provavam, a despeito de sua grande ostentação. Havia alguns que registravam o sinal implícito na escondida auto-condenação dessa filosofia, que buscava a sua própria medida no arsenal das próprias ciências empíricas; abandonaram essa filosofia, acreditando talvez numa outra, que ainda não conheciam.

Que entusiasmo tomou conta desses estudantes que, por essa época, abandonaram a filosofia depois de uns poucos semestres e se dirigiram para as ciências naturais, para a história e para as outras ciências da investigação! Aqui havia realidades. Aqui a vontade de conhecer poderia encontrar satisfação: que fatos notáveis, alarmantes e não obstante de uma feição que inspirava esperança, no plano da natureza, da existência humana, da sociedade e dos eventos históricos! O que Liebig escrevera em 1840 acerca do estudo da filosofia ainda era verdade: “Também vivi nesse período, tão rico em palavras e ideias e tão pobre em conhecimentos verdadeiras e em pesquisas genuínas, que a mim me custaram dois preciosos anos da minha vida.”

Mias quando as ciências foram eleitas como se já contivessem a verdadeira filosofia, isto é, quando se supunha que dariam o que se procurara em vão na filosofia, erros típicos tornaram-se possíveis. Os homens desejavam aros ciência que fosse capaz de indicar-lhes que objetivos perseguir na vida — uma ciência de avaliações. Deduziam da ciência os vários tipos de conduta, e pretendiam saber por meio da ciência o que na verdade eram artigos de — ainda que acerca das coisas imanentes neste mundo. Ou em contraposição, desesperavam-se da ciência porque não fornecia o que era importante na vida e, pior ainda, porque a reflexão científica parecia paralisar a vida. Desta forma, as atitudes oscilavam entre uma supersticiosa na ciência que leva a um ponto de partida absoluto advir de resultados presumidos, e um antagonismo em relação à ciência, que a rejeita como sem nenhum sentido e a ataca como destrutiva. Mas estas aberrações eram apenas incidentais. Na verdade, forças de poder irrompiam no campo das próprias ciências que derrotavam ambas as aberrações, pelo fato de que o conhecimento, como conhecimento, a si mesmo se purificava.

Visto que, quando nas ciências eram asseveradas muitas coisas para as quais não havia prova alguma, quando as teorias globalizantes eram formuladas de maneira demasiadamente confiante como conhecimento absoluto da realidade, quando muitas coisas eram aceitas como evidentes por si mesmas sem exame (por exemplo, a ideia básica da natureza como um mecanismo ou então muitas teorias que envolviam petições de princípio como a doutrina de que a necessidade dos eventos históricos pode ser conhecida, e coisas do gênero), a má filosofia reaparecia no campo das ciências sob uma forma ainda pior. Mas — e isto era algo soberbo e nobilitante — a crítica ainda existia e se achava atuante dentro da própria ciência: não o eterno desfile da polêmica filosófica que nunca leva a qualquer concordância, mas a crítica real, feita passo a passo, que determina a verdade para todos. Esta crítica destruía ilusões com o fim de capturar o realmente cognoscível em estado maior de pureza.

Havia, também, grandes eventos científicos que irrompiam através de todos os dogmatismos. Na passagem do século, com a descoberta da radioatividade e com os começos da teoria quântica, iniciava-se a relativização intelectual da rígida carapaça da visão mecanística da natureza. Iniciava-se o desenvolvimento, que continuou até os nossos dias, de ideias de descoberta que não mais levavam ao impasse de uma natureza que existia e que se conhecia em si mesma. A alternativa mais antiga, de sustentar que conhecemos a realidade da natureza em si mesma ou então acreditamos operar com meras ficções a fim de sermos capazes de descrever os fenômenos naturais da maneira mais simples possível, entrou em colapso. Precisamente por irromper através de todo absoluto, entrava-se em contacto com cada uma das realidades abertas à investigação.

Fenômenos análogos, embora menos soberbos, ocorriam por toda parte no campo das ciências especiais. Toda pré-suposição absoluta entrou em colapso. Por exemplo, o dogma do século dezenove relativamente à psiquiatria, de que as doenças da mente eram doenças do cérebro, foi posto em questão. Com a derrota dessa dogma asfixiante, limitativo, a expansão do conhecimento factual substituiu uma construção quase que mitológica das perturbações mentais em termos de alterações cerebrais inteiramente desconhecidas. Pesquisas tentaram descobrir em que extensão as doenças mentais são doenças do cérebro e aprenderam a se abster de julgamentos gerais antecipatórios: enquanto ampliavam enormemente o conhecimento realístico do homem, e mesmo assim ainda não o captam.

Grandes investigadores, inspiradores de um respeitoso terror, emergiram desse quadro — figuras tão implacáveis em sua auto-crítica quanto férteis em suas descobertas.

Max Weber denunciou o erro, na pressuposição de que a ciência — isto é, a ciência econômica e a sociologia — podiam descobrir e provar o que devia ser feito. O método científico descerra fatos e possibilidades. Para conhecê-los objetiva e verdadeiramente, o cientista deve suspender os seus próprios julgamentos de valor no ato de cognição mesmo, particularmente seus desejos, simpatias e antipatias, embora estes produzam fecundos estímulos e agucem nossa visão quanto à maneira de conhecer. Somente deste modo podem ser anulados o ofuscamento e a unilateralidade causados pelos seus julgamentos valorativos. A ciência tem integridade apenas como ciência isenta de valores. Mas, como mostrou Max Weber, esta ciência liberada de valores acha-se, à sua vez, sempre dirigida em sua atuação seletiva de problemas e de objetos por valorizações que só a ciência, em si mesma, é capaz de reconhecer. A paixão pela valoração, predominante para a vida e na verdade a razão básica por que a ciência deva existir de qualquer modo, e a auto-conquista necessária para suspender-se os julgamentos de valor em busca do conhecimento, formam em conjunto o poder da investigação científica.

Tais experiências científicas demonstravam a possibilidade de possuir-se um conhecimento totalmente determinado e concreto num dado período, assim como a-impossibilidade de encontrar-se na ciência o que em vão se havia esperado da filosofia dessa época. Os que haviam procurado na ciência a base para as suas próprias vidas, um guia para as suas ações, ou o próprio ser, achavam-se fadados a serem desapontados.

O caminho que leva à filosofia tinha de ser mais uma vez descoberto.
++++
NOSSO PROCESSO DE FILOSOFAR CONTEMPORÂNEO está condicionado por esta experiência havida com a ciência. O roteiro que segue da desilusão em relação à filosofia deteriorada até às ciências reais, e destas novamente até à filosofia autêntica, é tal que deve ter um papel decisivo em modelar a espécie de filosofar possível nos dias de hoje. Por conseguinte, antes de fornecer um esboço geral do caminho que leva de volta à filosofia, precisamos definir a relação que está longe de ser não-ambígua entre o filosofar atual e a ciência.

Primeiramente, os limites da ciência tornam-se claros. Podem ser resumidamente indicados assim:

a) A cognição científica das coisas não é a cognição do ser. A cognição científica é uma cognição particular, que diz respeito a determinados objetos, não ao ser em si mesmo. A relevância filosófica da ciência, todavia, é a de que, precisamente por meio do conhecimento, produz o conhecimento mais decisivo da nossa falta de conhecimento, a saber, nossa falta de conhecimento do que seja o ser em si mesmo.

b) A cognição científica não pode oferecer objetivos, quaisquer que eles sejam, à vida. Não estabelece valores válidos. Portanto, não pode dirigir, liderar. Por meio de sua clareza e decisividade, aponta para outra fonte das nossas vidas.

c) A ciência não é capaz de formular qualquer resposta ao seu próprio significado. A existência da ciência descansa em impulsos para os quais não existe qualquer comprovação científica de que sejam verdadeiros e legítimos.

Ao mesmo tempo, à medida que os limites da ciência vão-se tornando claros, a significação positiva e a indispensabilidade da ciência à filosofia também se tornam claras.

Primeiramente, a ciência, tendo nos séculos recentes, atingido uma purificação metodológica e crítica (embora tal coisa tenha sido raramente percebida pelos cientistas), oferecia pela primeira vez, pelo seu contraste com a filosofia, a possibilidade de reconhecer e de ultrapassar a turva confusão de filosofia e ciência.

O caminho da ciência é indispensável à filosofia, dado que somente um conhecimento a respeito desse caminho faz com que o filosofar se abstenha de formular, mais uma vez, exigências desarrazoadas e subjetivas ao conhecimento factual que pertença realmente à pesquisa metodologicamente exata.

Contrariamente, a clareza filosófica é indispensável à vida e à pureza da ciência genuína. Sem a filosofia, a ciência não se compreende a si mesma, e os próprios investigadores científicos, embora por um certo tempo capazes de ampliar o conhecimento especializado construindo sobre fundações postas pelos grandes cientistas, abandonam completamente a ciência, tão logo se vejam sem o aconselhamento da filosofia.

Se, por um lado, a filosofia e a ciência são impossíveis uma sem a outra, e, por outro lado, a turva confusão não pode mais perdurar —, a tarefa atual é estabelecer sua verdadeira unidade, seguida à sua separação. O ato de filosofar não pode ser nem idêntico nem oposto ao pensamento científico.

Em segundo lugar, somente as ciências, que se atiram às pesquisas e assim produzem o conhecimento obrigatório dos objetos, nos colocam frente a frente com o conteúdo factual das aparências. Somente as ciências me ensinam claramente o modo como as coisas são. Se o filósofo não tivesse qualquer conhecimento atualizado das ciências, permaneceria sem uma clara visão de conhecimento do mundo, como se fosse um homem cego.

Ern terceiro lugar, o ato de filosofar que seja uma busca da verdade antes que a expressão de um entusiasmo, deve incorporar a atitude ou o enfocamento cientifico. A atitude científica é caracterizada por uma discriminação continuada de seu conhecimento obrigatório — entre o conhecimento acompanhado, por um lado, de conhecimento dos métodos que a ele levaram, e, de outro, de conhecimento acompanhado do conhecimento dos limites de sua validade. A atitude científica exige, mais, que o cientista esteja preparado para receber qualquer critica às suas afirmações. Para o cientista, a crítica é uma necessidade vital. Não pode ser tido como suficientemente arguido, a fim de comprovar-se suas intuições de compreensão (insights). O cientista genuíno aproveita-se inclusive da crítica injustificada. Se fugir à crítica, não terá nenhuma vontade de conhecer. — A perda da atitude científica e do enfocamento científico significa também a perda da veracidade no filosofar.

Tudo conspira para vincular a filosofia à ciência. A filosofia lida com as ciências de uma tal maneira que o seu próprio significado é posto em evidência e revelado. Ao permanecer em contacto vivo com as ciências, a filosofia dissolve o dogmatismo (esta obscura pseudo-filosofia) que tem a tendência de irromper no seio delas. Sobretudo, no entanto, a filosofia se transforma no testemunho consciente do esforço científico dirigido contra os inimigos da ciência. Viver filosoficamente é inseparável da atitude da mente que sustenta sem reservas a ciência.
++++
JUNTAMENTE COM ESTA elucidação dos limites e do significado da ciência, emergia a independência da origem da filosofia. Somente quando cada uma das asserções prematuras se expunha à aguda penetração esclarecedora da crítica é que os homens tornavam-se conscientes dessa independência, e a filosofia primordial imutável começou a falar novamente através de seus grandes representantes. Era como se longos textos familiares tivessem sido retirados do esquecimento para serem trazidos à luz do dia e como se os homens apenas agora tivessem aprendido a lê-los verdadeiramente, com novos olhos. Kant, Hegel, Schelling, Nicolau de Cusa, Anselmo, Plotino, Platão e mais uns poucos tornaram-se tão recentemente relevantes que se experimentava a verdade da observação de Schelling, de que a filosofia é um “segredo público”. Podem conhecer-se os textos e ser capaz de seguir a evolução das construções de seus pensamentos com precisão — e, mesmo assim, não os entender.

Desta origem podemos conhecer alguma coisa que nenhuma ciência é capaz de nos ensinar. Porquanto a filosofia não pode originar-se apenas de maneiras científicas de pensar e do conhecimento científico. A filosofia exige um pensar diferente, um pensar que, ao conhecer, faz com que eu me recorde, com que eu me desperte, faz com que eu me entregue a mim mesmo, transforma-me.

Mas a nova descoberta da origem da filosofia na velha tradição imediatamente demonstrava a impossibilidade de encontrar-se a verdadeira filosofia no passado, pronta de antemão. A antiga filosofia nas suas formas passadas não pode ser a nossa filosofia.

Embora vejamos o ponto de partida histórico do nosso modo de filosofar no âmbito da velha filosofia, e desenvolvamos o nosso próprio pensar estudando-a, porquanto somente no diálogo com ela podemos conquistar uma determinada clareza, o pensar filosófico não obstante é sempre original e deve expressar-se a si mesmo sob novas condições em cada época.

A mais impressionante dentre as novas condições é c desenvolvimento das ciências puras que acabamos de examinar. A filosofia não pode mais ser ingênua e verdadeira, a um só tempo. A ingênua união da filosofia com a ciência era uma cifra eficaz e, dentro da sua situação cultural, autêntica. Mas, nos nossos dias, uma tal unià-o somente é possível como uma turva confusão que deve ser radicalmente superada. À medida que a ciência e ?. filosofia passaram a se entender, a compreensão incrementou-se. A filosofia, juntamente com a ciência, deve criar o pensamento filosófico que emerge de uma origem diversa da origem da ciência.

A filosofia atual deve, por conseguinte, compreender a sublime grandeza dos pré-socráticos, — mas à medida que retira deles estímulos insubstituíveis, não os pode seguir. Nem pode ela permanecer ainda dentro da profunda ingenuidade das questões inerentes à sua infância. A fim de preservar a profundidade que, na sua maioria, as crianças perdem à medida que ganham maturidade, a filosofia deve encontrar caminhos de investigação e dè verificação que estejam dentro do âmbito da realidade, tal como é hoje concebida em todas as suas manifestações. Esta realidade, todavia, não pode, de forma alguma, ser genuína e integralmente presente sem á ciência.

Embora a origem nos fale através dos textos antigos não podemos simplesmente adotar as suas doutrinas. A compreensão histórica das doutrinas do passado deve ser distinguida da posse do que é presente em toda a filosofia, em todas as épocas. Porquanto somente essa apropriação torna-se, à sua vez, a plataforma da possibilidade de uma compreensão histórica do distante e do alheio.
++++
O ATO DE FILOSOFAR ATUAL advém, conscientemente, de sua própria fonte, não descobrível ou atingível pela ciência tão somente:

Leva a cabo a busca da realidade por meio do pensar como ação interna. Este pensar envolve-se em todas as coisas, a fim de transcender estas coisas até ao seu autêntico cumprimento e realização.

Esta realidade não pode ser descoberta uma vez mais, como no campo das ciências, como um conteúdo deter-mimante do conhecimento. A filosofia não pode mais apresentar uma doutrina do todo do ser em unidade objetiva.

Nem pode o mero sentimento vivido merecer confiança a fim de tornar presente essa realidade. A realidade pode ser atingida com e através o sentimento apenas no pensar.

O ato de filosofar insiste urgente e reflexivamente em direção ao ponto em que o pensar se transforma na experiência da própria realidade. Para atingir tal ponto, no entanto, devo pensar constantemente, embora sem atingir a realidade apenas por este pensamento. Por meio de um pensar provisório, preparatório, experimento algo maus do que o pensamento.

A filosofia é a objetificação metódica deste pensar.

Mão dá um conceito desta objetificação fornecendo uma sinopse das realizações que estão-se passando no momento pelo nome de filosofia da existência ou da minha própria filosofia. Posso apenas apontar, por meio de exemplos, para umas poucas ideias básicas com as quais ela se preocupa. Levanto as seguintes questões:

Na primeira conferência: o problema do ser, no sentido do domínio mais amplo da realidade abrangente, no qual nos deparamos com o que quer que seja o ser para nós.

Na segunda conferência: a questão da verdade, no sentido de caminho para o ser com que nos deparamos.

Na terceira conferência: a questão da realidade, no sentido do ser como a finalidade e a fonte em que todo o nosso pensamento e toda a nossa vida repousam.

Abellio, Raymond (31) Antiguidade (29) Aristotelismo (28) Barbuy, Heraldo (45) Berdyaev, N A (29) Bioética (118) Bréhier – Plotin (395) Coomaraswamy, Ananda (432) Deleuze, Gilles (38) Enéada III, 2 (47) (22) Enéada IV, 3 (27) (33) Enéada IV, 4 (28) (47) Enéada VI, 1 (42) (32) Enéada VI, 2 (43) (24) Enéada VI, 3 (44) (29) Enéada VI, 7 (38) (43) Enéada VI, 8 (39) (25) Espinosa, Baruch (42) Evola, Julius (106) Faivre, Antoine (24) Fernandes, Sergio L de C (80) Ferreira da Silva, Vicente (21) Ferreira dos Santos, Mario (46) Festugière, André-Jean (38) Gordon, Pierre (23) Guthrie – Plotinus (349) Guénon, René (195) Jaspers, Karl (25) Jowett – Plato (501) Kierkegaard, Søren Aabye (39) Lavelle, Louis (31) MacKenna – Plotinus (423) Mito – Mistérios – Logos (127) Modernidade (154) Mundo como Vontade e como Representação I (48) Míguez – Plotino (63) Nietzsche, Friedrich (59) Noções Filosóficas (22) Ortega y Gasset, José (47) Plotino (séc. III) (22) Pré-socráticos (206) Saint-Martin, Louis-Claude de (28) Schopenhauer, Arthur (22) Schuon, Frithjof (354) Sophia Perennis (125)