(Descombes1995)
As fórmulas clássicas da intencionalidade a apresentam como uma complicação da relação entre um sujeito e um objeto. Elas acabam, assim, por mascarar ou atenuar o que deveria, ao contrário, ser destacado: que a intencionalidade não é de modo algum uma espécie de transitividade 1. Mas, se descartarmos como enganadora a fórmula que apresenta a intencionalidade como uma qualidade transitiva dos atos mentais, restam apenas as imagens que acompanhavam essa definição. Essas imagens são muitas vezes brilhantes, mas não oferecem nenhum ponto de apoio para a análise das intenções. Elas não têm outra força senão a polêmica: opõem, por exemplo, a “abertura” de um espírito caracterizado pela intencionalidade ao lado “fechado” do mundo mental do sujeito representativo dos clássicos, de fato incapaz de sair do círculo de suas imagens mentais ou de suas ideias. Ou então, essas imagens opõem uma inquietação e um impulso constitutivos do sujeito das intenções à letargia e à satisfação embotada das coisas, que nada pode jamais colocar “fora de si” (ou arrancar, como também se diz, de sua “imanência”). Tais imagens não podem passar por uma análise, mas é preciso reconhecer, no entanto, que elas expressam com força uma expectativa por parte daqueles que comovem. Creio que o entusiasmo de várias gerações de filósofos franceses pelas ideias de Husserl e de Heidegger se explica menos por uma assimilação profunda dos aspectos conceituais e técnicos das difíceis doutrinas desses mestres do que por uma adesão dada de antemão, justamente com base em figuras de estilo sugestivas, a uma filosofia cujo princípio estava longe de ser compreendido, mas da qual se entendia, pelo menos, que prometia superar o psicologismo e o representacionismo da filosofia herdada dos clássicos. Foi assim que, por meio de seu célebre artigo sobre a intencionalidade em Husserl 2, Jean-Paul Sartre conquistou toda uma geração de jovens filósofos para a causa da fenomenologia, apresentando o pensamento husserliano como uma doutrina da [38] vida ao ar livre, que ele contrastava habilmente com a existência reclusa que nos imporia o idealismo acadêmico.
- Os fenomenólogos desenvolvem a transitividade (aparente) dos verbos psicológicos em uma doutrina da “transcendência” do ser consciente. Eles tomam, assim, a posição oposta à dos escolásticos, que distinguiam dois tipos de ação: a ação imanente (actio manens in agente) e a ação transitiva, ou física (actio transiens in obiectum). Sobre esse ponto, ver as observações de Anthony Kenny em Action, Emotion and Will, p. 193-197.[↩]
- « Une idée fondamentale de la phénoménologie de Husserl : L’intentionnalité » (Nouvelle revue française, 1939).[↩]