Imaginário

Wunenburger1993

Nos usos comuns do vocabulário das letras e das ciências humanas, o termo imaginário, como substantivo, remete a um conjunto bastante heterogêneo de componentes. Fantasia, memória, devaneio, sonho, crença não verificável, mito, romance, ficção são tantas expressões, mentais e às vezes exteriorizadas em obras, do imaginário de um homem ou de uma cultura. Pode-se falar do imaginário de um indivíduo, mas também de um povo, através do conjunto de suas obras e crenças. Fazem parte do imaginário as concepções pré-científicas, as crenças religiosas, as mitologias políticas, os estereótipos e preconceitos sociais, as produções artísticas, a ficção científica, que inventam outras imagens da realidade.

O termo é de registro recente na língua francesa e parece ignorado em muitas línguas (não há equivalente em inglês). C. Chelebourg aponta a aparição do termo em Maine de Biran em 1820 ou mais tarde em Alphonse Daudet, que fala de um “imaginário”, ou seja, de um homem dedicado a devaneios. Villiers de L’Isle-Adam evoca em “Ève future” esse domínio do espírito que a razão chama com desdém de “Imaginário”. O crescente sucesso da palavra no século XX pode ser atribuído à desafeição em relação ao termo imaginação, entendida como faculdade psicológica. A maior parte dos problemas do mundo das imagens foi, de fato, tratada por muito tempo sob a cobertura da palavra “imaginação”, que designava a faculdade de produzir e usar imagens. Com o declínio de uma certa psicologia filosófica (na metade do século XX) e sob a pressão das ciências humanas, o estudo das produções imagéticas, de suas propriedades e de seus efeitos, ou seja, o imaginário, progressivamente suplantou a questão clássica da imaginação. Em outras palavras, o mundo das imagens prevaleceu sobre sua formação psicológica.

No entanto, esse termo permanece delicado de definir e frequentemente entra em competição com outros, com os quais mantém interferências sutis:

Mentalidade: Termo amplamente utilizado pela escola histórica francesa dos Annales, que buscava estudar a história através das atitudes psicossociais de populações e seus efeitos sobre comportamentos e instituições. Mais concreta que a história das ideias, o estudo das mentalidades permanece, contudo, mais abstrato que a descrição dos imaginários;

Mitologia: Termo que designa um conjunto de narrativas, formando um patrimônio de ficções nas culturas tradicionais; contam histórias de personagens divinos ou humanos, servindo para traduzir de modo simbólico e antropomórfico crenças sobre a origem, natureza e fim de fenômenos cosmológicos, psicológicos e históricos. A mitologia constitui sem dúvida uma das formas mais elaboradas de imaginário, mas sua estruturação narrativa rigorosa em conjuntos coerentes não esgota todas as formas de imaginário. O termo mito, em sentido amplo, frequentemente designa todo tipo de crença coletiva não fundamentada objetivamente;

Ideologia: Designa uma interpretação global e dogmática (um “pronto-pensar”) de um domínio da vida humana, impondo uma série de explicações estereotipadas, não argumentadas, mas adotadas mediante imagens-força (a luta de classes é uma imagem motriz da ideologia marxista). Embora seja um discurso não narrativo, a ideologia frequentemente se enxerta em mitos: a função do proletariado na ideologia marxista parece beneficiar-se de sua semelhança funcional com a paixão de Cristo, cujo sofrimento seria libertador para a humanidade. F. Araujo distingue, entre mito e ideologia, um “ideologema” como “unidade significativa e mobilizadora de energias semânticas, no nível do imaginário social, capaz de traduzir e articular ideias-força (dimensão ideológica) e traços míticos (dimensão mítica: mitologemas, mitos diretores) do discurso analisado”;

Ficção: Designa invenções às quais não corresponde nenhuma realidade. Porém, tudo que é fictivo geralmente só o é relativamente, e em determinado momento. Além disso, existem ficções (assim como analogias) que pertencem a atividades racionais abstratas (no direito, nas ciências) e não à imaginação em sentido estrito. Somente o adjetivo “imaginário” conserva essa conotação de irrealidade. O termo ficção é, contudo, muito frequente na filosofia analítica e na semiótica, que se baseiam numa oposição real-fictício;

Temática: Termo particularmente utilizado na literatura comparada sob influência anglo-saxônica. Através do estudo de temas e motivos (a tematologia), busca-se extrair a matéria e as formas expressivas das obras. A temática permite de fato acessar o imaginário de um texto, mas sem abarcar todas suas dimensões, tanto mais que se limita às obras escritas.

O termo pode também ser precisado em relação a seus contrários: o real e o simbólico. O irreal parece opor-se ao real, mas frequentemente é difícil determinar se um conteúdo imaginário não possui alguma realidade no espaço ou no tempo. L. Boia mostra bem que o imaginário se define por suas estruturas internas mais que por seus referentes e materiais, cujo caráter real ou não é vão de determinar. Quanto ao termo simbólico, parece opor-se ao imaginário apenas em certos usos lógicos ou psicanalíticos. Assim, para J. Lacan, os desejos do sujeito são condicionados pelas escolhas operadas na cadeia de significantes da linguagem, através de metáforas e metonímias. O desejo pertence ao imaginário enquanto a relação do sujeito com a alteridade (grande Outro e pequeno outro) permanece sob dependência de um narcisismo primário ou secundário. O estágio simbólico aparece em consequência do recalque, pelo qual o sujeito confronta o imaginário com o real. Mas esse sentido específico de imaginário, limitado à regressão fantasista, não permite restituir os usos atuais muito mais amplos, onde o imaginário integra o simbólico.

Convém ainda distinguir imaginário de imagética. Esta designa um conjunto de imagens ilustrativas de uma realidade, cujo conteúdo está inteiramente preinformado pela realidade concreta ou pela ideia. O imaginário implica uma emancipação em relação a uma determinação literal, a invenção de conteúdos ou valores novos, deslocados, que introduzem a dimensão simbólica. Pode-se também diferenciar o imaginário de uma categoria muito específica, o imaginal. Introduzido pelo islamólogo H. Corbin, esse termo designa um mundo qualificado em latim como imaginalis e não imaginarius. Trata-se de designar assim, no domínio das espiritualidades místicas, imagens visionárias, dissociadas do sujeito, que possuem autonomia a meio caminho entre o material e o espiritual, e que servem para tornar presentes à consciência realidades ontológicas transcendentes.

Convencionaremos portanto chamar de imaginário um conjunto de produções, mentais ou materializadas em obras, baseadas em imagens visuais (quadro, desenho, fotografia) e linguísticas (metáfora, símbolo, narrativa), formando conjuntos coerentes e dinâmicos, que pertencem a uma função simbólica no sentido de um encadeamento de sentidos próprios e figurados que modificam ou enriquecem o real percebido ou concebido.