Homem, nem anjo e nem diabo

HUXLEY, Aldous. Contraponto. Tr. Erico Verissimo, Leonel Vallandro. São Paulo : Globo, 2014.

— Mas ninguém pede que você seja um touro ou um cão — disse Rampion com impaciência. — Ninguém pede que você seja isto ou aquilo, a não ser um homem. Um homem, toma bem nota disto. Nem anjo nem diabo. Um homem é um ser que anda sobre uma corda esticada, que caminha sobre ela delicada, equilibradamente, tendo, numa das extremidades da vara que lhe dá estabilidade, o espírito, a consciência, a alma, e na outra extremidade o instinto e tudo o que é inconsciente, tudo o que é terreno e misterioso. Em equilíbrio, sim. O que é tremendamente difícil. E o único absoluto que ele pode jamais conhecer de verdade é o absoluto do equilíbrio perfeito. O absoluto da relatividade perfeita. E isto, sob o ponto de vista intelectual, é um paradoxo, um contrassenso. Mas também o é toda verdade real, autêntica, viva, simples contrassenso, segundo a lógica. E a lógica é um simples contrassenso também à luz da verdade viva. Pode-se escolher a que se quiser — a lógica ou a vida. É questão de gosto. Algumas pessoas preferem ser cadáveres.