GMarcel1951
Mas, em minha opinião, nada mostra mais claramente as profundas diferenças que separam Rilke dos filósofos existencialistas como Heidegger ou Jaspers — que, explícita ou implicitamente, negam a realidade do jenseits ou do Além — do que essa disponibilidade em relação ao oculto.
Poder-se-ia objetar que a declaração de fidelidade à terra encontrada, por exemplo, na Nona Elegia, parece sugerir, como contrapartida, uma negação similar do outro mundo. Mas é preciso ter cuidado para não nos deixarmos enganar por fórmulas aqui. Por um lado, a terra, nesse caso, opõe-se essencialmente ao céu cristão; por outro, é evidente que em nenhum momento Rilke concebe a terra de modo positivista.
Devemos lembrar que há um lado do mundo que não está voltado para nós e que, portanto, como os românticos pressentiram, existe um mundo noturno — justamente onde a metamorfose se realiza. Parece-me óbvio que essa metamorfose não pode ser simplesmente a transformação dos elementos orgânicos do nosso ser, conforme concebida pelo panteísmo materialista.
A Décima Elegia, que descreve de maneira quase egípcia as etapas da jornada que cada um de nós terá de cumprir, tornaria-se incompreensível se a considerássemos sob essa perspectiva. Certamente, ela pode ser interpretada como um canto fúnebre que celebra “a majestade do sofrimento humano” — mas isso não leva em conta o fato de que, para Rilke, parece haver uma trajetória dos mortos, assim como há uma trajetória das estrelas, que por fim se perde de vista na distância.
Além disso, ao final desse canto de sombria grandeza, brilha como uma luz ou promessa a humilde imagem da amenta pendurada no ramo nu da aveleira, que parece trazer notícias do reino oculto da terra na primavera… o Vorfrühling que Rilke tanto amava.